A China, que inventou o chá há milênios, começou a “descobrir” o café só na última década, e, mais recentemente, a bebida acabou virando moda entre os jovens chineses.
Até 2009, o consumo de café na China não passava de 300 mil sacas de 60 quilos por ano, número que, hoje, chega a 6 milhões, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
“Para os chineses, o café é uma bebida muito nova. A cultura deles de café foi criada nesses últimos anos”, conta o barista campeão mundial Boram Umbrasileiro que tem parceria com uma cafeteria chinesa.
UM mudança na China “bateu forte” no Brasil só em 2023, quando as vendas nacionais do produto dispararam 275% ao país asiático, em relação a 2022, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), que participa de novos acordos com o país.
Essa alta catapultou a China da 20ª para a 6ª posição no ranking dos principais importadores de café do Brasilque é o maior produtor e exportador mundial do grão.
Tudo isso coincidiu com o ano em que a China se tornou líder mundial em número de cafeterias de marca, alcançando 49,6 mil lojas, segundo a consultoria britânica World Coffee Portal.
Os chineses ultrapassaram ninguém menos que os EUA (42,8 mil lojas), criador da Starbucks, cafeteria com o maior número de franquias do planeta.
Por trás desse marco, há vários motivos. Um deles é a expansão acelerada da cafeteria chinesa Luckin Coffee. Fundada em Pequim, em 2017, a empresa cresceu expressivamente no último ano, ao saltar de 8 mil lojas no início de 2023, para mais de 16 mil no final do mesmo ano, conta Fernando Maximiliano, analista de mercado de café da StoneX. Hoje, a Luckin já tem mais de 20 mil unidades em toda a China.
E os exportadores brasileiros conseguiram aproveitar essa onda. “Hoje, 50% de todo o café que a Luckin Coffee compra é só do Brasil. O resto é dividido com outros países”, diz o diretor-geral da Cecafé, Marcos Matos.
Até um dos embaixadores globais da marca chinesa é brasileiro: o próprio Boram Um, que também é um dos responsáveis por escolher os cafés que a Luckin compra, além de desenvolver novas bebidas para a empresa.
Barista brasileiro Boram Um, filho de sul-coreanos, foi campeão mundial de barismo em 2023; ele colabora com a chinesa Luckin Coffee. — Foto: @boramum
Apesar da proximidade com o café brasileiro, os chineses têm outras formas de consumo. Para eles, o grão é mais um ingrediente de bebidas misturadas com leite ou água de coco (que fazem muito sucesso entre os jovens) e até mesmo com suco de limão ou “moutai”, um tradicional licor chinês.
É bem diferente do brasileiro que se contenta com a apresentação solo do cafezinho na forma de um coado ou espresso.
Mas nem isso é uma barreira para o grão nacional: até um museu sobre o café brasileiro será inaugurado em novembro, na cidade chinesa de Kunshanconta o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), Jorge Viana, que participa de negociações com o país parceiro.
Imagem de dois jovens em uma cafeteria de Pequim. — Foto: Zhouxing Lu/unplash
Além da Luckin, outras cafeterias chinesas estão crescendo no país, assim como fábricas de torrefação, o que aponta que a China vai continuar bebendo café por mais tempoobserva Matos.
Estrangeiras também estão presentes, como a própria Starbucks, que está na China desde 1999. Uma viajante brasileira conseguiu até que um pedido da loja fosse entregue por drone no meio de uma rua de Shenzhen.
Por que o país do chá está ‘abraçando’ o café?
Cénchi Coffe: imagem de uma cafeteria no bairro Dongsi, em Pequim, China. — Foto: @cenchicoffee
A China começou a tomar café a partir de 2010, mas o consumo vem crescendo de forma mais progressiva nos últimos sete anos (veja info acima)período em que a demanda chinesa pelo grão dobrouem meio a um crescimento de cafeterias no país.
Na visão da diretora-executiva da Câmara Chinesa de Comércio do Brasil (CCBB), Mariana Bahia, essa mudança é mais um episódio e abertura da China ao mundo ocidental, que começou há mais de 40 anos. “O fato de o chinês ter se globalizado, viajado mais e recebido mais empresas internacionais fez ele ter mais acesso a produtos de fora”, conta Mariana.
“Os jovens da China veem o café como algo moderno”, acrescenta Fernando Maximiliano, analista de café da StoneX.
Imagem mostra o barista Boram Um em uma cafeteria chinesa. — Foto: Reprodução Instagram/@boramum
Uma análise publicada pela Associação de Cafés Especiais (SCA) aponta, inclusive, que os chineses geração do milênio (nascidos entre 1981 e 1996) e da geração Z (entre 1997 e 2012) são os grupos mais abertos a novas experiências, no país. Essas são, justamente, as gerações que saíram da China para estudar, trabalhar e viajardiz Mariana.
Boram pontua que o fato de o café ser barato na China também ajuda a sustentar o consumo entre os jovens.
A viajante e criadora de conteúdo Marina Guaragna fez a mesma observação durante a sua passagem por 18 cidades chinesas, entre maio e julho deste ano.
“A gente tomou muito café na China. O café na rua é barato, a não ser os de cafeterias especiais”, conta Marina, observando que, em algumas cidades, é possível ver uma cafeteria “a cada esquina” e, às vezes, “uma do lado da outra, uma na frente da outra, e sempre com gente tomando café”.
Nada de espresso: café com ‘licor’ e água de coco
Na imagem, há bebidas com café misturadas com leite de coco, suco de laranja e chocolate. — Foto: Reprodução Instagra/@luckincoffeesg
O barista Boram conta que a forma do chinês de tomar café é bem diferente do jeito brasileiro.
“Para você ter uma ideia, um dos campeões de vendas da Luckin foi o Coconut Latte. É um café com leite de coco e leite condensado”, diz Boram. Só a água de coco misturada ao café também está entre os preferidos dos jovens.
Uma outra bebida que fez sucesso foi o Moutai latte. “O Moutai é um licor chinês, que tem um gosto meio doce e forte, parecendo uma cachaça, um rum. E eles lançaram essa bebida com café, algo muito diferente. O pessoal saía das cafeterias tomando isso às 10h da manhã”, conta Boram.
Imagem do Moutai, um licor chinês muito tradicional. — Foto: Javier Petrucci
Os chineses também gostam muito de café gelado, com leite de aveia e não são muitos fãs de bebê-lo com a barriga vazia, pois pode “não fazer bem para o estômago”contou a influenciadora de cultura asiática Pri Jin, em uma postagem nas redes sociais. Pri é filha de chineses e nasceu no Brasil.
A viajante brasileira Marina Guaragna conta que viu até café com suco de limão para vender em sua passagem pelo país.
Essas invenções são frequentes. Boram diz que a Luckin, por exemplo, tem três equipes de desenvolvimento de produtos que competem entre si para lançar novas bebidas todos os meses.
Os grupos são formados por diversos baristas campões mundiais como ele, que foi convidado para colaborar com a empresa uma semana depois de ter ganhado o World Barista Championship (WBC).
Fonte: g1