Embora o Centro de Campo Grande tenha passado por melhorias, como a reforma de calçadas e a implementação de piso tátil, os bairros e o transporte coletivo não acompanharam o mesmo ritmo de adaptações. Com a falta de condições adequadas de locomoção PCDs (Pessoas com Deficiência) acabam impedidas de ocupar esses espaços.
No dia 21 de setembro, foi celebrado o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Em razão da data, o Jornal Midiamax destaca histórias que retratam a luta diária de PCDs para exercer seu direito de acesso e inclusão nos espaços urbanos.
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No Brasil, cerca de 18,6 milhões de pessoas com 2 anos ou mais (8,9% da população) apresentam algum tipo de deficiência. Em Mato Grosso do Sul, esse percentual é de 8,7%, o que corresponde a aproximadamente 226 mil habitantes, segundo dados do módulo Pessoas com Deficiência da Pnad Contínua de 2022.
Quem tem o direito de ir e vir?
Camila Novaes Insabralde, 40 anos, possui deficiência visual, do tipo baixa visão, provocada por um glaucoma congênito. Diariamente, ela enfrenta situações em que a falta de acessibilidade se torna um obstáculo ao seu direito de ir e vir.
Calçadas e pisos táteis quebrados, rampas desarmônicas e sinalização sonora inoperante: assim Camila descreve o caminho que precisa percorrer para chegar ao Ismac (Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos Florivaldo Vargas), localizado na Rua Vinte e Cinco de Dezembro.
“No centro da cidade, fizeram muitas adequações, especialmente com a revitalização da Rua 14 de Julho. Porém, em outros pontos, principalmente ao lado da prefeitura, onde está o Instituto dos Cegos, a acessibilidade arquitetônica é péssima”, afirma.
Além da falta de estrutura, Camila precisa lidar com o desrespeito da população nos espaços onde ainda há acessibilidade. Na última semana, ao caminhar pela Rua Barão do Rio Branco, em frente à Praça Esportiva Belmar Fidalgo, ela se deparou com um veículo estacionado sobre o piso tátil, impedindo a passagem. A situação gerou tanta revolta que ela decidiu gravar um vídeo para expor o ocorrido.
“O motorista campo-grandense demonstra um enorme desrespeito pelo passeio público, não liga para acessibilidade. As pessoas não têm medo de receber multas. Nesse dia, o carro estava totalmente na diagonal, dificultando a passagem não apenas de pessoas com deficiência, mas de qualquer pedestre”, destacou.
Segundo a servidora pública, situações como essa ocorrem quase diariamente e se estendem por diversos pontos da cidade. No mesmo dia em que expôs o problema, Camila recebeu relatos semelhantes. No vídeo, uma fila de carros também cobria o piso tátil, dificultando a passagem de pedestres na Avenida Afonso Pena.
Barreiras atitudinais
“Ao pedir para os motoristas me deixarem exatamente em frente a um determinado ponto, frequentemente eles deixam a metros de distância, o que prejudica minha localização. Além disso, nos bairros, a acessibilidade é inexistente, sequer há calçamento, quiçá piso tátil e rampas”, relata.
Precariedade no transporte púbico evidencia desassistência
Para Edson Francisco da Silva, 44 anos, o maior obstáculo está no transporte público, que carece de melhorias, com ônibus mal adaptados e pontos inacessíveis. O estudante de Direito ficou paraplégico em 2010, após ser atingido por um disparo de arma de fogo durante uma briga de trânsito. Desde então, ele precisa de cadeira de rodas para se locomover.
“Quase todos os dias, encontro ônibus que não conseguem subir os elevadores ou que estão estragados. Com isso, chego atrasado na faculdade. Esta semana, por exemplo, é semana de provas, e fico muito apreensivo, temendo passar vergonha por causa dos elevadores e me atrasar”, relata.
Edson utiliza o transporte público todos os dias. Ele sai de seu bairro, Jardim Anache, às 6h40, e segue até o Parque dos Poderes, em um trajeto de cerca de 11 km que dura aproximadamente 1 hora. Às 12h30, ele retorna para casa. Após às 16h, começa sua terceira viagem do dia. De sua casa até a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), ele pega três ônibus e retorna somente às 0h10.
“No caminho para o estágio, se o elevador não funciona, não há tempo de esperar o próximo, que passa a cada hora. Assim, acabo voltando para casa, perdendo um dia de trabalho”.
De tão recorrente, a situação já se tornou rotina. Na última vez em que enfrentou problemas com o transporte público, Edson decidiu gravar o ocorrido. Assim como Camila, ele enxergou na denúncia pública o único meio de chamar a atenção para o problema.
“Naquele dia, eu estava esperando o 209 (Anache / T. Nova Bahia), e, quando ele chegou, o elevador enroscou e não subiu. Esse ônibus já estava com problemas há dias. Como o defeito não foi resolvido, tive que ficar para trás”, relata.
Falta de acessibilidade compromete direito ao lazer
Até mesmo os momentos de lazer se tornam desafios. Há cerca de um mês, a Rua 14 de Julho tem sido fechada para eventos culturais nos fins de semana. Por se tratar de uma via revitalizada e que recebeu adaptações para acessibilidade, Camila decidiu conferir de perto. Contudo, a realidade foi decepcionante.
“Estive na 14 no último sábado (21) e era gritante o número de obstáculos na rua. Além de todos os entraves já mencionados, havia bandas tocando sobre o piso tátil. Todos têm direito ao lazer, mas na prática não é assim. A polícia estava presente, testemunhou a situação e nada fez”, lamenta Camila.
No caso de Edson, sair para lazer nem entra em consideração. Ele afirma que evita passeios, pois, sempre que tenta, algo constrangedor acontece. Em um episódio recente, ele conta que agendou um exame de vista, mas, ao chegar no local, percebeu que não havia rampa para cadeirantes nem elevador. Com isso, perdeu a viagem e voltou para casa sem atendimento.
“No começo, é bem difícil, mas com o tempo a gente se acostuma. Saio já preparado para lutar por algum direito que será infringido. Por isso decidi estudar Direito; quero lutar por aqueles que enfrentam as mesmas dificuldades que eu”, explica.
O que diz a Agetran?
Em relação às denúncias de veículos estacionados sobre o piso tátil, a Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) ressaltou que devem ser encaminhadas ao telefone de denúncias, 156. Conforme a pasta, estacionar ou obstruir o piso tátil, calçadas, ciclovias, gramados ou jardins públicos configura uma infração grave, conforme o Código de Trânsito Brasileiro.
A multa para essa infração é de R$ 195,23. Além da penalização financeira, o condutor pode acumular 5 pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Em casos mais graves, o veículo pode ser guinchado se estiver causando transtornos ao fluxo de pedestres.
Sobre a situação precária dos elevadores, a Agetran informou que, ao identificar qualquer defeito técnico em um ônibus, como o caso do elevador destinado a cadeirantes, a pasta exige que o Consórcio Guaicurus recolha imediatamente o veículo e o substitua por um que esteja apto a atender os passageiros.
“A Agetran sempre solicita a colaboração dos usuários para que entrem em contato com nossa equipe de fiscalização pelo telefone 156 ou pelo e-mail [email protected], caso o Consórcio Guaicurus não cumpra com essa exigência. Garantimos que a Agetran realiza diariamente a fiscalização desses veículos para assegurar o melhor conforto aos usuários”, diz a nota.
Além disso, segundo a Agetran, dos 460 ônibus da frota, 70 possuem uma única vaga para cadeirantes; todos os demais têm duas vagas, conforme as exigências da lei. De acordo com o artigo 181 do Código de Trânsito Brasileiro, “§ 1º. As vagas devem equivaler a 2%do total, garantida, no mínimo, 1 vaga devidamente sinalizada e com as especificações de desenho e traçado de acordo com as normas técnicas vigentes de acessibilidade.”
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