Em meio a investigação que está sendo mantida sob sigilo e com o argumento de que são exploradas por organizações criminosas, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul publicou recomendação nesta quarta-feira (12) para que o governo estadual feche todas as cantinas que funcionam nos presídios estaduais.
Segundo o presidente do sindicato dos policiais penais do Estado, André Luiz Garcia Santiago, as cantinas são uma espécie de “câncer do sistema prisional” e em vários estados elas já foram extintas, justamente porque, segundo ele, existe uma “terceirização criminosa” destes mercadinhos internos.
De acordo com ele, já existe um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o MPE prevendo que os responsáveis pela cantina, que normalmente são detentos, só podem cobrar 30% acima do preço de custo dos produtos.
Este acordo, porém, é ignorado em quase todos os presídios e estes detentos conseguem lucros exorbitantes não somente para si próprios, mas também para as facções criminosas das quais fazem parte.
“No presídio de Dourados, que é o maior do Estado, o responsável pela cantina era um interno que não tinha patrimônio nenhum. Depois de algum tempo, porém, seus familiares começaram a circular de BMW”, exemplifica Santiago ao falar sobre o lucro que estas cantinas garantem.
Em tese, o lucro deveria ser destinado a um fundo penitenciário. Parte dele efetivamente vai e, normalmente, é destinado à manutenção dos presídios. Em Campo Grande, porém, por determinação judicial, vai até para a reforma de escolas estaduais nas quais é utilizada mão de obra de presidiários.
Em Mato Grosso do Sul existem 42 presídios, incluindo os de regime semi-aberto, onde não existem cantinas. Nos outros, segundo Santiago, existe “mercadinho” em praticamente todos. E, são em torno de 20 mil presidiários que fazem compras nestes locais. “É mais gente que boa parte das cidades de Mato Grosso do Sul”, diz o sindicalista para dar uma dimensão do tamanho e da relevância do negócio.
RECOMENDAÇÃO
Ao contrário da maior parte das investigações do MPE, esta exige senha para que se possa ter acesso aos detalhes que levaram à recomendação. Mas, na fundamentação a promotoria dá indicativos sobre as motivações, que vão na mesma linha das informações do presidente do sindicato dos policiais penais.
Para a promotora Jiskia Sandri Trentin, “as as chamadas “cantinas” acabaram constituindo-se em um espaço que propicia a atividade das organizações criminosas, uma vez que a escassez de alimentação e demais itens essenciais à sobrevivência no cárcere acabam por concentrarem-se nesses locais de venda e são monopolizados pelos presos com maior poderio”, escreve.
A promotora reconhece que existe previsão legal na legislação brasileira para o funcionamento de cantinas nos presídios, mas ela enfatiza que isso deveria ocorrer excepcionalmente. “Embora ainda previsto na Lei de Execução Penal, em seu artigo 13, que o estabelecimento prisional disporá de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração, a prática tem se mostrado, ao longo dos anos, um dos grandes problemas na dinâmica carcerária”.
Na recomendação ela lembra ainda que por conta da omissão do poder público em dar condições de vida adequadas aos detentos, as facções acabam assumindo esse papel e usam as cantinas para suprir determinadas necessidades dos internos e assim se fortalecerem e conseguirem novos adeptos.
“As organizações criminosas, historicamente, ocuparam os espaços e ganharam força justamente a partir das falhas do Estado na garantia de estruturas mínimas de controle nos estabelecimentos prisionais, bem como na violação de direitos humanos, especialmente no tocante à escassez de recursos destinados a suprir as necessidades mais básicas do indivíduo encarcerado”, diz a promotora.
FIM DO DINHEIRO
Para André Santiago, o fechamento das cantinas também permitiria o fim da circulação de dinheiro no interior dos presídios. Esta circulação, segundo ele, alimenta uma vasta gama de casos de corrupção e de aliciamento de presos por parte das facções criminosas. “Ou seja, permitir a circulação de dinheiro é dar combustível a facções como PCC e Comando Vermelho”, segundo Santiago.
As autoridades estaduais receberam prazo de 30 dias para que respondam “por escrito, sobre o atendimento ou não da presente recomendação, informando as providências implementadas ou que pretendem implementar (neste último caso, com cronograma de atividades), em caso positivo”