A sul-mato-grossense Cida Gonçalves, titular do Ministério das Mulheres, é alvo de cinco denúncias formais de assédio moral feitas por ex-servidoras de sua equipe, as quais também a acusam de xenofobia.
Os relatos foram enviados para apuração de dois órgãos federais: a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
Conforme as denúncias, que incluem dossiês escritos e três gravações de reuniões internas feitas pelas denunciantes, foram apresentadas acusações contra a ministra, contra a secretária-executiva da Pasta, Maria Helena Guarezi, contra a corregedora interna Dyleny Teixeira Alves da Silva e contra Carla Ramos, ex-secretaria nacional de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política.
Os relatos envolvem ameaças de demissão a servidoras, cobrança de trabalho em prazo exíguo, tratamento hostil, manifestações de preconceito e gritos.
A ministra sul-mato-grossense e Maria Helena são próximas e têm apoio político da primeira-dama do Brasil, Rosângela da Silva, a Janja, sendo por isso que o assunto está sendo tratado com discrição no governo Lula.
O caso de Cida Gonçalves é o segundo de um ministro da gestão do presidente Lula denunciado por assédio nos últimos meses. O primeiro foi o então ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, acusado de assédio moral e sexual.
Almeida foi demitido do cargo depois de vir a público a informação de que ele teria abusado de uma colega de Esplanada – no caso, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que confirmou a acusação, embora ele negue.
Procurada pelo Correio do Estadoa ministra Cida Gonçalves não retornou as ligações nem as mensagens da equipe de reportagem. Assim, foi necessário entrar em contato com a assessoria de imprensa do Ministério das Mulheres, o qual enviou uma nota oficial.
“O Ministério das Mulheres informa que nenhuma das acusações mencionadas foi registrada formalmente nos canais de denúncia das corregedorias do órgão ou da Controladoria-Geral da União”, escreveu a Pasta.
Segundo a nota oficial, “(o ministério) informa ainda que tais acusações não são novas, já tendo sido objeto de matéria em outro portal jornalístico anteriormente, também sob anonimato e sem elementos concretos”.
“Vale mencionar, contudo, que após a matéria anteriormente veiculada foi aberto um procedimento de averiguação pela CGU, já arquivado ante ‘a ausência de indícios de materialidade que justifiquem o prosseguimento de eventual apuração’”, destacou a nota.
“Em 2024, a Corregedoria do Ministério das Mulheres realizou capacitações com todas as áreas do órgão sobre enfrentamento ao assédio moral e sexual, abordando em detalhes as atribuições da área, além de esclarecer como as denúncias sobre conduta de conotação sexual e assédio moral são tratadas no âmbito do direito administrativo disciplinar”, ressaltou o ministério.
Na conclusão da nota oficial, a Pasta frisou que, ao todo, 161 pessoas foram capacitadas na ocasião, o que representa 62% do órgão.
AS DENÚNCIAS
De acordo com o relato das ex-servidores, Maria Helena, segunda na hierarquia do ministério, teria manifestado racismo em uma reunião, enquanto Carla Ramos é acusada de gritar com subordinadas e a corregedora Dyleny da Silva, na avaliação das denunciantes, teria se omitido na apuração das acusações de assédio.
As denunciantes dizem que as hostilidades começaram a partir de um desentendimento entre a ministra e a então secretária nacional de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política, Carmem Foro.
Sindicalista do Pará e petista, Carmem não foi uma escolha da cota pessoal de Cida. Indicação partidária do PT, a ex-secretária chegou ao posto com suporte político da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Carmen foi exonerada no dia 9 de agosto de 2024. Três dias depois, a ministra convocou uma reunião com os cerca de 30 servidores da área. As denunciantes, as quais estavam nesse encontro, relatam terem ouvido frases da ministra que foram entendidas como ameaça.
Logo no início, Cida justificou que Carmen, embora reconhecida liderança social, não era uma “boa gestora” e que atuava mais como “candidata” no Pará, com viés local, do que como uma “secretária nacional”. A ministra também afirmou que em sua Pasta a hierarquia tinha de ser respeitada.
“A gente não está no movimento social. Até no movimento social tem hierarquia. Nós estamos no Ministério das Mulheres. E aqui tem hierarquia. Eu não posso afrontar o presidente, e nenhuma secretária pode me afrontar. Pode discordar, é diferente”, disse Cida na gravação, complementando que “se vocês acham que eu não sei o que acontece nos corredores, eu sei. Cara, eu sei tudo”.
De forma velada, Cida ameaçou demitir os integrantes da equipe da ex-secretária.
“Pode ser que boa parte de vocês (servidoras) também podem sair ou não. A princípio, eu tinha dito para a Carmen que quem é dela, quem veio com ela, tinha que ir”, afirmou.
Na reunião, ela reclamou que o ministério passava por dificuldades políticas e que ela era cobrada no Congresso e no Palácio do Planalto. Disse ainda que até havia perdido orçamento.
Na conversa, a ministra afirmou que seria “mais difícil” selecionar alguém, porque havia estabelecido como critério recrutar “uma mulher negra, do Norte ou Nordeste”, com viés feminista e com um bom trânsito político com movimentos de mulheres e partidos políticos.
Essa fala também gerou um incômodo na equipe, sobretudo com as servidoras da Região Norte. Carmen seria substituída, um mês depois, pela ex-senadora Fátima Cilede (PT-RO).
Após a saída de Carmen, as ex-servidoras relataram que vivenciaram ainda mais episódios rotineiros de “isolamento político”, em que não conseguiam despachar com a ministra, mas eram cobradas por resultados e entregas com prazos urgentes, afetando a saúde e o bem-estar da equipe.
Segundo as denunciantes, era comum que a ministra cobrasse pelo andamento de processos que já haviam sido enviados a seu gabinete, sem nenhum retorno.
“Eu sei que todo mundo diz que sou uma ministra de gabinete, que ninguém tem acesso, mas é uma mentira”, rebateu Cida no encontro, adicionando que “a pessoa mais fácil sou eu. Agora, é verdade que minha agenda é um inferno”.
A ministra insistiu no respeito à hierarquia e disse que as secretarias funcionam como
“miniministérios”, sem prestar contas a ela, e que muitas vezes as secretárias ficavam “bravas” se cobradas.
Ela falou da necessidade de novas regras de conduta, que “cobraria mais” do que vinha cobrando e que a futura secretária faria uma reformulação.
“Enquanto eu estiver ministra, na minha sala, enquanto eu estiver no meu cargo, estiver aqui dentro, tenho a autoridade de ministra, tenho que ser respeitada nessas condições…Até o Lula me demitir, é essa a condição que eu estava. Estou falando tudo isso para a gente começar a reorganizar nossa vida a partir de agora. Eu vou cobrar mais do que tenho cobrado, vou exigir mais do que tenho exigido”, disse a ministra.
APÓS 4 MESES, SILVIO AINDA NÃO FOI OUVIDO
Após quatro meses de sua demissão do Ministério dos Direitos Humanos, o ex-ministro Silvio Almeida ainda não foi interrogado pela Polícia Federal (PF) sobre a acusação de ter cometido assédio moral e sexual.
A polêmica envolvendo Almeida ocorreu em setembro de 2024, quando foi acusado de ter cometido assédio sexual contra a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco.
No mesmo mês, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a instauração de um inquérito pela PF para apurar o caso. Na época, Almeida negou as acusações e pediu uma investigação rigorosa.
A Comissão de Ética Pública da Presidência da República também abriu um procedimento preliminar sobre o assunto. Em novembro daquele ano, o órgão arquivou um outro processo contra Almeida.
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