Awkwafina e John Cena estrelam a comédia que brinca com metáforas para (tentar) nos fazer rir de nós mesmos
Há uma piada meio próxima da realidade de que em Hollywood todo mundo tem um roteiro que quer emplacar (ou é ator). Durante as filmagens, astros são abordados por técnicos ou os mais insuspeitos colegas pedindo para ler algo e por ajuda.
De alguma forma, por proximidade e gratidão, vários dub;ês têm parecido conseguir emplacar seus projetos com isso. Não é necessariamente o caso de Jackpot!- A Loteria Mortal, o filme mais visto da Amazon Prime Video de agosto de 2024.
A proposta de tudo no filme gira em torno da simplicidade e um único compromisso: rir do absurdo. Não alcança o objetivo justamente por ser “simples demais”, o que complica mais a trama. Primeiro, esclarecem a distopia como comédia.
Distopia é justamente um “estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação” e no filme de Paul Feig isso será realidade em 6 anos. Vemos um Estados Unidos de condições extremas: pessoas passando fome e necessidade e 5 novos bilionários em Wall Street. A única conexão entre pessoas, seja socialmente ou emocionalmente, é a transação financeira e Feig nos convida a rir dessa realidade (como se fosse ficção).
Neste cenário, a Grande Loteria foi estabelecida na Califórnia assim: o vencedor tem que sobreviver até o pôr-do-sol para coletar o prêmio e durante essa curta janela, vale (quase) tudo para matar o vencedor e ficar com o dinheiro, só não pode usar arma de fogo. Ou seja, o pior das pessoas vem à tona e ninguém é confiável.
No meio disso tudo, uma desavisada Katie (Awkwafina), uma ex-estrela infantil que estava vivendo no Michigan e não acompanhou as novidades em Los Angeles, desembarca na cidade para tentar recuperar sua carreira, levando uma série de golpes e humilhações de um mar de pessoas horríveis.
Obvio que ela acidentalmente tem o bilhete vencedor da semana e justamente quando é o prêmio mais alto da história: mais de três bilhões de dólares.
Ela que não queria jogar ou ser rica se vê num jogo de gato e rato onde acaba unindo forças com o protetor amador Noel (John Cena), que negocia receber 10% do total para ajudá-la a viver e reivindicar o prêmio multibilionário. O problema para Katie é: ela pode confiar em Noel ou alguém além dela mesma?
A premissa de Jackpot! teria profundidade quando todas as piadas que seriam absurdas: a indiferença social, o capitalismo selvagem, a vigilância eletrônica saída do universo de Big Brother, a celebridade das redes sociais, a ganância, etc se fosse um mínimo original.
Na realidade é praticamente uma refilmagem de Par Perfeito (Killers), o filme de 2010 com Katherine Heigl e Ashton Kutcher onde ele, um espião procurado, têm que escapar de caçadores de recompensa numa sequência sem fim de ataques e correria. A partir do momento no qual Katie é revelada como a vencedora, ela vira a caça e não há respiro até que termine o dia.
Awkwafina e John Cena são divertidos em tudo que fazem, mesmo sendo a mesma nota também em tudo que aparecem, portanto ou você gosta dos dois ou sai correndo. Isso porque a trama é unicamente uma sequência de cenas de luta atrás da outra, precisando nos lembrar toda hora que é apenas a regra do jogo.
Sim, tentam dar um mínimo de profundidade aos dois principais ao ter como motivação o fato dela estar lidando com o trauma de ter sido enganada pelo próprio pai e dele por ter sido a razão de seu pelotão ter sido morto em combate, mas soa uma brincadeira sem graça. Não porque os temas seriam sérios, mas porque realmente não colou como piada.
E aqui está a ironia e inteligência de Feig: como avisa nos créditos de abertura, sua intenção é apenas divertir, mesmo que esteja jogando na nossa cara uma das verdades mais cruas e precisas da nossa realidade. E acerta, aparentemente. Eu diria que o filme é simplesmente ruim, não há química entre a dupla principal, as piadas são repetidas e/ou cópias, as lutas não são exatamente bem coreografadas e não há nenhuma surpresa.
Sabemos o que cada um fará e faz, até os supostos erros de gravação nos créditos finais, que parecem tão calculados como o que foi usado no filme. Aliás, para ser justa, a melhor piada de todo filme está nos créditos, quando vemos como Katie e Noel passam a viver como bilionários. Sim, até eles são corrompidos no final das contas. A distopia não poupa nem as melhores almas. Poderia poupar suas horas, mas, se tiver com sobra: seja bem vindo ao mundo do nada.