Resultados invisíveis, que salvam diversas vidas sem serem percebidos pela sociedade. Assim são os desfechos das medidas protetivas emitidas às vítimas de violência. O mecanismo é de extrema importância e já assegura proteção a mais de 9 mil mulheres em condição de violência.
Mato Grosso do Sul soma, de 1º janeiro a 27 de setembro de 2024, mais de 15.780 registros de violência doméstica, conforme as estatísticas da Sejusp (Secretária de Estado de Justiça e Segurança Pública), mas apenas 9.098 pedidos de medidas protetivas, conforme apurado pelo Jornal Midiamax.
Estatisticamente, janeiro foi o mês com maior concessões de medidas protetivas, com 1.435 mulheres asseguradas, e o segundo maior em registros de violência, com 2.014 boletins de ocorrência registrados. Já março, o mês de maior registro policial de casos de violência, foi o segundo em volume de concessão de medidas protetivas pela Justiça, com 1.277 concessões.
Para a delegada da 1ª Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), Riccelly Maria Albuquerque Donha, são inúmeras vidas salvas diariamente em decorrência das medidas protetivas.
“Não tem como quantificar quantas (vidas) são salvas, mas, muitas vezes, apenas a medida já é suficiente para esse afastamento do agressor, porque ele entende que não pode e considerando que o descumprimento dessa decisão é um crime específico, esse sujeito pode ser preso ou solicitar novas medidas”.
A medida pode ser solicitada por qualquer mulher cisgênero ou transexual que esteja em situação de violência doméstica. Isso pode ser num relacionamento amoroso, uma relação de coabitação familiar ou numa violência de gênero.
É importante frisar que, para as autoridades, as mulheres que não registram os casos de violência não são vistas. Isso não quer dizer que não são importantes, muito pelo contrário. Porém, só é possível assistir quem denuncia o caso. Então, para pedir a medida protetiva, é necessário reconhecer a violência.
O artigo 7 da Lei Maria da Penha estabelece cinco formas de violência contra mulher, apesar de a física ser mais divulgada, conforme explica a delegada da Deam. “Quando a gente vê na notícia, geralmente, é quando chega no ápice da violência? Ou um feminicídio, ou uma lesão muito grave, mas, na verdade, há inúmeras violências que antecedem a violência física”, explica. São elas:
- psicológico, quando há dano emocional e diminuição da autoestima da mulher, nesse tipo de violência é muito comum a mulher ser proibida de trabalhar, estudar, sair de casa, ou viajar, falar com amigos ou parentes; exemplos: ameaças, humilhações, chantagens, críticas, isolamento dos amigos e da família.
- Sexual, quando há qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada; quando a mulher é obrigada a se prostituir, a fazer aborto, a usar anticoncepcionais contra a sua vontade ou quando a mesma sofre assédio sexual, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade.
- Patrimonialquando há qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos pertencentes à mulher, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
- Moral, quando as ações gerem calúnia, quando o agressor/agressora afirma falsamente que aquela praticou crime que ela não cometeu; difamação; quando o agressor atribui à mulher fatos que maculem a sua reputação, ou injúria, ofende a dignidade da mulher.
- Física, quando as condutas ofendam a integridade ou saúde corporal da mulher. É praticada com uso de força física do agressor/agressora, que machuca a vítima de várias maneiras ou ainda com o uso de armas. São exemplos: bater, chutar, queimar, cortar e mutilar.
A delegada pontua, ainda, que cerca de 90 a 95% dos casos de feminicídio ocorridos em Campo Grande vitimaram mulheres que não possuíam medidas protetivas contra o autor. Vale lembrar que a mulher pode solicitar medida protetiva mesmo sem ter feito registro do boletim de ocorrência, inclusive, o pedido pode ser solicitado online também, no site do Tribunal de Justiça.
Trabalho de forças somadas
A subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, Manuela Nicodemos Bailosa reforça a importância desse mecanismo de proteção e explica que muitas mulheres não conhecem as MPUs afundo.
“Nós temos pesquisas do Instituto de Pesquisa DataSenado, que a gente trabalha enquanto Secretaria da Cidadania, as quais apontam que, quando a população feminina brasileira foi perguntada no passado do seu nível de conhecimento da medida protetiva, 68% responderam que conhecem pouco e 15% nada. Então, as mulheres não conhecem a medida protetiva, logo elas não recorrem”, pontua Manuela Nicomedes Bailosa.
A medida protetiva é apenas um dos inúmeros mecanismos previstos na Lei Maria da Penha, cujo objetivo é assegurar a integridade física e psicológica das mulheres. O desconhecimento em si da Lei também é notório, e é aí que entra o trabalho da Subsecretaria de Políticas Públicas para Mulheres. “O nosso papel enquanto poder público é dizer para elas essas informações e mostrar o caminho da denúncia”, explica a subsecretária.
Além de garantir a segurança das vítimas por meio das medidas protetivas, a Lei também assegura a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação aos órgãos competentes; afastamento do agressor do lar; suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; comparecimento a programas de recuperação e reeducação, entre outras.
E a proteção, muitas vezes, não é apenas à mulher, mas às pessoas que convivem em seu lar e dependem dela. Um dos serviços, por exemplo, responsável por atuar no enfrentamento à violência contra a mulher é o CEAMCA (Centro Especializado de Atendimento à Mulher, à Criança e ao Adolescente em Situação de Violência), da Secretaria de Cidadania.
Por meio dele, todas as mulheres que estejam vivendo um contexto de violência de gênero, sem a necessidade do registro do boletim de ocorrência, podem ser assistida pelas psicólogas e assistentes sociais. Desde o início do ano, ainda, atende as crianças e adolescentes, filhos destas mulheres que fazem o acompanhamento.
Como solicitar personalizado
A delegada Riccelly Maria Albuquerque Donha explica que as mulheres podem solicitar as medidas protetivas na Deam, nos registros de casos de violência doméstica. “A gente aconselha que você registre, sim. Elas (mulheres em condição de vítima) são sempre orientadas quando elas chegam na delegacia, tanto no setor psicossocial quanto aqui, é oferecido desde logo a possibilidade da medida protetiva. Então, já é informado para ela o que é a medida protetiva, sendo uma forma de resguardá-la”.
Na Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande há diversos serviços de atendimento à mulher. Abriga a primeira Vara Especializada em Medidas Protetivas e Execução de Penas do país, Defensoria Pública, Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, há ainda o setor psicossocial, e até abrigo para mulheres com ou sem filhos que correm risco. O endereço é Rua Brasília, Jardim Imá, próximo ao Aeroporto Internacional de Campo Grande.
Também é possível pedir as medidas pelo Ministério Público e Defensoria Pública. O pedido será encaminhado ao poder judiciário, que tem o prazo de 48 horas para deferir ou indeferir o pedido. O agressor será intimidado, assim como a vítima, para que a medida passa a valer.
Mas, para os casos nos quais a vítima não quer realizar o boletim de ocorrência, é possível solicitar a medida por meio deste link, disponibilizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Para tal, é necessário realizar um cadastro no site do TJMS, preencher o formulário e enviá-lo.
A mulher receberá o número do processo por e-mail. Dentro o prazo de 48 horas, a Justiça receberá o pedido. Caso esteja em urgência ou emergência, ligue para a PM (Polícia Militar) pelo 190 ou para a Central de Atendimento à Mulher pelo 180.
Antes, a medida valia pelo prazo de 1 ano, podendo ser extendida. Contudo, desde abril deste ano, o STJ (Supremo Tribunal de Justiça) decidiu que as medidas protetivas de urgência, embora tenham caráter provisório, não possuem prazo de vigência, devendo vigorar enquanto persistir a situação de risco.
E se o agressor descumprir?
O descumprimento das medidas protetivas é um crime previsto pelo Artigo 24 da Lei Maria da Penha. Caso o agressor o cometa, a pena varia de três meses a dois anos de prisão. Ao se constatar a prática do crime, a polícia deve ser acionada para que se efetue a prisão em flagrante.
Quando o agressor for capturado, será lavrado o auto de prisão em flagrante sem a possibilidade de concessão de fiança por parte do delegado, apenas pelo Juiz competente. A partir disso, sempre com análise do caso concreto, será possível a decretação da prisão preventiva do agressor.
“Às vezes não é preso em flagrante, mas a denúncia dessa mulher dessa nova reiteração, desse descumprimento de novos crimes, faz com que seja adotada medidas dentro do inquérito policial para ser escalonada também as medidas protetivas para preservar a vida e o psicológico dessa mulher também”, pontua a delegada da 1ª-Deam.
Números para ficar de olho
Outro ponto importante a frisar é que familiares, amigos ou quaisquer pessoas que presenciarem as agressões podem – e devem – denunciar o agressor, mesmo que a mulher não reconheça o ciclo de violência do qual está inserida. Isso garantirá o acompanhamento dessas mulheres em condições de vítima pelo Estado e ela não será mais invisível aos olhos das autoridades.
Então, fique atento aos números e endereços a seguir:
- 180 – Central de Atendimento à Mulher (Plataforma Mulher Segura).
- 190 – Caso você seja vítima de violência doméstica ligue 190 (Polícia Militar) e denuncie.
- O Promuse atende pelo número (67) 99180-0542 (inclusive pela plataforma WhatsApp), ou nos canais do interior do Estado.
- 1ª Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) – Rua Brasília, s/n, Jardim Imá (Casa da Mulher Brasileira) – Telefone: (67) 4042-1324 / 1319.
- Clique aqui para obter mais informações sobre atendimento à mulher vítima de violência em Mato Grosso do Sul e saiba mais sobre o Não Se Cale.
- No CEAM os telefones para informações e agendamentos são 0800-067-1236 ou (67) 3361-7519.