O Rio Paraguai está secando. Dados do Serviço Geológico do Brasil (SGB) indicam que a principal bacia do Pantanal pode enfrentar a maior seca já registrada. Alguns pontos do curso d’água já atingiram marcas negativas históricas neste ano.
Ao longo de 2.695 mil quilômetros, dos quais 1.693 km ficam no território brasileiro existem 21 réguas que medem o nível do Rio Paraguai. Do total, 18 pontos de medição estão com níveis menores do que o esperado para este momento. Destes locais críticos, três réguas estão em patamares negativos. Os dados são do SGB.
O Rio Paraguai passa também pela Bolívia, Paraguai e desagua na Argentina. É o principal rio do Pantanal, e tem registrado níveis baixíssimos desde o início de 2024 — em julho registrou o menor nível em quase 60 anos. O rio abrange 48% no estado do Mato Grosso e 52% do Mato Grosso do Sul e atravessa os biomas Cerrado, Pantanal e também o Chaco, considerado bioma paraguaio semelhante ao Pantanal.
Rio Paraguai enfrenta seca. — Foto: TV Morena/Arquivo
Nesta sexta-feira (6) em Ladário (MS), a régua indicou que o nível do rio estava em -25 centímetros . O esperado para este momento do ano era de 3,53 metros. As réguas de Porto Esperança e no Forte Coimbra, em Corumbá, também estão em níveis negativos, com -93 cm e -150 cm, respectivamente.
Veja na tabela abaixo como estão e como deveriam estar os níveis em todas as estações ao longo do curso do Rio Paraguai:
Rio Paraguai: como estão e como deveriam estar os níveis de água
Local | Nível atual | Nível esperado |
Barra do Burgres | 26 cm | 62 cm |
Cáceres | 37 cm | 1,44 metros |
Porto Conceição | 1,73 metros | 3,31 metros |
Bela Vista do Norte | 3,02 m | 0 m |
Cuiabá | 92 cm | 1,03 metros |
Sto. Antônio do Leverger | 2,22 m | 3,08 m |
Barão de Melgaço | 1,68 metros | 2,28 metros |
Acima do Córrego Grande | 23 cm | 72 cm |
São Jerônimo | 1,99 m | 0 m |
São José do Piquiri | 1,82 m | 2,07 metros |
Pousa Taimã | 2,07 metros | 2,76 metros |
Porto São Francisco | 3,95 metros | 5,93 metros |
Ladário | -25 cm | 3,53 metros |
Coxim | 3,67 metros | 3,05 metros |
Estrada MT-378 | 87 cm | 0 m |
Miranda | 1,05 m | 1,66 metros |
Palmeiras | 1,26 metros | 1,46 metros |
Aquidauana | 1,54 metros | 2,48 metros |
Porto Esperança | – 93 cm | 0 m |
Forte Coimbra | -150 cm | 2,97 m |
Porto Murtinho | 96 cm | 5 metros |
Prognósticos indicam pior seca da história
Os índices negativos não indicam que o rio está completamente seco, mas sim abaixo do “marco zero” das réguas de medição. O coordenador nacional do Sistema de Alertas Hidrológicos do SGB, Artur Matos, explica que esses marcos não significam o leito do rio. Diante disso, número negativos também são esperados na série de dados.
“O zero da régua não é o fundo do rio. Quando a régua foi instalada, lá em 1900 por exemplo como a de Ladário, o “zero” da régua foi determinado. Não se mudou a régua para se ter a mesma referência. Podemos comparar a partir da mesma referência”, contextualizou o especialista.
Rio Paraguai pode enfrentar seca histórica, no Pantanal
Artur lembra que as piores secas no Pantanal foram em 1964 e 2021, quando o nível do rio atingiu -0,61 e -0,60 metros, respectivamente. O ano de 2020 também ficou marcado como ano recorde de incêndios no bioma quando o fogo consumiu cerca de 4 milhões de hectares — o equivalente a cerca de 26% do Pantanal.
“Com o nível do rio diminuindo, vamos a chegar a mesma dimensão ou até pior do que de 1964 e 2021. A previsão para Ladário é chegar próximo ao -60 cm ou menos ainda. A projeção é estimada a partir do que está acontecendo, com base no histórico e dados climáticos”, detalha o pesquisador do SGB.
As previsões do SGB indicam cenários críticos para as regiões de Cáceres, Ladário e Porto Murtinho. Nas três cidades, as projeções indicam níveis de seca históricos ou semelhantes aos piores já registrados pelo sistema.
“Neste ano, o nível está em -25, descendo ainda mais. Em alguns pontos descem 15 centímetros por dia. Este ano, podemos dizer, que é a seca de mesma dimensão de 2021 e 1964. A situação pode se tornar pior do que estas duas vezes. Se não tiver chuvas nos próximos dias, podemos caminhar para um cenário alarmante”, pontua.
Estiagem compromete existência do Pantanal
A maior planície alagável de água doce do mundo. Abrigo de animais que dependem do ecossistema úmido para sobrevivência. Bioma único em todo o mundo. O Pantanal é o que é pela água. O professor da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Pantanal Carlos Padovani explica que a seca tem feito as principais características do território pantaneiro serem relativizadas.
Animais no Pantanal — Foto: Reprodução/TV Globo
“O histórico de estiagem é enorme, não há um histórico de renovação. Vemos o efeito acumulativo, de catástrofes, não temos uma visão mais ampla, um cenário que indique a capacidade de resiliência do Pantanal. Isso tudo tem abalado a principal característica do bioma: a resiliência. Isso ocorre por causa da questão das queimadas, uso desenfreado de agrotóxicos e outros químicos para matar vegetação. É uma junção de catástrofes que caminham para perda do Pantanal. O Pantanal pode perder bastante sua biodiversidade, sua abundância. O ecossistema está extremamente fragilizado”, afirma o pesquisador.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou na quarta-feira (4) que o Brasil pode perder o Pantanal por completo, até o fim deste séculose o mundo não for capaz de reverter o cenário de aquecimento global.
Marina participava de uma sessão da Comissão de Meio Ambiente do Senado para falar sobre as queimadas e a estiagem prolongada que atinge a maior parte do país – com prejuízo maior ao Pantanal e à Amazônia.
O fogo consome o Pantanal há mais de três meses. Mais 2,6 milhões de hectares foram destruídos pelas chamas, o que deixa um rastro de devastação ambiental e morte de animais. Para se ter uma dimensão, a área completamente destruída representa quase 18% de todo o território pantaneiro no Brasil.
Padovani é categórico ao dizer que não há uma expectativa próxima de chuva. “Se chover, vai ser abaixo da média. Os rios vão acabar drenando o Pantanal, o principal desgaste da planície. As áreas mais baixas ainda tinham pouca água, mas com a continuidade do período seco, estas áreas estão mais secas”.
Com mais seca, mais fogo. Padovani explica que as chamas são suscetíveis em locais mais expostos e mais secos. “Vão ter mais secas e nova frente de risco para fogo. Estes trechos serão favoráveis à queimadas”.
“Para fauna terrestre, os riscos são as queimadas. A drenagem dos rios causa uma perda para os anfíbios e organismos aquáticos, que vão estar mais expostos, sem capacidade de sobreviver. Na água é complicado, os peixes vivem ao longo do rio, vão descendo e vão ficar na planície sem abrigo”.
Navegabilidade e abastecimento de água comprometidos
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) identificou 18 pontos críticos e 15 pontos potencialmente críticos no Rio Paraguai. Os transportes de ferro, soja e outros itens de exportação por meio da hidrovia estão comprometidos. Setores da pesca e turismo também sofrem com a seca.
Barco de pescadores à margem do Rio Paraguai, em Corumbá — Foto: Fabiano do Valle
A Marinha do Brasil informou que a navegação ocorre normalmente, mas com a adoção de medidas por parte dos navegantes. Os cuidados são os seguintes:
- Redução da carga embarcada;
- Redução do número de barcaças dos comboios;
- Uso de cartas náuticas atualizadas.
Em 13 de maio deste ano, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou “situação crítica de escassez” na bacia do rio Paraguai. A decisão foi embasada diante do cenário crítico e da queda drástica do nível d’água do rio, por toda extensão.
O comunicado da ANA apontou que “o nível d’água do rio Paraguai em abril de deste ano atingiu o pior valor histórico observado em algumas estações de monitoramento ao longo de sua calha principal, sendo que o cenário de escassez ocorre desde o início deste ano na Região Hidrográfica do Paraguai”.
Além das perdas para o meio ambiente, a escassez do rio já afeta outros setores da sociedade. A ANA elencou os problemas ocasionados com o baixo nível:
- Impactos aos usos da água, sobretudo em captações para abastecimento de água – especialmente em Cuiabá (MT) e Corumbá (MS);
- Impedimento na navegação;
- Baixos aproveitamentos hidrelétricos a fio d’água (neles, as vazões que chegam são praticamente iguais às que saem dos reservatórios);
- Complicação para atividades de pesca, turismo e lazer.
A resolução da ANA sobre a escassez no rio Paraguai tem vigência até 31 de outubro, quando está previsto o fim do período seco na bacia, mas a medida pode ser prorrogada.
Fonte: g1MS/ML