Para defender o Plano Collor e o seu confisco da poupança, em março de 1990, o recém-nomeado presidente do Banco Central, Ibrahim Eris, deu a entender que a polêmica era exagerada. Disse que apenas 10% das pessoas com dinheiro neste tipo de aplicação haviam sido afetados. Os demais 90% possuíam menos dos 50 mil cruzados, valor que indicava o início do bloqueio por 18 meses.
As emissoras de TV contrastaram as afirmações de Eris e do governo com as imagens de caos nas agências bancárias, com idosos em busca de explicação onde estavam suas economias feitas durante toda a vida.
Eris morreu nesta sexta-feira (8), aos 80 anos. Ele era casado com Claudia Cunha Campos e deixa um filho. A causa de sua morte não foi revelada.
Embora a maior responsável pelo plano tenha sido a então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, Eris também estava à mesa da caótica entrevista da equipe econômica logo após o anúncio. A falta de explicações para diferentes detalhes exasperou os jornalistas presentes e confundiu analistas.
Ficou uma imagem tão ruim que Fernando Collor procurou aconselhamento, segundo conta o livro “Notícias do Planalto”, de Mario Sergio Conti, de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, todo poderoso da Rede Globo. Boni disse que a comunicação do governo deveria ficar a cargo do presidente da República, antes de citar a participação de Eris na entrevista.
“O turco nem português sabe falar”, criticou, sobre os erros de concordância e gênero do economista.
Isso porque Eris havia nascido em Bafra, na Turquia, em novembro de 1944.
O economista depois explicaria, com mais tempo e menos pressão, que o objetivo do Plano Collor era domar a espiral inflacionária e que seria necessário um choque na economia. Todos sabiam que o país, com taxa de 80% de inflação, teria um novo plano econômico, argumentou.
A única solução, segundo ele, em versão corroborada por outros integrantes da equipe econômica, era reduzir em 80% o dinheiro em circulação, o que foi conseguido. O valor representava cerca de 30% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional.
“Não vou dizer, obviamente, que tivemos muito tempo para elaborar o plano, porque não tivemos. Quando contratávamos alguém, sempre explicávamos que teria 30 dias, e não mais do que isso, para apresentar seus resultados. Isso ocorreu na área monetária também.
Foi uma das maneiras que encontramos para resolver os problemas que tínhamos”, disse, em entrevista à coleção “História Contada do Banco Central do Brasil”, publicada pela instituição em 2019.
Questionado sobre se havia a urgência em manter as decisões secretas até o anúncio final, ele respondeu:
“Exatamente.”
Foi o momento mais marcante, para o público em geral, da carreira de Ibrahim Eris, formado em economia em Ankara, capital turca e que se mudou para o Brasil em 1973, após concluir pós-graduação na Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos.
Foi professor na USP (Universidade de São Paulo) até 1979, quando entrou para o governo federal. Assessorou Antônio Delfim Netto no Ministério do Planejamento. Ao sair, em 1981, passou a atuar no mercado financeiro e como consultor de empresas. Ao ser indicado para comandar o Banco Central, em 1990, vendeu a participação que tinha na corretora Patente.
Sob o seu comando, o BC extinguiu as contas remuneradas por percentual mínimo calculado sobre a variação que era chamada de overnight, o que causou descontentamento em investidores.
Foi criticado por Collor ao estabelecer IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) em operações de crédito ao consumidor e pessoal nas compras de cartão de crédito e transferências de titularidade. A medida durou apenas algumas horas. Foi revogada por ser inconstitucional.
Os problemas jurídicos relacionados a decisões de Eris e sua equipe acabaram exacerbados no decreto que versava sobre servidores públicos colocados em disponibilidade, enviado para publicação no Diário Oficial sem que o ministro da Justiça, Bernardo Cabral, analisasse o texto.
Como a inflação havia voltado e o país mergulhava na recessão, houve a edição do que ficou conhecido como Plano Collor 2 e Eris, otimista, prometia a queda da taxa e a volta do crescimento. O corolário de medidas tinha, como em outros momentos da história brasileira, o congelamento de preços. Esta era uma decisão contestada, apesar de tudo, pelo presidente do Banco Central. Ele alegava que levaria a uma explosão da taxa de juros. Isso provocou mais um atrito com Fernando Collor.
Pouco depois, começaram a aparecer os boatos de que ele deixaria o cargo. Eris pediu demissão naquele mesmo ano, quando Zélia foi trocada na Economia por Marcílio Marques Moreira.
Em depoimento à Polícia Federal em 1992, afirmou que Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Collor e eminência parda do governo, participou das reuniões da equipe econômica no início da gestão e soube antecipadamente do confisco da poupança. Pouco depois, em nota à imprensa, ele voltou atrás e desmentiu a história.
Sua vida a partir daí passou a ser no mercado financeiro. Voltou a ser consultor, atuar em corretoras e era convidado para participar de seminários, dar palestras e escrever artigos para jornais e revistas especializadas.
Nelas, foi crítico constante da política cambial dos governos Itamar Franco (1992-1995) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Reclamava, entre outras coisas, que o Plano Real exagerou na valorização da moeda. Defendia um câmbio flutuante, sem taxas artificiais, que seriam insustentáveis a longo prazo.
*Informações da Folhapress