ONU condena novo entrega de ajuda em Gaza: “indigno e perigoso”

O chefe da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNRWA), Philippe Lazzarini, denunciou nesta quarta-feira (28) o novo sistema de distribuição de ajuda criado por Israel na Faixa de Gaza como uma “distração” indigna, após uma operação de distribuição caótica que deixou 47 feridos no dia anterior.

Hoje completa-se 600 dias desde o início da guerra.

O novo modelo promovido por Israel e pelos Estados Unidos de delegar a distribuição de ajuda a uma empresa privada é “uma distração das atrocidades”, disse Lazzarini, em Tóquio.

“Vimos as imagens chocantes ontem (…) Foi caótico, indigno e perigoso”, frisou Lazzarini.

“O tempo está a se esgotando para evitar a fome, e os trabalhadores humanitários devem ser autorizados a fazer o seu trabalho de salvar vidas agora”, acrescentou, elogiando a “experiência e conhecimentos da UNRWA para chegar às pessoas necessitadas”. Lazzarini é Persona non grata em Israel, que o acusa de chefiar uma “organização terrorista” ligada ao Hamas.

“Os horrores desta guerra estão sendo transmitidos ao vivo. Ninguém pode dizer que não sabia. As atrocidades estão se tornando uma norma diante de nossos olhos. Toda uma população enfrenta fome aguda. Meio milhão de pessoas já estão à beira da fome”, realçou.

Para Philippe Lazzarini, “o modelo de distribuição de auxílio proposto por Israel não condiz com o princípio humanitário fundamental, vai privar grande parte de Gaza, as pessoas altamente vulneráveis, de auxílio desesperadamente necessário. Penso que é um desperdício de recursos e uma distração das atrocidades”. No entanto, uma fonte militar israelita afirmou que a distribuição tinha sido “um sucesso”.

Sob forte pressão internacional, Israel levantou parcialmente, na semana passada, o bloqueio total que tinha imposto à Faixa de Gaza desde 2 de março, oficialmente para forçar o movimento islamita palestino a libertar os reféns que ainda mantém em seu poder.

Desde então, várias centenas de caminhões de ajuda humanitária foram autorizados por Israel a entrar no pequeno território devastado pela guerra e próximo de uma situação humanitária catastrófica.

Feridos durante distribuição

Na terça-feira, uma distribuição de ajuda feita por um novo centro de distribuição gerido pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), uma organização criada com o apoio de Israel e dos Estados Unidos, transformou-se em caos em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, quando milhares de palestinos famintos correram para o local, segundo jornalistas da AFP.

“Cerca de 47 pessoas ficaram feridas, a maior parte delas por balas, e os tiros vieram do exército israelense”, disse Ajith Sunghay, chefe do Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, aos jornalistas na manhã desta quarta-feira.

O centro de distribuição nos arredores da cidade de Rafah, no extremo sul de Gaza, foi inaugurado na segunda-feira (26) pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), registrada nos Estados Unidos, e que foi designada por Israel para assumir as operações de ajuda humanitária.

A ONU e outras organizações humanitárias rejeitaram o novo sistema, alegando que não será capaz de satisfazer as necessidades dos 2,3 milhões de habitantes de Gaza e que o modelo de distribuição permite que Israel utilize os alimentos como arma para controlar a população.

As entidades alertaram ainda para o risco de atrito entre as tropas israelenses e as pessoas que procuram mantimentos. Os palestinos estão desesperados por comida depois de quase três meses do fechamento das fronteiras pelos israelenses.

Israel afirma ter ajudado a estabelecer o novo mecanismo de ajuda para impedir o Hamas de desviar os mantimentos, embora não tenha apresentado provas de desvio sistemático e as agências da ONU afirmam ter mecanismos para impedir o desvio de comida e outros suprimentos.

Ghf

A GHF afirmou ter estabelecido quatro centros, dois dos quais já começaram a funcionar. Estão protegidos por empresas de segurança privada e possuem cercas de arame que conduzem os palestinos para o que se assemelha a bases militares rodeadas por grandes barreiras de areia.

A empresa frisou que os seus seguranças não dispararam contra a multidão, recuando antes de retomar as operações.

Após o fracasso na distribuição de ontem, a GHF informou hoje que a distribuição de ajuda em Gaza foi temporariamente interrompida devido à desordem, e acrescentou que está trabalhando para resolver os problemas e garantir a segurança.

As forças israelenses estão estacionadas nas proximidades, naquilo que Israel chama o corredor Morag, uma área militar que separa a cidade de Rafah, no sul — que está agora praticamente desabitada — do resto do território.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, disse na terça-feira que “houve uma perda momentânea de controle” no ponto de distribuição, acrescentando que “felizmente, conseguimos controlá-lo”.

Netanyahu repetiu que Israel planeia mover toda a população de Gaza para uma “zona isolada” no extremo sul do território, enquanto as tropas combatem o Hamas em outros locais.

600 dias de guerra

A guerra desencadeada pelo Hamas entrou no seu 600º dia nesta quarta-feira, sem esperança de uma trégua nos bombardeios israelenses em Gaza ou da libertação dos reféns detidos desde o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023.

A pedido do Fórum das Famílias, a principal organização israelense que apela por um cessar-fogo que permita a libertação dos reféns, centenas de pessoas começaram a se reunir nas ruas de Israel às 6h29 (horário local), na hora exata em que começou o ataque do Hamas no sul do país, 600 dias atrás.

Os manifestantes se juntaram a fitas amarelas gigantes, que simbolizam os reféns detidos na Faixa de Gaza.

Ao longo das estradas foram colocados cartazes com o número 600. Os manifestantes bloquearam a principal avenida urbana de Telavive, segundo um fotógrafo da AFP.

O filho de um dos reféns que foi morto pediu a intervenção dos Estados Unidos e acusou o governo israelense de inoperância.

“O pior e mais brutal governo da história de Israel condenou os restantes dos reféns à morte por tortura. Este governo declara abertamente que os reféns são a sua menor prioridade em Gaza, mesmo após a transferência da população, a guerra é eterna e as negociações para um acordo já foram frustradas”, acusou o familiar de um dos reféns.

Os familiares dos reféns deixam um apelo ao presidente Trump que, segundo eles, é o único que pode agir para interromper a guerra de vingança e garantir o regresso de todos, tanto vivos para reabilitação, como os mortos para enterro.

“Saiba que nós somos a maioria do povo, a maioria que diz que a devolução dos reféns é a prioridade, parte do fim da morte e do sofrimento para ambos os lados. Use o seu poder com determinação para alcançar a paz e trazer os nossos entes queridos para casa”.

Ataques

Pelo menos 16 pessoas morreram durante a noite em vários ataques aéreos contra o território palestino, informou nesta quarta-feira a Defesa Civil da Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas.

“As equipes da Defesa Civil retiraram 16 mártires, incluindo várias crianças, após ataques aéreos israelenses na Faixa de Gaza desde o amanhecer” de hoje, disse à agência de notícias France-Presse, Mahmoud Bassal, porta-voz da organização de socorro.

Bassal explicou que nove pessoas da família do jornalista Osama al-Arabid foram mortas perto de al-Saftawi, a norte da Cidade de Gaza. Várias crianças estavam entre os mortos, segundo o porta-voz da Defesa Civil. Os ataques ocorreram por volta das 2h00, no horário local (00h00 em Lisboa).

Al-Arabid, que trabalha como vídeo-jornalista e editor para uma produtora local, ficou ferido, segundo a Defesa Civil.

No centro da Faixa de Gaza, seis membros da mesma família, os Aqilan, foram mortos em um ataque na região de Deir al-Balah, segundo a mesma fonte.

Bassal acrescentou que “um civil” foi morto em Abasan, a leste de Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, sem informar detalhes.

Contatado pela AFP, o exército israelense não respondeu de imediato, indicando ser difícil obter informações sobre estes ataques sem coordenadas precisas.

Após abandonar o cessar-fogo de dois meses, Israel retomou sua ofensiva na Faixa de Gaza em meados de março e intensificou as suas operações militares em 17 de maio, com o objetivo declarado de aniquilar o Hamas, libertar os últimos reféns que restavam e assumir o controle do território.

Cisjordânia

Também nesta quarta-feira, o exército israelita matou um palestino durante uma operação na cidade de Jit, na Cisjordânia ocupada, perto de Qalqilia.

O homem, identificado como Jasem Ibrahim al-Sada, foi baleado por soldados israelitas dentro da sua casa, segundo a sua família, que acrescentou que os soldados retiveram o corpo durante algum tempo antes de o entregarem ao Crescente Vermelho Palestiniano.

FONTE: AGENCIA BRASIL

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