Ordem de ministro envolve apenas acesso à rede social por meio do sistema; fiscalização por completo beira o impossível, dizem especialistas.
O uso de qualquer VPN (rede virtual privada) continua legal no Brasil, apesar da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que estabeleceu multa de R$ 50 mil para usuários que tentarem usar o X (antigo Twitter) por meio desse tipo de dispositivo. O ilegal é, em tese, acessar a rede social, apesar de especialistas apontarem que isso é de difícil fiscalização.
“A proibição é de uso de VPN para acessar o X, somente”, diz Luca Belli, professor e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio.
As VPNs (redes privadas virtuais) são uma espécie de túnel na internet. Essa ferramenta permite que as pessoas acessem a rede como se estivessem em outro lugar no mundo. É muito usada na China, por exemplo, para acessar redes sociais e sites noticiosos censurados pelo país.
Dessa forma, de acordo com especialistas, identificar cada uso da rede social de Elon Musk feita no Brasil usando o sistema é impossível. Assim, a proibição seria mais uma maneira de dissuadir o uso da rede e impactá-la economicamente do que de fato banir o uso em definitivo.
“A única maneira de identificar essas pessoas é se elas falarem sobre o assunto, marcarem o ministro, se manifestarem em relação à medida de qualquer forma no X”, diz Belli.
Seria necessário, então, verificar que o usuário está de fato no Brasil, pois, se ele estiver no exterior, a multa não poderá ser aplicada.
“Imagino que o foco são algumas pessoas específicas investigadas pelo inquérito (das milícias digitais), pois essa fiscalização não é simples, ainda mais se a conta não estiver vinculada ao nome real do usuário e se for privada”, diz Felipe Palhares, sócio de Proteção de Dados e Cybersecurity do BMA Advogados.
Além de ser difícil identificar quem usa a VPN para acessar o antigo Twitter, a restrição de Moraes é passível de questionamento, já que não há uma lei sobre o uso dessas redes privadas no Brasil.
De acordo com o Paulo José Lara, codiretor-executivo da ONG Artigo 19, que visa promover o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo, falta entendimento sobre a tecnologia por trás das redes por parte do Judiciário.
“Enquanto o corpo político se abstiver de debater e aprovar leis e regulações sobre grandes plataformas, desde condutas de serviços até regulações econômicas, o poder de big techs também continuará a ameaçar o livre exercício da liberdade de expressão e, potencialmente, a democracia e a soberania”, diz Lara.
Com a discussão em torno do tema, voltou à tona o projeto de lei 2630, de 2020, que estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, inclusive a responsabilidade de provedores.
“Hoje, a suspensão (das redes) pelo descumprimento de ordens judiciais não tem previsão, já é uma determinação ‘criativa’ e a vedação de uso da VPN visa garantir a determinação de suspensão do X, algo que o PL poderia prever, junto a outras hipóteses de suspensão de aplicações de internet”, afirma Paulo Rená, pesquisador do Iris (Instituto de Referência em Internet e Sociedade).
Para o especialista, uma forma mais direta de derrubar o X no Brasil seria determinar que as empresas de VPN bloqueassem o acesso à rede social de Musk.
“O problema é que muitos desses serviços se vendem justamente como forma de burlar suspensões, então muitas não obedeceriam”, diz Rená.
Para Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, a decisão de Moraes vai contra dois aspectos da legislação brasileira: a liberdade de expressão e o Marco Civil da Internet.
“A medida afeta quem não é alvo do referido inquérito. E, segundo o Marco Civil da Internet, as pessoas são livres para usar VPN. Para que este uso seja restringido, ele precisa ser especificado. Qual a ameaça à ordem pública de as pessoas usarem esse tipo de sistema para acessar o X?”, diz Zanatta.
USAR VPN É PROIBIDO?
Muitos usuários de outras redes sociais questionam se o uso de VPN se tornou proibido no Brasil e se ele geraria uma multa de R$ 50 mil.
Atualmente, este não é o caso. O uso desse tipo de sistema continua legal e liberado, a menos que ele seja utilizado para acessar o X, o que poderia gerar uma multa.
“Usuários de VPN, por si só, não precisam se preocupar”, diz Belli, da FGV.
ENTENDA A PROIBIÇÃO DO X
A rede social X, o antigo Twitter, saiu do ar no Brasil em diversos dispositivos, a partir das 0h deste sábado (31), após a decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes que suspendeu as atividades da plataforma após a empresa não indicar um representante legal no país.
Moraes determinou nesta sexta-feira (30) a derrubada “imediata, completa e integral” do funcionamento da rede.
A decisão vale até que todas as ordens judiciais proferidas pelo ministro relacionadas à ferramenta sejam cumpridas, as multas devidamente pagas e seja indicada, em juízo, a pessoa física ou jurídica representante em território nacional (no segundo caso, também seu responsável administrativo).
Na quarta-feira (28), Moraes intimou o dono do X, o empresário Elon Musk, a indicar em 24 horas um novo representante legal no Brasil, e afirmou que suspenderia a rede caso isso não acontecesse.
Moraes também havia determinado inicialmente, quando mandou derrubar a rede social de Elon Musk, que a Apple e o Google criassem obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar o uso do aplicativo pelos usuários do sistema iOS (Apple) e Android (Google) e o retirassem de suas lojas virtuais. Mas, no fim do dia, uma nova ordem cancelou esse trecho.
O mesmo se aplica com relação às provedoras de serviço de internet, como Algar, Telecom, Oi, Sky, Live Tim, Vivo, Claro, Net Virtua e GVT: elas deveriam inviabilizar acesso por VPN, mas não precisarão mais fazer isso, com a revogação deste ponto.
Moraes havia, inclusive, citado uma lista de aplicativos a serem derrubados: Proton VPN, Express VPN, NordVPN, Surfshark, TotalVPN, Atlas VPN e Bitdefender VPN, “dentre outros serviços que mudem o acesso aos servidores”.
*Informações da Folhapress