Em crise com Alexandre de Moraes desde o ano passado, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) elevou o tom contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e anunciou a apresentação na Câmara dos Deputados de uma proposta que confronta com decisões da Corte.
O acirramento do conflito com Moraes acontece em meio às insatisfações de aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com o ministro e à disputa entre os Poderes Legislativo e Judiciário em diferentes temas, isso tudo a menos de um ano das eleições da Ordem, que definirão os próximos conselheiros federais e as cúpulas estaduais da entidade da advocacia.
Na quarta-feira, a tensão chegou no auge. Em um evento em Mato Grosso do Sul, ao fazer um discurso crítico ao STF, o presidente nacional da OAB, Beto Simonetti, ouviu um “fora, Xandão” da plateia e respondeu: “Nós vamos chegar lá”.
A fala foi proferida durante a Conferência Nacional da Jovem Advocacia, em Bonito. Em nota na sexta-feira, Simonetti afirmou que ouviu o grito como se fosse um “fala do Xandão” e que sua declaração se referia a discutir sobre o STF.
Simonetti aproveitou o evento para anunciar a proposta que a OAB apresentará à Câmara dos Deputados, com a intenção de impedir que o ministro negue pedidos de defesa presencial, a chamada sustentação oral, em recursos no Supremo.
O objetivo, disse ele, é acabar “de uma vez por todas essa discussão de que se o que vale mais é o regimento de um tribunal (o STF) ou o Estatuto da Advocacia”.
O discurso de Simonetti resvalou em decisões de Moraes contra o que o ministro considerou ataques à Corte e às instituições públicas nas redes sociais.
Simonetti disse que a liberdade de expressão não é absoluta, mas que a OAB não permitirá que, em nome da liberdade, haja “absolutismo contra a liberdade de qualquer forma, em qualquer tempo ou em qualquer campo”.
“Nós somos um país livre e seguiremos defendendo irrestritamente o direito à liberdade de expressão”, afirmou o presidente da OAB, cujo mandato à frente da entidade vai até o início de 2025.
A indisposição sobre o tema vem desde novembro passado, quando Moraes, que preside a Primeira Turma do STF, negou manifestação da defesa de um réu por contrabando de cigarros. Moraes afirmou que o regimento interno do STF não permitia sustentação oral nos chamados agravos regimentais e que esse entendimento prevalece sobre outras normas.
A negativa, à época, gerou uma nota da OAB a respeito do tema. A entidade disse ter “preocupação com a flexibilização ou a supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa pelo Supremo Tribunal Federal”.
Depois dessa ocasião, Moraes chegou a alfinetar a OAB em outras ocasiões nas quais negou sustentações orais, como em um julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda em novembro passado. O ministro é o presidente da Corte Eleitoral.
“A OAB vai lançar outra nota contra mim, vão falar que eu não gosto do direito de defesa, vai dar mais uns 4 mil tuítes dos meus inimigos. Então, vamos fazer a festa do Twitter e das redes sociais”, disse, ao afirmar que o regimento não previa sustentação oral naquela ocasião.
Neste mês, houve um novo atrito entre a OAB e Moraes a respeito do mesmo tema. O ministro rejeitou a sustentação oral de um advogado na Primeira Turma do STF, e o criminalista Alberto Toron, que é conselheiro federal da Ordem, pediu a palavra.
Toron disse que uma lei de 2022 regulamentou o tema e permitia a fala ao advogado. “Ambas as leis (a de 2022 e o regimento do STF) tratam do mesmíssimo assunto, só que uma é posterior à outra e o critério da cronologia deveria prevalecer”, argumentou.
Moraes discordou e se queixou da manifestação de Toron. O ministro disse que o conselheiro da OAB foi à tribuna da Primeira Turma sabendo que não haveria sustentação oral. “(Assim), nós realmente vamos complicar a questão”, disse o ministro. As negativas viraram motivo para campanha da OAB contra o ministro, cujas insatisfações foram manifestadas em encontros com a cúpula da Câmara dos Deputados.
Na próxima semana, a Ordem pretende apresentar à Câmara o texto do que chamam de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Devido Processo Legal. Ao contrário de uma lei ordinária, uma emenda à Constituição suplantaria legalmente o regimento do Supremo – e Moraes não teria como impedir as sustentações.
OUTRO LADO
Procurado por meio da assessoria do STF, o ministro Alexandre de Moraes não se manifestou a respeito das críticas da OAB e do projeto que será apresentado à Câmara. Em nota, a OAB disse que Simonetti interpretou o grito “fora, Xandão” como “fala do Xandão” por conta da lotação do auditório.
“Ao término do evento, a pessoa que havia gritado ‘fora, Xandão’ se aproximou do presidente para cumprimentá-lo e admitiu ter sido ela quem gritou durante o discurso. Foi nesse momento que o presidente Beto Simonetti percebeu o equívoco de sua interpretação e esclareceu que jamais teria dado tal resposta, se tivesse compreendido corretamente o grito no momento”, diz a nota da Ordem.
Em momentos anteriores, a OAB também entrou em conflitos com Moraes, mas sempre tentou mostrar que simpatiza com as ações do STF contra os acusados de participarem de atos antidemocráticos desde a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Neste ano, após a Operação Tempus Veritatis, que investigou a suspeita de uma tentativa de um golpe de Estado após a eleição de 2022, a Ordem questionou a decisão que proibiu a comunicação entre investigados, “inclusive por meio de advogados”. “Advogados não podem ser confundidos com seus clientes”, disse, à época.
Ao responder ao questionamento da OAB, Moraes afirmou que nunca vedou que os advogados das partes se comuniquem. Segundo ele, havia apenas a proibição para que os seus clientes troquem recados ou combinem versões, seja por si próprios, seja por meio de terceiros, inclusive por advogados.
A decisão foi celebrada em notas da OAB, que entendeu que o esclarecimento afastou “qualquer interpretação divergente e reforça prerrogativas da advocacia”. Uma parcela de advogados criminalistas, porém, entendeu que Moraes não atendeu às solicitações da classe e manifestou insatisfação com a decisão do ministro.
No ano passado, em outro episódio de conflito entre os advogados e o ministro, a OAB criticou o extenso uso do plenário virtual em vez de manifestações presenciais, sobretudo em ações relacionadas aos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, nos quais as sedes dos Três Poderes foram depredadas.
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