O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), em conjunto com a Cetfor (Câmara Técnica Especializada em Tecnologia, Computação Forense e Análise de Dados de Alta Complexidade), revelou detalhes sobre os últimos dias da vida de Vanessa Ricarte. A jornalista foi assassinada pelo companheiro Caio César Nascimento Pereira em fevereiro, após ser submetida a uma rotina de perseguição física e digital, vigilância constante, controle abusivo e violência psicológica.
De acordo com o relatório técnico elaborado pelos promotores, baseado em provas digitais obtidas por afastamento judicial de sigilo telemático, Vanessa foi vítima de uma escalada de comportamentos abusivos por parte de Caio. O conteúdo extraído de mensagens, registros de chamadas, arquivos multimídia, dados de localização e interações em aplicativos revela com clareza um padrão de conduta obsessiva que culminou no feminicídio.
A análise aponta que o relacionamento entre Vanessa e Caio teve início em setembro de 2024, com envolvimento mais intenso a partir de outubro. Porém, desde o início de 2025, Caio passou a impor um padrão de perseguição contínua e agressiva.
Ele exigia que a vítima compartilhasse sua localização em tempo real durante o trabalho, usava recursos de localização do celular, notebook e Apple Watch para segui-la virtualmente, e até alterou senhas de suas contas pessoais para manter controle total, demonstra o MPMS (Ministério Público Estadual).
Entre os dias 20 de janeiro e 10 de fevereiro, período do backup analisado, Caio exigia explicações constantes sobre a rotina de Vanessa, monitorava seus contatos profissionais e amigos, cobrava retornos imediatos para casa, proferia ofensas, e depois pedia perdão. O comportamento caracteriza o chamado “ciclo da violência”, segundo o relatório.
Em uma ocasião específica, no dia 31 de janeiro, enquanto participava de um evento no trabalho, em frente a um shopping, Vanessa foi localizada por Caio por meio do Apple Watch. O aparelho, no entanto, a localizada no shopping, em vez do serviço.
Caio, então, passou a enviar mensagens exigindo explicações a ela. Em resposta, Vanessa mandou imagens, áudios e localização ao vivo tentando demonstrar que estava no trabalho.
Controle absoluto, exposição, humilhação e cárcere privado
No dia 7 de fevereiro, Caio ativou o “Modo Perdido” no Apple Watch de Vanessa para rastreá-la e exigiu o retorno imediato dela para casa. Após sair do trabalho, Vanessa seguiu para casa, sendo novamente abordada por uma chamada de vídeo de Caio durante o trajeto.
Ainda nesse dia, ele afirmou que revisaria todos os grupos de amizade da vítima nos aplicativos de mensagens, restringindo os vínculos sociais dela. Nos dias 6 e 7 de fevereiro, ele chegou a configurar seu próprio e-mail como recuperação da conta de Vanessa.
No dia seguinte, Vanessa chegou a alterar as senhas das redes sociais. Ao perceber que havia sido removido de contas vinculadas à vítima, no dia 10, Caio reagiu alterando senhas e intensificando a vigilância.
O relatório do MP indica que, durante o período de 23 de janeiro a 12 de fevereiro, Caio manteve Vanessa sob vigilância ininterrupta, praticando os crimes de perseguição (stalking e cyberstalking), exposição da intimidade, cárcere privado e violência psicológica.
Além do controle obsessivo, o documento revela que Caio expôs imagens íntimas de Vanessa em uma atitude classificada como “revenge porn”. Ele publicou na própria conta dela no Instagram um link que redirecionava para um site pornográfico contendo imagens da vítima.
As fotos, segundo Vanessa, haviam sido tiradas por Caio com o pretexto de mostrar marcas deixadas por um treino de crossfit, mas acabaram sendo usadas para humilhá-la publicamente. Uma notificação do site pornográfico confirma que, na madrugada de 11 de fevereiro, houve acesso ao conteúdo por meio de uma conta de e-mail ligada a Caio.
Vanessa chegou a registrar pedido de medida protetiva, demonstrando a intenção de ver o agressor processado. Segundo o MP, embora não tenha conseguido prestar um depoimento completo à polícia antes de ser assassinada, o histórico digital e os registros da investigação revelam de forma clara os abusos cometidos por Caio.
O Gaeco apresentou o relatório ao juiz da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande como parte da ação penal movida contra Caio. O documento serve como base probatória para sustentar a denúncia de feminicídio, stalking, cárcere privado, exposição de intimidade e violência psicológica.