Nos últimos dias, em meio à fumaça de incêndios florestais que se espalha pelo país, um renomado cientista brasileiro da área climática disse que o Pantanal caminha para o fim. Ele afirma que o bioma pode acabar nos próximos anos. É difícil imaginar Mato Grosso do Sul sem o bioma e, por isso, fomos tentar entender como isso pode acontecer na prática.
Em entrevista ao Estadão, o climatologista Carlos Nobre disse que está assustado com a rapidez com que as mudanças climáticas avançam e acha que o Pantanal deve acabar até 2070. As afirmações são alarmantes e junto com o cenário enfrentado em 2024, nos fazem imaginar o futuro nessas condições.
Para entender sobre o possível fim do Pantanal precisamos relembrar qual a principal característica do bioma. A água. O Pantanal é uma planície alagável, formada por várias lagoas e com um regime de chuvas e secas historicamente bem definido. Porém, em 2024 o bioma está seco, sem cheia, sem lagoas, sem navegação e com muito fogo. Conforme os ambientalistas, este é um exemplo de como o Pantanal pode acabar.
As mudanças climáticas levaram o Brasil a vivenciar, em 2024, a pior seca de sua história. Não houve período de cheia, o Rio Paraguai atinge níveis extremamente baixos e os incêndios se alastram por Mato Grosso do Sul, na contramão de tudo o que o bioma representa.
Calor e estiagem impactam biodiversidade
Vivemos cada vez mais dias de clima extremo. E em 2024 esses extremos têm atingido todo o país, acendendo alerta para as mudanças climáticas e seus impactos na vida da população. Nos dias que se seguem até aqui, vivenciamos seca severa, temperaturas recordes e oscilações bruscas.
Ano de 2023 foi o mais quente da série histórica no Brasil, com temperatura de 0,69°C acima da média. Tais mudanças impactam o regime de chuva e, consequentemente, os períodos de cheia e seca do Pantanal.
Ainda durante entrevista ao Estadão, Carlos Nobre citou o aumento progressivo da temperatura mundial, a emissão de gases de efeito estufa, o desmatamento e as secas. Ele ainda explica que, nesse ritmo, em breve o Pantanal pode não ter mais lagoas.
Ambientalistas não questionam a fala de Carlos Nobre, que é uma referência nacional na área, mas alertam que não é possível analisar o que acontece no Pantanal de maneira isolada. “O Pantanal depende essencialmente do que acontece no entorno que é Cerrado e o Arco do Desmatamento da Amazônia, não podemos pensar de maneira isolada”, afirma o biólogo e professor da UFGD, Sandro Menezes.
‘Incêndio não é problema, é consequência’
Doutor em Biologia Vegetal e colaborador da Iniciativa Documenta Pantanal, Sandro Menezes explica sobre o regime de águas que atinge o Pantanal e como o bioma é impactado pelo que acontece ao redor. Principalmente porque os rios que formam o Pantanal nascem no entorno do bioma e sofrem impactos externos.
Após três anos de queda nos casos de incêndios em vegetações urbanas, Mato Grosso do Sul registra um aumento de 37,6% nos registros deste ano. Neste ano, até o mês de agosto, houve 3.397 ocorrências, enquanto isso, no mesmo período de 2023, houve 2.469 casos registrados.
Ao Jornal Midiamax ele disse que não questiona Carlos Nobre, que é uma autoridade na área ambiental, e que visualizar o “fim” do Pantanal não é difícil, basta ampliar o olhar do que é visto em 2024.
“A força motriz do bioma são as áreas alagadas, se secar vai virar um Cerrado, uma Savana. Sem água o Pantanal é um Cerrado, sujeito a muitos incêndios. Então, vai se transformar em outra coisa que não é o Pantanal, com as áreas alagadas que a gente conhece”, afirma o ambientalista de Mato Grosso do Sul.
Mudança depende de ações coletivas
Quem vive e convive com o Pantanal há mais de 30 anos, também não questiona a fala de Nobre e admite que há um longe percurso para percorrer na preservação do Pantanal. Ângelo Rabelo, presidente do IHP (Instituto do Homem Pantaneiro), destaca que é possível mudar, mas isso depende da ação de todos.
“Lamentavelmente, não há como não admitir a fala do cientista Carlos Nobre, que vem dando alerta há muitos anos, e nós seguimos na contramão. As ações efetivas para reverter esse processo serão possíveis, mas darão resposta a médio e longo prazo”, afirma Rabelo, que atua há 30 anos como ambientalista no Pantanal.
Ele ainda lista maneiras de como reverter a situação. Agindo na recuperação de todas as nascentes, manejo do fogo de maneira diferenciada através de algo planejado e recuperação de matas ciliares. Mas, para isso, é necessária uma intervenção cultural e política, provocada pela situação grave atual.
“É como se a gente ainda não tivesse encontrado a vacina para Covid-19, vivendo uma catástrofe climática, onde a liberdade não poderá vir de um laboratório, mas dependerá de atitudes individuais, para que no coletivo possam trazer respostas. Mas, lamentavelmente, as respostas virão somente a médio e longo prazo”.