Formado em engenharia civil, o atual presidente do Hospital São Julião, Carlos Melke, destacou ao Correio do Estado a trajetória de sucesso da entidade, que é a terceira do País em referência oftalmológica.
Com 83 anos de existência e mais de 50 anos sob administração da Associação Beneficente São Julião, o hospital tem uma história marcada pelo compromisso com a população e pela excelência no atendimento 100% gratuito.
Melke relatou que o São Julião sobrevive e prospera graças a uma combinação de gestão estratégica e parcerias sólidas. Ele enfatizou o papel crucial das emendas parlamentares, que complementam o financiamento e permitem à instituição manter a qualidade e a continuidade dos seus serviços.
O gestor descreveu o Hospital São Julião como um modelo de como as instituições de saúde devem operar, combinando trabalho voluntário, gestão eficiente e responsabilidade social.
Ele acredita que o hospital, ao longo de suas mais de oito décadas de existência, não apenas vem cumprindo o seu papel na saúde pública, mas também tem padrões estabelecidos elevados de compromisso comunitário e excelência em saúde.
Desde 2022, Melke é presidente da associação que administra o Hospital São Julião. Sob sua gestão, a instituição tem mantido um equilíbrio financeiro com o apoio de emendas parlamentares e parcerias com o Estado e a prefeitura, garantindo atendimento de qualidade. Confira a entrevista a seguir.
Muitos hospitais beneficentes e filantrópicos tem passado por problemas financeiros. Como está o São Julião nesse quesito?
O São Julião é um grande exemplo de como um hospital tem que ser gerido, tem que ser administrado, sendo essa uma sequência de boas administrações. Foram poucos presidentes aqui no Hospital São Julião durante seus 83 anos de existência, em que há mais de 50 é administrado pela associação.
Nós somos um hospital privado, essencialmente filantrópico, que só atende o Serviço Único de Saúde (SUS). Ninguém aqui se remunera com nada, nosso trabalho é voluntário, aqui ninguém tem nenhuma remuneração.
E as administrações são acompanhadas da participação do governo do Estado, da Prefeitura de Campo Grande e, principalmente, dos parlamentares, deputados e senadores que a gente tem que reverenciar pelas suas emendas. São elas complementam a nossa operação.
E grande parte dos nossos parlamentares, a maioria deles, é sensível (à causa), até porque eles têm a obrigação pela Constituição de destinar uma parte dessas emendas para a saúde. E eles, todos os anos, disponibilizam uma parte desse recurso (ao São Julião). É o que se espera que seja feito, uma vez que eles são os protagonistas da saúde.
Como o hospital equilibra suas contas?
O São Julião não tem um passivo financeiro, não tem nenhuma conta atrasada, nenhuma. Não tem um passivo tributário, não deve nenhum centavo de imposto e também não tem um débito trabalhista com ninguém.
A única coisa que ele não tem é dinheiro. Digo, não tem dinheiro em caixa sobrando. Então, todo ano e todo mês é uma batalha para poder fechar as contas. Estamos chegando agora na época do 13º (salário). Quer dizer, até porque já implantamos na nossa gestão, nós estamos com o 13º provisionado para ser pago.
Para equilibrar a gestão, contamos com a contratualização, que é o gestor, é a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau). Porém, trata-se de um contrato que existe há seis anos, que não foi reajustado e que, por isso, está totalmente defasado, em função da falta de recursos.
Então, realmente, eu acho que é aí que se deve instigar a administração a fazer um planejamento mais efetivo, mais consistente. Porque, na verdade, quem sustenta a saúde, quem faz a parte final da saúde, pelo menos aqui no município de Campo Grande, são os filantrópicos. Ou seja, aqui a gente também tem, além desse contrato com a prefeitura, a questão das doações.
O hospital recebe muito pouco a partir do envolvimento da sociedade, na questão de doação, que é praticamente inexistente. Então, além dos contratos com a prefeitura, tem as emendas parlamentares também.
Para o próximo ano, como está o caixa do hospital? Já há previsão para repasses por parte do poder público? Se não, quanto seria necessário para cobrir todas as atividades do São Julião?
Temos sim uma previsão de repasse, a parte do poder público, a contratualização, que está garantida até o vencimento do contrato, mas o que todo fim de ano a gente corre atrás é de que os parlamentares destinem aquelas emendas para sustentação durante o ano que vem.
Atualmente, o hospital precisa de R$1 milhão por mês a mais do que ele recebe da contratualização para arcar com as despesas. A verdade é que a contratualização deveria cobrir esse valor que hoje está em R$ 2 milhões.
O total necessário para que o hospital funcionasse tranquilamente por mês seria em torno de R$ 3 milhões, que é mais ou menos o custo operacional do São Julião.
Que projetos ou pagamentos poderiam estar prejudicados caso esse repasse não seja feito?
Se a verba não é suficiente, como já ocorreu em algumas épocas em que se deixou de pagar médico, se deixou de pagar salário, atrasa tudo. Isso já aconteceu aqui, como também em todos os outros hospitais.
Então, se isso (recebimento de verba) não ocorrer, com certeza vai trazer problemas para todas as instituições, e não só para o Hospital São Julião.
Nós temos aqui mais de 500 funcionários diretos, temos os funcionários indiretos, prestadores de serviços, os médicos e outros profissionais.
Dentro disso, se não houvesse esse repasse, esse investimento, as atividades que seriam principalmente prejudicadas seriam as voltadas ao pagamento de médicos e pessoal.
Quantos atendimentos o hospital faz por mês com a verba repassada?
Eu vou dar um número geral baseado nos dados do SUS. O São Julião fez, no ano passado, 575 mil procedimentos. Quer dizer, é (um número) grandioso. O hospital executa mais de 70 cirurgias por dia. Aqui dentro, nós temos seis salas cirúrgicas – e com o potencial para aumentar, para melhorar isso.
Também são realizadas uma média de 400 consultas diárias, sendo das mais diversas especialidades. Nós atendemos principalmente a área oftalmológica, em que somos referência no Brasil. Nós somos
a terceira residência do País (em oftalmologia).
Quais os principais projetos do São Julião para 2025?
Nós estamos ampliando o nosso ambulatório, estamos implantando uma nova unidade de refrigeração do centro cirúrgico, pois o local já tem 30 anos.
Estamos fazendo o projeto de um novo ambulatório, sendo esse mais grandioso, para poder atender a quantidade de gente que recebemos, proteger as pessoas do sol e da chuva, que muitas vezes ficam para fora por conta do tamanho reduzido que temos hoje. E estamos ampliando para dar conta dessa demanda.
Estamos colocando os gases medicinais em todos os pavilhões que não tinham. E temos um grande projeto, que é um hospital do idoso aqui dentro do São Julião. São 250 leitos, mais 10 salas de cirurgia e outras 20 unidades de terapia intensiva (UTIs).
O São Julião é conhecido também por seu trabalho com a reciclagem. Qual a meta para os próximos anos nesse setor? O porcentual de 80% pode ser ampliado?
A reciclagem no hospital aconteceu porque na época não tinha coleta de lixo. Então, a coleta não chegava até aqui dentro do São Julião. Hoje, o hospital produz a água que ele consome, trata, analisa e entrega ela com a melhor qualidade. Faz o tratamento de todo o esgoto do complexo.
Então, começou-se esse trabalho na área de reciclagem, em que a gente se transformou no primeiro hospital da América Latina com certificado lixo zero. O objetivo é chegar a 90% de reciclagem, e achamos perfeitamente possível.
Mas é difícil em um ambiente complicado como o de um hospital, onde existem muitos tipos diferentes de materiais. Então, chegar a 82% já é um índice extraordinário.
Um outro diferencial que temos é não ter mais copos descartáveis. Onde você andava por aqui você via copo plástico, mas agora colocamos os copos com material feito de fibra de arroz. É biodegradável e foi dado a cada um dos colaboradores.
Para os pacientes, o copo de vidro, desinfetado, lavado, foi disponibilizado. Quando o paciente é notificado, agendado, já é informado para ele trazer o seu copinho e a sua garrafinha (de água).
Ao longo dos anos, o São Julião diversificou a sua atuação, começando como um hospital destinado aos “leprosos” e hoje já é especializado em oftalmologia. Como foi esse processo?
Tudo isso é um reflexo lá do início, por exemplo, pois a hanseníase é uma doença que afeta as vistas. Tivemos que nos especializar para atender. A partir de um determinado momento em que se encontrou o coquetel que estabilizou a doença, os casos diminuíram.
A situação foi se reinventando, puxando as outras especialidades que vieram a partir da hanseníase, e fizemos os tratamentos de recuperação. Fomos acompanhando as demandas da sociedade conforme foram mudando. Já havia uma certa expertise por conta de todas as comorbidades que a hanseníase trouxe.
Atualmente ainda é esse processo, isto é, continuar acompanhando as mudanças, essa é a reinvenção do Hospital São Julião. Modernizar e evoluir, essa é a ideia hoje, continuar mantendo a excelência na prestação de serviços para o SUS.
Perfil – Carlos Melke
É engenheiro civil formado pela Fundação Vale Paraibana de Ensino (FVE), em São José dos Campos (SP), instituição com forte conexão acadêmica ao Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA).
É um profissional com uma trajetória de mais de quatro décadas no serviço público e no setor privado, especialmente nas áreas de infraestrutura e planejamento.
Após voltar a Campo Grande, na década de 1970, iniciou sua carreira na prefeitura, tendo atuado na Secretaria Municipal de Obras e ocupado o cargo de diretor de Urbanismo.
Foi secretário municipal de Obras e Urbanismo em Ponta Porã durante sete anos. Retornando à Capital, foi diretor-presidente da Sanesul.
Desde 2022, Melke é presidente da Associação Beneficente São Julião, entidade que administra
o Hospital São Julião.