Em Campo Grande, o ministro do STF defendeu a PEC do Quinquênio como forma de a magistratura ter os melhores profissionais
Ao participar, na sexta-feira, do 15º Congresso de Direito Tributário, Constitucional e Administrativo, realizado no Centro de Convenções Rubens Gil de Camilo, em Campo Grande (MS), o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma entrevista exclusiva ao Correio do Estado.
Durante a conversa, ele abordou o atrito entre Suprema Corte e Congresso, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 10/2023, mais conhecida como “PEC do Quinquênio”, e a decisão do STF de obrigar a criação de uma lei nacional de proteção ao bioma do Pantanal.
“Na verdade, os poderes, nos termos da Constituição Federal, são independentes e também, na medida do possível, devem ser harmônicos. Quando há uma dissonância de compreensão, quer seja ela em matéria tributária, quer seja de direitos fundamentais, essa dissonância de compreensão é de serviço com certa naturalidade”, declarou.
Fachin ressaltou que o STF, “ao fazer uma interpretação constitucional, emite, nos termos da Constituição, designado que foi pela Constituição para ser o guardião da própria Constituição, emite um juízo de interpretação sobre o sentido e alcance da Constituição”.
“Agora, é preciso reconhecer que o Poder Legislativo é o depositário primeiro da soberania popular. Pelo voto e por meio dos seus representantes, é esse modelo que temos, é exatamente esse modelo da democracia representativa. Isso significa, portanto, que a lei básica, que é a Constituição, é um produto do parlamento e é esta lei básica que é guardada, por assim dizer, protegida por meio da interpretação constitucional”, analisou.
Como exemplo, o ministro do STF citou a reforma tributária, que alterou em muita coisa a Constituição.
“O que o Supremo Tribunal Federal irá fazer é examinar se as leis que regulamentarão a reforma tributária estão de acordo com a Constituição agora emendada. Portanto, é preciso então reconhecer que há esse famoso conjunto de freios e contrapesos”, argumentou.
Para ele, às vezes, o Congresso Nacional aprova uma lei que o Supremo declara inconstitucional porque a lei não passa pelo juízo da interpretação de conformidade constitucional.
“Portanto, eu estou dando a interpretação técnico-jurídica desse conflito. Do ponto de vista de outras visões, como a visão política ou a visão institucional, às vezes, essas dissonâncias são ‘superlativadas’, como se existisse um verdadeiro conflito entre poderes. O que há é uma natural disputabilidade nos espaços próprios de cada poder”, garantiu.
Fachin acrescentou que se trata “de uma relação que tem idas e vindas, porque, na medida em que há determinados temas que o Supremo é chamado a se pronunciar, em alguns há dissensos e desacordos do ponto de vista da sua compreensão”.
“Isso significa, portanto, que não foi e não é a primeira situação que vai ocorrer e certamente não é a última”, alertou.
Para o ministro, o que é importante é que esse tipo de dissenso seja resolvido nos termos da Constituição.
“Ou seja, que nenhum poder se sobreponha ao outro. Portanto, ao haver uma mudança constitucional, o Supremo irá guardar a Constituição assim alterada. Nada obstante, quando o Supremo declara uma lei inconstitucional, essa declaração é vinculante para todos, inclusive para o Poder Legislativo”, reforçou.
Ao lado dessas legislações é necessária uma lei federal geral de proteção do bioma do Pantanal. Essa foi a decisão do STF. E, portanto, esse é um dos casos em que a palavra do Supremo é a última palavra sobre essa matéria” – Edson Fachinexplicando a obrigatoriedade de uma lei geral de proteção ao Pantanal
PEC DO QUINQUÊNIO
A respeito da “PEC do Quinquênio”, de autoria do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e que prevê aumentos de 5% nos vencimentos de desembargadores, juízes, promotores de Justiça e outras carreiras do Judiciário a cada cinco anos, Fachin mostrou-se favorável.
“A magistratura precisa recrutar para seus quadros profissionais altamente qualificados, tal como se dá na iniciativa privada, em que a qualificação e o recrutamento constituem um meio de competitividade, ou seja, as empresas que buscam mais sucesso procuram ter os melhores profissionais. Essa racionalidade guardada nas proporções também deve ser aplicada à magistratura”, assegurou.
No entendimento dele, a magistratura precisa oferecer remuneração e contrapartida no seu recrutamento.
“Agora, qual é o limite dessa contrapartida? O limite são as regras de natureza constitucional e o Congresso Nacional, nesse momento no Senado, está a discutir se a volta do chamado quinquênio faz parte dessa política de incentivo de manutenção dos quadros da magistratura ou de recrutamento dos quadros da magistratura”, analisou.
Fachin ressaltou que essa é uma decisão do Congresso Nacional e não cabe ao Poder Judiciário, por antecipação, dizer se essa alteração ofenderá ou não algum determinado dispositivo constitucional.
“Se o Congresso assim decidir, isso será cumprido. Se o Congresso não aprovar, como o Congresso é o ‘locus’ da soberania popular, os representantes dirão isto, vai ser deferida a magistratura ou isso não vai ser deferida a magistratura. Essa é uma decisão do parlamento, não é uma decisão do Poder Judiciário”, declarou.
PANTANAL
Outro ponto comentado pelo ministro foi o fato de o STF entender que o Congresso Nacional é omisso em relação à proteção do Pantanal. Diante disso, a corte fixou prazo de 18 meses para que o Poder Legislativo definisse normas específicas para o bioma.
Por 9 votos a 2, a Corte concluiu que o parlamento descumpriu a Constituição quanto à exigência de que editasse uma lei regulamentadora.
“Nessa questão, há duas coisas importantes, a primeira delas é a obrigatoriedade da edição de uma lei geral de proteção do bioma do Pantanal está na Constituição, portanto, ela tem 35 anos. E o parágrafo 4º do Artigo 205 da Constituição Federal dizia e determinava que uma lei específica protetiva do bioma do Pantanal fosse criada e o Congresso não o fez. Portanto, esta é a primeira circunstância”, analisou.
Para Fachin, o Supremo faz o controle de constitucionalidade de leis editadas pelo Congresso, mas também faz o controle de omissões inconstitucionais do Congresso.
“Porque a inconstitucionalidade, a desconformidade com a Constituição, não está apenas em uma lei que é editada, ela pode estar em uma omissão que decorre da falta de um cumprimento de um dever de legislado”, disse.
Então, conforme o ministro, no julgamento, por maioria, e ele acompanhou a corrente vencedora, a Suprema Corte entendeu que há uma omissão do Congresso e o Congresso tem que suprir essa omissão. “Esse é o primeiro aspecto importante”, reforçou.
Já o segundo aspecto importante, na opinião dele, é saber se as leis atualmente existentes, ou seja, as leis estaduais, no caso, Mato Grosso do Sul tem uma lei específica sobre isso, ou mesmo um determinado dispositivo do Código Florestal, que é o artigo 10, já seria o suficiente para proteger.
“O Supremo entendeu que a legislação estadual é relevante, entendeu que o dispositivo, esse artigo 10 do Código Florestal sobre pantanais também é importante, mas não são suficientes. Ou seja, ao lado dessas legislações é necessária uma lei federal geral de proteção do bioma do Pantanal. Essa foi a decisão do STF. E, portanto, esse é um dos casos em que a palavra do Supremo é a última palavra sobre essa matéria”, finalizou.