A operação Ultima Ratio revelou ao Brasil um grande esquema de corrupção no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). O que foi escancarado de forma pública, nos bastidores do poder no estado já era unanime e de conhecimento de todos. O pagamento de propina por decisões judiciais não era novidade; é exatamente isso que mostram as provas listadas no relatório de investigação da PF (Polícia Federal).
Alguns dos indícios que culminaram na Ultima Ratio nasceram da análise de material apreendido na operação Lama Asfáltica, em 2015. Entre as conversas, elementos apontaram que o esquema estava tão enraizado no estado, que até integrantes dos poderes Executivo e Legislativo tinham conhecimento. Algumas vezes, também estavam envolvidos com a corrupção do poder judiciário.
A primeira fase da operação que investigou fraudes em licitações públicas de Mato Grosso do Sul cumpriu mandados de busca e apreensão na casa do ex-governador André Puccinelli, que havia deixado o poder meses antes. Entre o que foi encontrado, uma conversa com um ex-vice-prefeito de Naviraí, Ronaldo Botelho foi o que mais chamou atenção.
No diálogo, o político pede ajuda em um processo. Dias depois, ele retorna a mandar mensagem. Dessa vez, pediu um conselho:
Para a PF, o tema da conversa era uma ação de improbidade administrativa na qual o ex-vice-prefeito foi condenado em 1ª instância e que teve o recurso negado pelo TJMS.
Depois dessa mensagem, o recurso do ex-vice prefeito foi aceito pelo TJMS e autuado no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Para a polícia, mais um indício de venda de sentença, Fábio Castro Leandro, que também foi alvo de busca e apreensão no dia 24 de outubro.
Nos municípios
O envolvimento de prefeituras de Mato Grosso do Sul no esquema foi revelado ao longo da investigação em contratos firmados com os escritórios de advocacia dos filhos dos desembargadores. Mesmo legal, para a polícia, a prática significa favorecimento pessoal por parte dos magistrados investigados.
Em outro ponto do relatório fica comprovado o envolvimento direto de desembargadores e políticos: no caso em tela, do investigado Marcos Brito e do deputado estadual Zé Teixeira (PSDB). A relação entre os dois ganhou um capítulo próprio.
Segundo a investigação, o desembargador atendia “pedidos jurídicos” do deputado com frequência e também falava com os assessores dele. Em uma das ocasiões, entrou em contato com o que chamou de “ouvidor de Mato Grosso” para influenciar na decisão de processo em outro estado em benefício de Zé Teixeira.
A conversa resolveu e o pedido é resolvido em “tempo recorde”, como o próprio ouvir avisa.
É também na conversa com Zé Teixeira que outro nome importante do Poder Executivo apareceu: o do ex-prefeito Marquinhos Trad.
No diálogo informal, o deputado alega ter se encontrado com o ex-prefeito e falado “da caminhada” de Marcos Brito quanto à venda de sentença. O ex-prefeito alegou ao deputado que poderia conversar com o filho do desembargador, Diogo Rodrigues, para “fazer o serviço”.
Mais uma prova de que o esquema era conhecido por políticos de Mato Grosso do Sul.
Nem o MPMS escapa
Além dos políticos, a polícia também encontrou indícios da participação de integrantes do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul). A suspeita vem em nome de um promotor: Marcos Sottoriva.
Em uma troca de mensagens, o promotor envia ao desembargador o número de um recurso de agravo de instrumento contra a decisão de 1º grau que indeferiu liminar em processo ajuizado por ele a respeito da compra de uma fazenda, com valor da causa de R$ 5 milhões.
Ou seja, o promotor Marcos Sottoriva é parte do processo e entra em contato com o desembargador para um pedido pessoal.
Sem sequer ter acessado o processo, Marcos Brito pede a um assessor para providenciar a elaboração de decisão com tudo que o promotor pediu, mas sem entrar no mérito. Resumindo, as entranhas da venda de sentenças no TJMS eram expostas para todos nos bastidores. As interferências eram tamanhas, que o desembargador não se deu o trabalho de ler o processo ou modificar algo.
Marcos Sottoriva também foi alvo de busca e apreensão no dia em que a Ultima Ratio foi deflagrada. O pedido para isso partiu do Ministério Público Federal que considerou os fartos narrados graves.
E os envolvidos?
Apesar de serem citados como personagens que comprovam a venda de sentença há muito tempo, André Puccinelli, Marquinhos Trad, Zé Teixeira, Gean Volpato, Ronaldo Botelho, Diogo Rodrigues e Paschoal Carmello Leandro não forma alvos de investigação, nem de busca e apreensão, em momento nenhum da operação Ultima Ratio. Não há, portanto, acusações contra eles.
Ó Primeira Página tentou contato com todos os citados, mesmo não sendo alvos da operação. Gean Volpato, Zé Teixeira, Diogo Rodrigues e André Puccinelli não responderam aos questionamentos feitos. A reportagem não conseguiu contatar o desembargador aposentado Paschoal Carmello Leandro.
Ao portal, o ex-prefeito de Campo Grande afirmou que a única ocasião em que Zé Teixeira entrou em contato com ele foi para informar de uma emenda que seria destinada para um “serviço” perto de Anhanduí. O, agora vereador eleito, não comentou sobre a operação Ultima Ratio.
Já Marcos Sottoriva e Fábio Castro Leandro foram alvos de busca e apreensão, mas não foram localizados pela reportagem. O desembargador Marcos Brito foi afastado do cargo, faz o uso de tornozeleira eletrônica e até o momento não se manifestou sobre as acusações.