A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou nesta quarta-feira (15) o projeto de lei que cria as diretrizes gerais para a adaptação das políticas públicas brasileiras aos efeitos da mudança climática, com ênfase no setor de infraestrutura.
O texto dá as orientações para a elaboração de planos federais, estaduais e municipais que visem a adequação da vida à nova realidade do planeta.
Durante a tramitação, o agronegócio conseguiu alterar o texto, para reduzir suas obrigações com relação a essas políticas públicas.
O texto teve relatoria dos senadores Alessandro Vieira (MDB-SE) e Jaques Wagner (PT-BA) e agora vai ao plenário, antes de voltar para a Câmara dos Deputados.
A aprovação acontece enquanto o Rio Grande do Sul vive uma das maiores crises socioclimáticas de sua história, após duas semanas de fortes chuvas, enchentes e inundações no estado.
Mais de cem pessoas morreram desde o início da crise, no final de abril, mais de 530 mil pessoas foram desalojadas e quase 80 mil estão desabrigadas.
Essa foi a quarta de uma série de chuvas fortes que atingiu o estado em menos de um ano. Como mostrou a Folha, pelo menos desde 2023 o risco de tragédia já era detectável na capital, Porto Alegre.
Mesmo assim, ambientalistas criticam o fato de que, em que pese uma série de alertas feitos por estudos, há anos, as cidades brasileiras em geral não investem em obras para prevenção contra os efeitos das mudanças climáticas como secas e chuvas extremas.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, trabalha atualmente em um plano de prevenção contra os efeitos das mudanças climáticas.
O projeto aprovado pelo Senado não cria um prazo para que o poder público crie seus planos de adaptação às mudanças climáticas, mas estabelece diretrizes para eles, que são previstos na Política Nacional sobre Mudança do Clima criada em 2009.
A proposta estabelece que as políticas públicas e de desenvolvimento econômico e social nas esferas federais, estaduais e municipais devem passar a contemplar os riscos climáticos.
Esses documentos precisam passar pelo Sisnama (o Sistema Nacional de Meio Ambiente), que inclui órgãos como o Ibama e ICMBio, durante sua elaboração, e devem ser baseados nos relatórios científicos do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Os planos precisam ser revisados a cada quatro anos.
O projeto determina que o poder público deve “implementar iniciativas e medidas para reduzir a vulnerabilidade dos sistemas ambiental, social e econômico diante dos efeitos atuais e esperados da mudança do clima”, conforme diz o relatório.
A maior ênfase do projeto é no setor de infraestrutura, tanto no aspecto urbano (habitação, transportes e segurança hídrica, por exemplo), nacional (energia, comunicações e finanças) e da natureza (sustentabilidade e equilíbrio ecológico).
O texto em discussão prevê ainda que eles podem ser financiados com recursos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, criado em 2009 e administrado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Em uma manobra comparada por parlamentares à realizada durante a tramitação do projeto do crédito de carbono, o agronegócio conseguiu aprovar uma emenda para reduzir suas obrigações diante do plano.
O projeto original exigia a adaptação do setor agropecuário por meio de um plano para redução de emissão de carbono. Após pedido do senador Zequinha Marinho (PL-PA), a redação foi alterada.
A exigência foi retirada e o texto passou a prever, genericamente, que haverá um “estímulo” (ligado a investimentos em pesquisa e desenvolvimento, por exemplo) para que o setor corte suas emissões. A nova versão não especifica se o estímulo inclui recursos públicos.
“O Projeto de lei é fundamental para que as cidades e estados tenham diretrizes de como elaborar um plano que os prepare para os impactos da crise climática”, afirmou Flávia Martinelli, especialista em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil.
“Se Porto Alegre, por exemplo, tivesse um plano de adaptação e o tivesse implementado, teria mudado aspectos importantes da infraestrutura, do sistema de alerta de desastres, da cobertura vegetal, da proteção às comunidades vulneráveis, que permitiria resistir melhor às previsões climáticas para região”, completou.
A votação do texto no plenário do Senado estava prevista para acontecer nesta terça-feira (14), mas foi adiada após mobilização da oposição ao governo Lula (PT).
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que o projeto precisava ser mais amplamente debatido ele está em tramitação desde 2021.
“Sou a favor, em tese, ao projeto. Mas como estamos votando um projeto sem ouvir os diversos setores que estão (sendo) impactando nessas tragédias? Aconteceu agora no Rio Grande do Sul, mas já aconteceu no Rio de Janeiro, já aconteceu na Bahia, está acontecendo em Alagoas, está acontecendo no Maranhão. Se fosse uma situação global, estava o mundo inteiro passando pelas mesmas circunstâncias”, disse.
“Simplesmente estamos propondo que estados e município comecem a elaborar um plano para lidar com as mudanças climáticas”, rebateu a senadora Leila Barros (PDT-DF), que preside a Comissão do Meio Ambiente.
“Não podemos mais achar que não devemos debater questões que são reais e estão tirando a vida de muitos brasileiros, porque nós negamos, dentro desta Casa, a tratar com responsabilidade as questões da emergência climática”, completou.