Normalmente, essa época ainda é a de campanhas educativas e preparação, mas o fogo chegou antes, e mudou o cronograma dos agentes da Brigada Pantanal do PrevFogo
A cada seis meses, cerca de 45 moradores da região de Corumbá (MS) começam a trocar mensagens e combinar a volta ao trabalho contra incêndios florestais no pantanal.
Depois de fazerem palestras em escolas e associações da região, vestem os coletes e se embrenham no mato para combater queimadas como as que destroem o bioma desde o início de junho.
Normalmente, essa época ainda é a de campanhas educativas e preparação, mas o fogo chegou antes, e mudou o cronograma dos agentes da Brigada Pantanal do PrevFogo, programa do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis).
A Folha acompanhou uma dessas operações neste sábado (15), cujo objetivo é, nas palavras dos brigadistas, salvar a casa de ribeirinhos.
Por volta das 12h30, 11 brigadistas embarcaram em uma lancha da Marinha no rio Paraguai, na base do PrevFogo em Corumbá, a menos de 5 km da fronteira com a Bolívia.
O destino era uma área 15 km à leste do município. Como em outras regiões, a vegetação seca é rapidamente consumida pelo fogo, que cerca e destrói as moradias de ribeirinhos como aconteceu na noite de sexta (14).
A região em que os brigadistas atuaram, Retiro de Santo Antônio, é uma cena que se repete ao longo do rio.
As colunas de fumaça densa indicam os locais com incêndio, e logo a lancha está navegando dentro de uma nuvem espessa. Chegando à margem, os brigadistas desembarcam, se despedem dos colegas que vão descansar e instalam uma bomba no rio.
O equipamento serve para abastecer as mangueiras que são desenroladas estrada adentro, na direção de uma casa.
O trabalho dos brigadistas consiste em molhar o solo e fazer aceiros –eliminar a vegetação e deixar uma faixa de terra– para evitar a propagação do fogo.
Única mulher entre os agentes, Débora Leite, 43, ia na frente molhando o solo para apagar as chamas. Usava o casaco amarelo dos brigadistas, além de balaclava contra a fumaça constante e um capacete. É o segundo ano dela na brigada. Fora da época de incêndios, Débora trabalha como cozinheira em Corumbá, atualmente no setor de turismo.
“Nessa época era para a gente estar fazendo a prevenção com as palestras, mas estamos aqui.” Às vezes o percurso pelo mato era interrompido para que ela voltasse a algum foco repentino de incêndio, geralmente cupinzeiros atingidos pelas chamas.
Em último caso, diz o brigadista e personal trainer Luiz Otávio da Silva, 41, a equipe usa fogo contra fogo.
Após fazerem uma chama com o chamado pinga-fogo, usam o soprador, que emite jatos de ar, para fazer duas frentes de incêndio se encontrarem e se anularem.
O trabalho no PrevFogo é temporário, com contratos de seis meses. Fora da temporada, quem está na linha de frente contra os piores incêndios já registrados no pantanal ganha a vida com outras atividades, em geral sem nenhuma ligação com o combate ao fogo.
É o que diz Waldemir Neves, 33, carpinteiro durante os meses do ano em que não está apagando incêndios. “A maioria vem como uma oportunidade de trabalho. Já é meu terceiro ano, gostei da primeira vez e estou ai até hoje.”
Quem esta há mais tempo garante que a destruição está mais agressiva em 2024 do que em 2020, ano marcado pelas piores queimadas no bioma.
“É meu quinto ano. 2020 foi trágico. Dormíamos na BR (estrada), em posto de gasolina e em barraca ao redor da caminhonete. Dois dormiam e dois combatiam, era 24 horas. Tivemos muito apoio de pousada e fazendeiros que vivem ao longo das rodovias”, diz Gustavo Vargas, 33, motorista de aplicativo fora da época seca.
Para ele, a tragédia de quatro anos atrás foi um trauma que acabou por sensibilizar a população e autoridades públicas.
“Hoje podemos andar pelo pantanal inteiro que abrem a porta para dar pouso e alimentação para a gente.”
O outro aspecto, diz ele, foi a sensibilização do poder público. “O maquinário chegou. Antes não tínhamos soprador, motosserra. Hoje tem mais material.”
Na sexta (14), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou uma sala de situação para acompanhar a situação e elaborar soluções para as queimadas e a seca em todos os biomas, após o grande aumento de focos no pantanal.
Além da temporada de fogo ter chegado antes, o clima está mais seco, dizem os brigadistas, o que agrava os riscos de espalhamento das chamas nas partes brasileira e boliviana do pantanal.
“A vegetação está muito seca. A gente tenta diminuir o impacto de fogo. A missão é salvar as casas dos moradores e fazer o controle nessa área”, disse Luiz Bueno, que está em sua décima quarta temporada de combate.
Por ser uma brigada de pronto emprego, a equipe do pantanal costuma ser deslocada para outras áreas do país, como Porto Jofre, no pantanal mato-grossense, segundo Luiz Otávio. “Mas como a emergência está aqui, é onde vamos combater.”
As equipes também ajudam os vizinhos bolivianos de Porto Quijarro, que estão a poucos quilômetros da base do Ibama.
Em julho, afirmou Marcelo de Galharte, 40, ele e outros agentes vão dar um curso para brigadistas voluntários da Bolívia. “São três dias, e eles ficam alojados em barracas na nossa base. Todos são voluntários, e foram comprando alguns equipamentos ao longo dos anos”, afirmou o brigadista, que trabalha com serviços gerais e faz faculdade de sistemas de informação.
Depois de controlado o fogo no Retiro de Santo Antônio, ele e os colegas pararam para tomar água e lanchar à beira do rio.
Ele, que enfrentou os incêndios de 2020, lamenta o longo de tempo de recuperação do bioma. “Foi tudo embora na Serra do Amolar naquele ano. Árvores centenárias extintas. E tem área de 2019 que não floresceu ainda.”
O lamento, no entanto, foi interrompido por outro foco de incêndio a 20 metros das margens. Com a bomba de água novamente ligada, parte da equipe voltou o trabalho