Mecanismo que só em 2024 representou mais de R$ 50 bilhões do Orçamento, as emendas parlamentares têm hoje um sistema de transparência que é pulverizado em quase dez portais federais mantidos pelo Executivo e o Legislativo.
Cada um tem um modo próprio de apresentação das informações, há diversas lacunas e, em praticamente todos, há uma profusão de jargões Para obter informações detalhadas, por exemplo, da obra de pavimentação da rua de casa financiada por uma emenda parlamentar, o cidadão precisará aprender noções orçamentárias complexas, superar vários obstáculos técnicos de navegação e migrar de portal a portal em busca do que faltou no anterior. Mesmo assim, dificilmente saberá a história completa.
Os principais sites relativos às emendas hoje em funcionamento são o Portal da Transparência, administrado pela Controladoria-Geral da União (Executivo), o Siga Brasil, do Senado (Legislativo), e o Transferegov.br, do Ministério da Gestão e Inovação (Executivo).
Além desses, a Câmara dos Deputados, o Tesouro Nacional e os ministérios do Planejamento e da Saúde, entre outros, também têm sistemas próprios.
Hoje as emendas se dividem entre individuais -de deputados e senadores, as de mais fácil rastreio e transparência-, de bancadas estaduais e de comissões. Em relação a essas últimas, o Congresso esconde até hoje quem são, entre os parlamentares, os reais autores.
A falta de transparência e de rastreabilidade de parte das emendas está no centro das discussões entre governo, STF (Supremo Tribunal Federal) e Congresso após a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo, de suspender a execução das emendas.
No final de agosto, Dino determinou que a CGU adote novo modelo, simplificando a apresentação das informações referentes às emendas de comissão e de relator, organizando dados hoje dispersos ou inexistentes.
No modelo atual, os congressistas podem destinar parte das emendas pelo “modo Pix”, que não exige a celebração de um convênio ou apresentação de um contrato.
Duas “emendas Pix” apresentadas pelo deputado Cabo Gilberto (PL-PB) no ano passado são ilustrativas do problema de transparência.
As prefeituras das cidades de Bom Sucesso e Curral Velho, na Paraíba, receberam cada uma R$ 2 milhões de emendas destinadas pelo deputado.
Nos portais federais é possível saber apenas que houve a destinação desse valor, nenhuma informação relevante a mais.
As duas cidades têm menos de 2.000 habitantes e estão no topo das mais beneficiadas do país, proporcionalmente à população. A Folha não conseguiu falar com as prefeituras para saber onde foi parar o dinheiro.
Cabo Gilberto disse que a destinação era para proporcionar saneamento básico a Curral Velho e água potável e pavimentação a Bom Sucesso, mas que nenhuma das medidas foi implantada porque as obras custariam muito mais do que R$ 2 milhões.
Outro caso ilustrativo é o do maior pagamento de emenda registrado em 2024, que soma R$ 158,9 milhões. A verba indicada pela bancada do Pará serviu para aumentar o recurso do estado para ações em hospitais e ambulatórios.
Mesmo cruzando dados do Portal da Transparência, dos painéis do FNS (Fundo Nacional de Saúde) e publicações do Diário Oficial da União, não há como detalhar em qual atividade específica a emenda deve ser aplicada.
A Saúde exige que o estado tenha apresentado uma proposta de uso da verba, mas ela não fica visível em portais públicos do ministério.
A Folha também consultou de forma aleatória outras emendas no Portal da Transparência da CGU.
No caso de uma de 2023 da deputada Daniela do Waguinho (União-RJ), por exemplo, é informado apenas que R$ 166 mil foram pagos a título de “promoção e marketing do turismo no mercado nacional”.
Só abrindo as guias de empenho, liquidação e pagamento é possível ter uma breve informação de que o destino da verba foi o evento Itareta, na cidade de Italva (RJ), mas sem detalhamento.
Guilherme France, gerente de pesquisa e advocacy da Transparência Internacional Brasil, diz ver como um dos grandes problemas a ausência de uma divulgação clara sobre a quantidade e a qualidade de informações que cada um dos portais oferece.
“Por conta do caráter muito técnico e jurídico das informações, o cidadão médio vai ter dificuldades para entender os dados, mas, nesse caso, há um problema anterior: saber qual plataforma contém quais dados e o que falta em cada uma.
ÓRGÃOS DIZEM BUSCAR APERFEIÇOAMENTO CONSTANTE
A CGU, que gerencia o Portal da Transparência, afirma que prepara proposta nos termos da decisão de Dino para facilitar a navegação e a obtenção simplificada de informações das emendas de comissão e de relator.
O Ministério da Gestão afirmou que o Transferegov.br trabalha na expansão e melhoria das modalidades operadas pela plataforma, de acordo com decisões do STF e do TCU (Tribunal de Contas da União).
Com as atualizações, diz a pasta, o Módulo de Transferências Especiais permitirá o acompanhamento detalhado das emendas.
A Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado reconheceu que o Siga Brasil exige um considerável nível de familiaridade, mas argumenta que a complexidade permite maior controle dos órgãos de auditoria.
“No entanto, o Poder Legislativo vem adotando tecnologias e procedimentos visando promover a transparência tanto ao público leigo quanto aos especialistas, com diferentes níveis de detalhamento e interatividade.”
O Ministério do Planejamento afirmou que a criação do seu painel de emendas visa ampliar a transparência e que são exibidas apenas informações de natureza orçamentária, sendo que detalhes sobre a execução devem ser obtidas no Transfere.gov e no Portal da Transparência.
O Ministério da Saúde disse que apresenta as informações em vários painéis, o que permite uma interpretação completa.
A Câmara ressaltou ter aplicativo com possibilidade de acompanhamento do trâmite das emendas e que faz constantes atualizações nos sistemas para melhorar a transparência e a compreensão das informações.
*Informações da Folhapress