Gustavo Christofoletti, pesquisador do Instituto Integrado de Saúde (Inisa) da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), compõe, junto de outros pesquisadores, um novo estudo que mostra que pacientes com uma menor massa muscular esquelética estão mais sujeitos ao desenvolvimento de demências.
Segundo os pesquisadores, a perda de músculo e de cognição pode estar ligada a causas comuns, como à inflamação. Os dados foram divulgados durante a reunião anual da Radiological Society of North America (RSNA – sigla em inglês).
Os autores do novo trabalho voltaram-se para o estudo do músculo temporal, localizado na cabeça e responsável pelo movimento da mandíbula inferior. Os dados foram coletados por meio de ressonância magnética de espessura e área do tecido permitem uma extrapolação para a condição geral do paciente.
Inicialmente, a pesquisa contou com 621 pessoas com idade média de 77 anos, e sem demência, todas acompanhadas pelos seis anos seguintes. Ao término do período, a partir do resultados dos exames, os participantes foram separados em dois grupos distintos: um dos que apresentaram maior área transversal do músculo temporal, com 131 pessoas, e outro com menor medida, incluindo os 488 idosos restantes.
Neste período, proporcionalmente ao número total de pessoas, uma quantidade maior de participantes do grupo de menor área transversal do músculo temporal desenvolveu quadros de Alzheimer. Nesse grupo também foi visto um resultado menor de performance de memória, atividade funcional e volume cerebral.
Para o professor e pesquisador Jamerson de Carvalho, do Hospital Universitário da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), as evidências são de que a correlação entre perda de músculos e o risco aumentado de demências ainda são insuficientes para indicar a existência de uma relação de causalidade entre os dois fenômenos, mas que ambos se ligam indiretamente.“É uma relação indireta, porque eles compartilham os mesmos fatores de risco”, afirma o especialista.
Segundo ele, o mais provável é que pacientes expostos a problemas como tabagismo, sedentarismo, alcoolismo e cardiovasculares desenvolvam tanto uma menor massa muscular quanto sintomas de neurodegeneração no final da vida.
De acordo com os autores do trabalho, uma menor quantidade de músculo esquelético está associada a um risco aproximadamente 60% maior de desenvolvimento de demências, quando os dados são ajustados para os demais fatores de risco.
O estudo também mostra que a alteração da composição muscular pode ser detectada por um exame rotineiro de ressonância magnética. Para os pesquisadores esse aspecto permitiria ampliar a conscientização de pessoas com risco aumentado da doença.
Christofoletti, explicou à Folha de São Paulo que o exercício físico resistido estimula a produção de uma série de proteínas com função protetora para o cérebro. Fatores que geram uma reserva cognitiva positiva.
Outra hipótese levantada é de que a inflamação sistêmica que levaria tanto à demência quanto à menor capacidade dessas pessoas de desenvolver massa muscular e, eventualmente, à sarcopenia, condição de perda de massa muscular e força entre pessoas com mais de 60 anos. Isto é, essas duas condições compartilham causas comuns e teriam, portanto, uma correlação indireta.
Essa hipótese é aceita pelos autores de um estudo feito com mais de 13 milhões de coreanos que avaliou os efeitos dos índices de massa muscular esquelética na ocorrência posterior de demência. O trabalho foi publicado na revista científica Annals of Clinical and Translational Neurology.
Em particular, pacientes de doenças como o Alzheimer apresentam uma perda acentuada de músculos esqueléticos porque tendem a ficarem mais reclusos e a realizarem menos atividade física.
Nova abordagem
Agora, os especialistas olham o problema na ordem inversa, isto é, para os casos que a redução do volume de músculos ocorre antes da neurodegeneração. Um artigo publicado na revista científica Metabolites faz um levantamento de pacientes com função cognitiva mais baixa e sarcopenia e incluiu dados de 2 mil pessoas obtidos a partir de uma coorte chinesa de informações de saúde e aposentadoria, que foram acompanhadas entre 2011 e 2018.
Os autores concluíram que os esforços de prevenção da sarcopenia podem ajudar na redução dos casos de demência. Eles levantam a hipótese de que uma maior quantidade de músculos contribui diretamente para a preservação da cognição.
Segundo o estudo, a alta adiposidade (gordura) e baixa porcentagem de massa muscular está associada à hipertrofia cerebral e inflamação sistêmica do organismo, que pode levar à neurodegeneração. A obesidade, em particular, é um fator de risco bem conhecido para doenças neurodegenerativas.
Os pesquisadores também se debruçaram sobre o efeito das intervenções no estilo de vida em diferentes faixas etárias e concluíram que antes dos 60 anos, o corpo tem mais sensibilidade aos efeitos do exercício físico. Depois dessa idade, a mudança de vida continua a trazer benefícios, porém, são menos sentidas pelos pacientes.
Além disso, os especialistas supõem que exista um chamado “efeito legado” deixado pela prática de atividades na juventude e que persiste no tempo até a velhice ajudando a proteger as funções cognitivas.
“Os benefícios ocorrem em todas as idades, mesmo nas pessoas que começam a praticar mais tarde. Mas quanto mais cedo, melhores os frutos colhidos a longo prazo”, afirma Christofoletti.
*Com informações de FolhaPress