Nesta semana, enquanto publicamos uma série de reportagens sobre o calor e as mudanças climáticas, Mato Grosso do Sul bateu novos recordes. Aquidauana passou dos 42°C e Campo Grande chegou aos 40°C, as maiores temperaturas de 2024, até agora. Nesta sexta-feira (27), Campo Grande amanheceu com 18°C, após um temporal atingir diversas cidades. Vivenciamos o quanto falar das mudanças climáticas é urgente. Estamos acostumando com esse “novo normal”, mas o que podemos esperar do futuro?
Há anos climatologistas de todo o mundo alertam para o aquecimento global, mas de tanto falar sem respostas efetivas, hoje assistem às mudanças climáticas com pessimismo. O Jornal Midiamax ouviu vários especialistas climáticos e nenhum deles acredita em uma reversão do que estamos vivendo. Cientificamente é difícil “prever o futuro”, mas possível dizer que vivemos em um ciclo com tendência a piorar.
Em setembro de 2023, quando as ondas de calor começaram a esperança era pelo fim do El Niño. O fenômeno terminou, as ondas de calor continuam e as temperaturas continuam subindo. Em 2024, ainda há outro agravante, a seca extrema com consequências em vários setores e também na umidade relativa do ar.
Para tentar entender o que está acontecendo com o clima e para onde caminhamos, o Jornal Midiamax elaborou uma série de reportagens. Neste último conteúdo, vamos tentar esclarecer sobre o futuro.
Confira as reportagens já publicadas: 1 ano das ondas de calor, ecoansiedade, calor e desigualdades sociais e impactos do calor na saúde.
Ação humana acelera as mudanças
Para tentar esclarecer sobre o futuro tivemos a oportunidade de conversar com o climatologista Jose Marengo, referência nacional em mudanças climáticas e coordenador-geral do Cemaden (Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). “Os extremos estão ficando mais extremos. Um dos extremos é a seca e outro são as ondas de calor, e de fato, sim, estão aumentando”, diz.
Marengo destacou a seca extrema que o Brasil enfrenta, a tendência atual do cenário se repetir em 2025 e as ondas de calor como consequências do aquecimento global. Ele ainda diz que é frustrante ver a falta de vontade política com o clima e como as ações humanas contribuem para o avanço mais rápido das mudanças climáticas.
“É um pouco difícil o que pode acontecer porque a ação humana é coordenada e isso complica qualquer previsão de modelo. Os modelos não consideram esse tipo de fatores, a ação humana, principalmente nos biomas como Pantanal e a Amazônia”, disse Marengo ao comentar sobre a afirmação do colega Carlos Nobre, de que o Pantanal caminha para o fim.
Para ele o cenário é preocupante, principalmente em relação ao ciclo da chuva. Os dados mostram, conforme Marengo, que o fenômeno El Niña não deve se configurar e o período de chuvas que deveria começar em outubro, chegar tarde demais. Com pouca chuva e muito calor, os incêndios florestais podem piorar.
“Nossa preocupação é que as chuvas não comecem a tempo ou que seja muito curta ou fraca. Ou seja, a possibilidade de que se repita uma situação no verão de 2025, similar ao verão de 2024, é muito alta. Claro que isso pode mudar se se configura uma La Niña, mas por enquanto não estamos vendo essa configuração”.
Zerar emissão de efeito estufa resolve?
Ele concorda que reduzir a emissão de gases de efeito estufa é importante, mas deveria ter sido feito há mais de 10 anos. “Eu acho que reduzir as emissões é importante, mas isso não vai alterar o aquecimento global, isso vai, talvez, reduzir um pouco. Tentar chegar a não passar 1,5°C, por exemplo, realmente é muito difícil”, afirma o cientista ambiental.
Para se ter ideia do quão atrasados estamos em relação à necessidade, o Brasil tem meta de reduzir em 53% as emissões de gases de efeito estuda até 2030. Já o governo de Mato Grosso do Sul se comprometeu a neutralizar 100% da emissão até 2030. Ainda que as metas sejam atingidas, no máximo, vão minimizar um pouco os efeitos extremos, explica Marengo.
O que podemos fazer agora?
As mudanças climáticas fruto do aquecimento global já são uma realidade e isso significa que qualquer ação não é mais suficiente para impedir, restando apenas a adaptação a essa nova realidade. Mas é possível minimizar os impactos das mudanças climáticas? Procuramos especialistas para responder essa pergunta.
Pesquisador sênior do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil) e vice coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais, Jean Pierre Ometto conversou com o Jornal Midiamax sobre o assunto e seu olhar para o futuro. “Eu considero que isso é uma situação muito grave, muito urgente. E nós temos que ter ações de voltadas à conservação ambiental“.
Para ele, o cenário ideal para tentar reverter a situação, seria mudar a composição da atmosfera, parando de queimar combustível fóssil e de jogar carbono na atmosfera. Mas a gente sabe que isso não vai acontecer, pelo menos não agora e o que resta é adaptação. “É urgente a gente ter ações voltadas à recomposição, à restauração de uma relação com a natureza, vamos dizer assim. No sentido prático”, comenta Ometto.
Ele detalha ações, como reduzir o impacto ao Meio ambiente e as ilhas de calor (áreas urbanas com altas temperaturas), a fim de minimizar os dados principais à população mais vulnerável. Investir no reflorestamento de cidades, disponibilidade de água, arquitetura adequada e agricultura sustentável são ações principais.
“Precisamos falar sobre as mudanças climáticas. É muito importante que o poder público municipal traga isso para dentro do seu planejamento, porque ele vai enfrentar eventos de clima extremo na sua gestão. A gente precisa trazer isso para o debate, se não, a gente fica, de alguma forma, fingindo, fica tampando o sol com a peneira, né?”, destaca Jean Ometto.
Eventos mais intensos
Quem costuma duvidar das mudanças climáticas, afirma que os eventos extremos sempre existiram. O pesquisador do Inpe não discorda. “Sempre aconteceram mesmo, mas estão ficando mais intensos e mais frequentes. Elas aconteceram lá em 1970, 60, 50? Sim, acontecia. Só que com uma frequência e uma intensidade muito menor. Então, o que está acontecendo é isso, o clima está mudando rapidamente”.
O calor, a baixa umidade, as queimadas afetam a saúde da população, agora e no futuro e o pesquisador faz um alerta importante. “Lembrando sempre que onda de calor mata mais do que deslizamento de terra”, disse ele ao se referir a um estudo publicado por pesquisadores em janeiro deste ano.
Em meio a tantas opiniões extremas no Brasil atual, o pesquisador faz questão de afirmar que a questão do clima não é anti-econômica. “Pelo contrário, é uma agenda de sustentabilidade econômica. Não adianta a gente continuar fazendo o que está fazendo e não conseguir produzir agricultura no Cerrado Brasileiro em 20 anos”, reflete ele.
Mas é possível produzir em conformidade com o meio ambiente? Jean esclarece que sim e que é urgente buscar formas para que os eventos extremos impactem menos a vida de população. Mas, para isso, é importante que todos pensem junto com as mudanças climáticas.
“A agricultura é um grande emissor de carbono, mas a gente tem que continuar produzindo alimento. Então, como é que a gente compõe essa equação no curto prazo? É uma estratégia de transformação nas cadeias produtivas,transformação energética, transformação no uso e ocupação do solo. Nós temos que trabalhar nessa estratégia”.