A operação que atingiu o coração do poder judiciário de Mato Grosso do Sul com a investigação sobre um esquema de venda de sentenças mostra que os investigados movimentaram altos valores nos últimos anos. Para a Polícia Federal, as grandes quantias sem nenhuma comprovação lícita são os indícios principais do pagamento de propina dentro do TJMS (Tribunal de Justiça de MS).
A partir da quebra de sigilo fiscal dos alvos da operação Ultima Ratio, foram demonstradas negociações duvidosas e que, segundo os investigadores, explicam a engrenagem do esquema. Um dos exemplos é encontrado nas movimentações bancárias de Danillo Moya Jeronymo, sobrinho do conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), Osmar Jeronymo.
Entre 2015 e 2022, segundo a PF, Danillo sacou em dinheiro de sua conta R$ 1,2 milhão.
O que chama atenção é a incompatibilidade das transações. Danillo é servidor comissionado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Ainda assim, entre 2020 e 2022, segundo a polícia, fez três saques em espécie que somam R$ 570 mil: no dia 20 de maio de 2020, ele fez um único saque de R$ 250 mil.
Para a polícia federal, os saques feitos por ele são relevantes porque apontam que foram feitos para impedir o rastreamento dos destinatários do dinheiro.
As investigações contra Danillo Moya Jeronymo não são novas. Nascem em 2021, na operação Mineração de Ouro, que investigou um esquema de corrupção dentro do TCE-MS e resultou no afastamento de três conselheiros de Mato Grosso do Sul. Foi com base nos materiais apreendidos na ação daquele ano, que parte do esquema no TJMS foi comprovado.
Outra peça importante nesse tabuleiro, que também aparece como alvo de busca e apreensão lá em 2021, é o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha – considerado o mediador das compras de sentença no estado.
A apuração da Polícia Federal encontrou transferências no valor de pouco mais de R$ 1 milhão, entre abril e julho de 2017, da empresa Florais Transporte para a conta de Félix. Na mesma época, o advogado sacou quase todo o valor em espécie.
A empresa Florais Transportes tem sede em Mato Grosso e pertence a Andreson Gonçalves, apontado como um lobista do esquema e contato de Félix em Brasília. Conforme conversar interceptadas no arquivo do próprio advogado.
O relatório da polícia diz que não há comprovação do motivo do recebimento dos valores por Félix Jayme, nem a destinação dos saques, mas menciona que, em junho de 2017, mesma época das movimentações financeiras, houve uma decisão judicial favorável a um cliente do advogado que contou com votos de três desembargadores investigados: Sideni Soncini Pimentel, Vladmir Abreu da Silva e Júlio Roberto Siqueira Cardoso.
O processo é referente a reintegração de posse de uma área em Ponta Porã que pertence a um cliente de Félix.
Transferências fracionadas
Outra movimentação identificada com a ajuda de quebra de sigilos fiscais mostra o envolvimento de Ana Carolina Abreu, filha do desembargador afastado Vladmir Abreu da Silva.
Os investigadores encontram 150 depósitos em espécie nas contas da advogada no valor de quase R$ 295 mil, entre fevereiro de 2014 a novembro do ano passado. Para polícia, as transações são indícios de que foram realizadas para ocultar a origem do dinheiro.
De acordo com o relatório, de fevereiro de 2016 a outubro do ano passado, o escritório de advocacia de Ana Carolina recebeu 471 depósitos em dinheiro, que totalizam mais de R$ 1 milhão.
Também chamou a atenção da Polícia Federal o fracionamento dos depósitos em espécie: foram 328 depósitos no valor de R$ 2 mil, que somaram R$ 656 mil e 47 no valor de R$ 1 mil, cerca de 47 mil reais.
A técnica de fracionamento do dinheiro, também conhecida como estruturação, structuring, smurfing ou pitufeo, é um dos métodos usados pelos criminosos para lavagem de dinheiro. Tudo é pensado para evitar suspeitas por parte das instituições financeiras e de outros setores regulatórios que monitoram as comunicações financeiras.
Por isso, a partir da descoberta na conta de Ana Carolina, os investigadores decidiram analisar os dados bancários do pai dela, o desembargador Vladmir Abreu da Silva e afirmam que, com base no ano-calendário de 2022 do Imposto de Renda do magistrado, não era possível saber a origem de mais de R$ 500 mil declarados por ele, aparentemente em espécie.
Para Polícia Federal, todo o dinheiro sem comprovação é mais um indício de venda de decisões judiciais em Mato Grosso do Sul.
O que dizem?
A defesa do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Osmar Jeronymo, diz que só vai se manifestar depois que tiver acesso ao inquérito e as medidas cautelares. A reportagem não conseguiu contato com Danillo Moya Jeronymo.
Também foi feito contato com o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul para saber o que dizem os desembargadores afastados Sideni Soncini Pimentel e Vladmir Abreu da Silva. A assessoria apenas informou que o caso está sob competência do Supremo Tribunal Federal, em segredo de justiça, e ainda em tramitação.
O advogado Félix Jayme Nunes da Cunha não retornou as ligações e não foi possível falar com a advogada Ana Carolina Abreu.
A equipe de reportagem também não conseguiu contato com a defesa do desembargador afastado, Júlio Roberto Siqueira Cardoso.
A defesa do empresário Andreson Gonçalves informou por meio de nota que ainda não teve acesso às investigações que correm sob sigilo judicial. A defesa disse ainda que acompanha o desenrolar das apurações e assim que tiver conhecimento de todos os elementos do inquérito, vai se manifestar em momento oportuno, com o objetivo de esclarecer todos os fatos.