Entre 1859 e 1906, naturalistas britânicos desenterraram na região da Bacia do Recôncavo, na Bahia, os primeiros ossos de dinossauros já encontrados na América do Sul. Os fósseis foram levados para o Reino Unido e acabaram esquecidos na reserva técnica do Museu de História Natural de Londres. Até agora.
Fazendo doutorado em Londres e pesquisando no museu, a paleontóloga Kamila Bandeira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), se deparou com os fósseis e começou a analisá-los. Acabou tendo que deixar o material de lado para se dedicar ao tema do doutorado.
“Em 2020, com a pandemia, trancada em casa, recuperei as fotos que tinha feito e comecei a analisá-las”, contou a paleontóloga. “Percebi que além da importância histórica, de ter sido o primeiro achado da América Latina, tratava-se de uma nova espécie de dinossauro.”
Trabalhando com a pesquisadora Valéria Gallo, também da UERJ, Kamila batizou a nova espécie de Tietassaura derbyiana, em homenagem à personagem Tieta do Agreste, do livro homônimo de Jorge Amado, e ao geólogo e naturalista Orville A. Derby, fundador do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, um dos pioneiros da paleontologia brasileira.
Essa nova espécie que viveu no Recôncavo Baiano é a primeira achada no País pertencente ao grupo dos ornitísquios, uma ordem de dinossauros herbívoros caracterizados pelo focinho em forma de bico e por uma estrutura de pélvis que se assemelha à das aves. Os integrantes mais famosos desse grupo são o tricerátops e o estegossauro.
Tieta, para os íntimos, tinha de 2 a 3 metros de comprimento, o tamanho de um carro de porte médio mais ou menos. Não se sabe de fato se o espécime encontrado era do sexo feminino, mas as duas pesquisadoras resolveram desafiar a regra não escrita de que todo fóssil deve receber um nome masculino.
“Os achados descritos nesta pesquisa representam, não apenas uma das faunas de dinossauros mais diversas deste intervalo de tempo, mas também uma descoberta histórica importante”, ressalta Kamila. “As ocorrências de dinossauros em depósito Pré-Barremiano, ou seja, de cerca de 130 milhões de anos atrás, são raras, mundialmente falando, e consideradas produto de uma escassez global de depósitos continentais desse período.”
Os resultados foram publicados neste mês de abril no periódico científico Historical Biology, fornecendo novas perspectivas sobre a evolução e diversificação dos dinossauros, além de destacar a necessidade de preservar coleções históricas para o avanço da ciência.