As mudanças de uso do solo realizadas pela atividade agrícola são algumas das maiores responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa na atmosfera.
Como plantas e solo estocam carbono e um solo não balanceado em nutrientes gera mais emissões, nos últimos anos, a agricultura entrou para o cardápio das soluções para mitigação das mudanças climáticas. Em 2009 surgiu o termo climate-smart agriculture (“agricultura inteligente em termos climáticos”, numa tradução livre), durante um evento da agência da Organização das Nações Unidas para alimentação e agricultura (FAO).
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“Não que a agricultura tenha sido, até agora, climaticamente agnóstica, ignorante ou neutra. Ela sempre dependeu do clima”, disse a diretora do Center for Global Food Security, da Purdue University, Sylvie Brouder, em palestra na Escola Interdisciplinar Fapesp 2024.
Brouder contou que o que caracteriza a climate-smart agriculture não é diferente do que se chamava até então de conservation agriculture. “É o que no Brasil chamamos de agricultura de baixo carbono”, explicou o mediador da palestra e professor da Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (FCA-Unesp Ciro Rosolem à Agência Fapesp.
Segundo Brouder, a mudança de nome foi uma forma de pôr as ciências agronômicas em evidência para o financiamento de pesquisas. Pelo menos nos Estados Unidos. “Queriam chamar a atenção de quem tem o dinheiro, falando de mitigação e adaptação climática. Basta lembrar que o financiamento à pesquisa em agricultura (nos Estados Unidos) tende a ser pouco quando comparado às outras áreas”, contou.
A pesquisadora apresentou números da literatura científica sobre mudanças climáticas, “reflexo do que a ciência está pautando em termos de políticas públicas”. Em 2015, segundo a base de dados Scopus, quase todos os estudos publicados eram sobre biologia, geofísica, meteorologia ou clima. E os dez artigos mais citados eram sobre sistemas naturais, hábitats, extinção etc. “Não sobre agricultura. Isso quando a mudança climática está obviamente afetando a agricultura”, apontou.
O papel do nitrogênio
A agricultura tem papel fundamental no balanço de nitrogênio no solo. Ao mesmo tempo em que é um nutriente essencial, o excesso gera emissões de gases como o óxido nitroso. Esse é um dos mais potentes causadores do efeito estufa.
Em sua experiência com produtores norte-americanos, ela conta que o temor de que suas plantações não rendam a colheita esperada faz com que muitos apliquem mais nutrientes no solo do que o necessário.
As consequências podem ser tanto econômicas, com gastos excessivos em fertilizantes, até ambientais, com poluição de rios e mares pelo excesso de nitrogênio e o aumento das emissões de gases de efeito estufa.
“Não há dúvida de que nitrogênio, fósforo e enxofre no solo são necessários para sequestrar o carbono. Mas é preciso saber a dose certa, ou o excedente vai gerar emissões indiretas, água de baixa qualidade, entre outros problemas”, explicou.
Brouder disse que foca no nitrogênio, pois, ao comparar as emissões de óxido nitroso nos Estados Unidos, a região conhecida como Cinturão do Milho é uma das grandes emissoras. Isso porque os fertilizantes são aplicados em quantidade muito maior do que a necessária.
“As razões pelas quais as pessoas fazem isso são socioculturais. É o que sempre aplicaram e elas querem safras ainda maiores, o que leva a crer que precisam aplicar ainda mais. Somado a isso, até recentemente os fertilizantes nitrogenados eram relativamente baratos”, observou.
O pensamento é uma herança direta da chamada Revolução Verde, conjunto de inovações que levaram a uma explosão de produtividade em diversas culturas no pós-guerra. “Muitos pensam na Revolução Verde apenas em termos de genética e sementes, mas foi um conjunto de fatores, incluindo irrigação, maquinário, fertilizantes químicos, este último agora associado como uma consequência ruim daquele momento”, lembrou.
É preciso lembrar, disse, que houve também investimentos em infraestrutura social, pesquisa, crédito para os produtores. Essa confluência proporcionou o aumento massivo de produtividade.
Mas nem todos se beneficiaram da Revolução Verde, o que suscitou nos anos 1980 a noção de segurança e insegurança alimentar. Os desafios agora se somam com os fatores climáticos, gerando pressão na produção de alimentos por conta de disponibilidade de água, mudanças no regime de chuvas e aumento das temperaturas médias, entre outras consequências das mudanças climáticas globais.