Os primeiros bezerros gerados por fertilização in vitro para impedir a extinção de bois pantaneiros começaram a nascer no último sábado (4). Por meio do projeto desenvolvido por meio de uma parceria firmada entre a ONG Onçafari e a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), já foram gerados 450 embriões da raça pantaneira.
Os embriões foram inseminados em novilhas Nelore, que serviram de barrigas de aluguel e 125 emprenharam. Até o momento, 29 já nasceram, pesando 32 quilos em média. São mais pesados do que a média da raça, que gira entre 18 e 28 quilos ao nascer.
De acordo com o professor e gestor do Núcleo de Conservação de Bovinos Pantaneiros da UEMS, Marcus Vinicius Morais de Oliveira, dois lotes iniciais estão sendo formados in vitro: um de pantaneiros gerados por mães Nelore e outro de bezerros meio sangue. Eles serão somados a um rebanho de 30 pantaneiros puros, paridos por vacas pantaneiras através de reprodução natural.
“Nosso objetivo é conseguir um rebanho de 500 pantaneiros. Vai chegar o momento, daqui a cerca de sete anos, em que as vacas Nelores não serão mais necessárias como barrigas de aluguel”, calcula o professor.
Enquanto não desmamarem, ao longo de 10 meses, os bezerros terão o comportamento monitorado. Os pantaneiros puros ficam soltos dia e noite, enquanto os demais são recolhidos quando escurece. A ideia é que os rebanhos se juntem e passem a viver soltos assim que desmamarem.
Risco de extinção
Apesar de os bois pantaneiros serem fortes, rústicos, resistentes às adversidades do Pantanal, adaptáveis ao terreno alagado e não dependerem apenas do capim par se alimentarem, estão ameaçados de extinção devido à desistência dos pecuaristas em preservarem a espécie.
Nos últimos 50 anos, a população caiu de 3 milhões de cabeças para apenas 500 animais.
Foram duas as características físicas do gado pantaneiro que fizeram com que os pecuaristas desistissem deles e preferissem investir no Nelore. Suas pernas curtas eram um problema no tempo em que os rebanhos eram transportados a pé. E quando as comitivas foram substituídas pelos trens, os longos chifres do pantaneiro, que crescem para os lados, impediam que vários animais fossem espremidos em pouco espaço.
O Projeto
A pesquisa teve início em 2013, quando Marcus mapeou animais remanescentes em fazendas de alguns entusiastas. “Encontrei alguns poucos pecuaristas ricos, que preservavam os pantaneiros só porque gostam dos bois e os criavam como animais de estimação, mas não conseguiam renovar os rebanhos pela consanguinidade”, conta Marcus.
Simultaneamente com a captação de material genético no laboratório de Marcus, a ONG Onçafari desenvolvia um projeto de preservação do Pantanal na Reserva São Francisco do Perigara, área de 25 mil hectares em Mato Grosso.
A reserva em questão, que abrigava 15% da população total de araras azuis, foi adquirida em 2021, após ter 90% do território consumido pelo fogo e se tornou uma das 14 bases de operação da Onçafari.
A ONG fundada pelo ex-piloto de Fórmula 1 Mario Haberfeld, tem como principal objetivo preservar animais de todos os biomas e promover o ecoturismo responsável. Apesar de a onça pintada ser o animal de maior atenção do projeto, foi descoberto que os bois pantaneiros são fundamentais para a preservação do Pantanal.
“Eles são fundamentais para manter as condições do bioma. As vegetações forrageiras crescem muito no verão e, se os bois não pastarem, essa biomassa vira feno, que aumenta o risco de incêndios”, explica o professor da UEMS.
Os bovinos também se alimentam dos coquinhos da palmeira acuri, removendo a casca mais dura do fruto e deixando só o miolo para ser comido pelas araras azuis.
O boi pantaneiro também é a única espécie capaz de se defender dos ataques das onças pintadas, já que sua pelagem pode mudar de cor para se camuflar na paisagem. Além disso, o rebanho se une diante do perigo para proteger os bezerros e intimidar a onça.
“Apesar da proibição, a gente sabe que alguns pecuaristas acabam matando as onças que avançam sobre seus rebanhos. Se conseguirmos recuperar o boi pantaneiro e provar que ele pode conviver com as onças, não haverá mais motivo para matá-las”, pontua Haberfeld.
Expectativa
O pesquisador acredita que os bezerros gerados pelo projeto serão pacíficos como seus ancestrais, que só atacam quando são ameaçados por um predador, e com a mesma resistência. “Há inúmeros relatos de pantaneiros mais antigos, que viram onças sendo chifradas pelos bois. Eu mesmo tenho fotos de bois pantaneiros com marcas de garras de onça, o que mostra que sobreviveram a um ataque, o que é raro”, pontua o cientista.
Já o fundador da ONG encara o projeto dos bois pantaneiros como um meio para alcançar a preservação das onças, mas não descarta a possibilidade de incluir o gado no ecoturismo.
“O grande atrativo da Reserva São Francisco do Perigara são as araras azuis e tenho a ideia de construir uma pousada por lá. O boi pantaneiro pode ser uma atração turística a mais”, conclui Haberfeld.
No futuro, a carne do animal pode se tornar mais um atrativo. “Assim que a propriedade estiver cheia de bois pantaneiros, vamos entrar nesse assunto. Tenho alguns animais e sei que a carne é muito especial, pelo alto grau de marmoreio”, afirma o ex-piloto.