A crise de credibilidade do governo na gestão das contas públicas, somada à escalada do dólar, levou a equipe econômica a considerar uma mudança de postura neste mês, defendendo com maior vigor a revisão dos gastos federais. Contudo, nos últimos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou hesitação em relação a essa tarefa, ampliando os altos e baixos observados na política fiscal.
Essas idas e vindas têm sido uma constante desde o início do governo, refletindo as dificuldades políticas e eleitorais enfrentadas a cada iniciativa proposta ou estudada. Enquanto a expansão das receitas enfrenta crescente resistência do empresariado, as opções de cortes de gastos geram temores de aumento da impopularidade.
A série de eventos que alimenta o ceticismo do mercado começou com o anúncio do ministro Fernando Haddad (Fazenda) sobre um ambicioso plano de reequilíbrio baseado no aumento das receitas. Esse cenário de recuperação fiscal, que visava eliminar o déficit público no ano seguinte, foi apresentado em 2023 logo após uma PEC que ampliou os gastos em R$ 168 bilhões.
Após a promessa inicial, surgiram resistências por parte de Lula em realizar cortes assim que os primeiros sinais de dificuldade surgiram. Subsequentemente, o governo foi forçado a revisar a meta fiscal de 2025, reduzindo o superávit de 0,5% do PIB para zero. Posteriormente, a crise dos dividendos da Petrobras priorizou os investimentos da estatal em detrimento dos pagamentos à União.
Além desses problemas, houve um mal-estar após uma reunião de Haddad com o banco Santander e representantes de outras instituições financeiras, que trouxe à tona o risco de o governo alterar o teto de despesas do arcabouço fiscal recém-aprovado, algo que não estava nos cálculos dos analistas a curto prazo.
Por outro lado, Haddad tentou manter o foco na agenda de reequilíbrio ao propor publicamente medidas de aumento da arrecadação, mas enfrentou falta de apoio tanto no Congresso quanto dentro do próprio governo. Um exemplo claro foi a medida para mudar as regras do PIS/Cofins, que foi rejeitada após forte oposição do empresariado e um alinhamento entre Lula e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Essas derrotas têm levado a uma deterioração generalizada das expectativas do mercado em relação à trajetória das contas públicas e ao futuro do próprio ministro no cargo. Como resposta, a equipe econômica começou a acelerar uma agenda positiva de corte de despesas, mas sem um apoio claro de Lula, o que tem aumentado a volatilidade nos mercados financeiros.
“Há um roteiro traçado pela equipe econômica”, conforme relatos à Folha. No front fiscal, estão coordenando as expectativas com um plano em três etapas para redução de gastos, a ser implementado pela Junta de Execução Orçamentária (JEO), um colegiado ministerial responsável pelas decisões fiscais e orçamentárias.
A primeira etapa do plano inclui o fortalecimento da governança da JEO para ampliar os controles sobre os gastos ministeriais. Além disso, está em curso uma revisão dos benefícios, além de medidas estruturais de médio e longo prazo, com várias opções em discussão.
Um dos primeiros focos será nos gastos previdenciários, com a revisão dos benefícios concedidos pelo INSS programada para começar ainda em julho de 2024. Essa medida deve ser um dos pilares do plano do Executivo para conter despesas e elaborar o Orçamento de 2025.
Embora o governo esteja estudando cortes de gastos, a estratégia da equipe econômica ainda inclui o aumento das receitas e a redução de renúncias tributárias. Não está descartada a possibilidade de uma nova tentativa de regulamentação do uso de créditos do PIS/Cofins.
Apesar dos desafios, a equipe econômica está determinada a virar a página na relação com o mercado, buscando mitigar os riscos associados ao que dentro do governo é chamado de uma “segunda transição”, decorrente da troca de comando do Banco Central durante o governo Lula.
Com FolhaPress