O cancelamento da viagem do ministro Fernando Haddad (Fazenda) à Europa não deve ser suficiente para acalmar sozinho o mercado financeiro e provocar uma grande queda do dólar nos próximos dias, dizem economistas consultados pela Folha.
Segundo eles, a permanência de Haddad no país até traz uma sinalização positiva para o andamento do pacote de ajuste fiscal, mas a melhora do humor do mercado ainda depende do anúncio de medidas concretas que possam promover a redução de gastos.
Parte dos analistas ainda vê resistência no entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em levar adiante essa agenda.
Os economistas também afirmam que a desvalorização do real ante o dólar está atrelada em grande parte a incertezas das eleições presidenciais nos Estados Unidos, algo fora da alçada do governo brasileiro.
Na sexta (1º), a moeda americana disparou a R$ 5,869, o maior patamar desde maio de 2020, período marcado pela pandemia de Covid-19.
“Depois de quase dois anos de uma situação fiscal muito mal-encaminhada, é difícil imaginar que o mercado vai se acalmar porque o presidente (Lula) pediu para o ministro (Haddad) ficar aqui”, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
“Acalmar o mercado é algo que vai acontecer se vierem medidas realmente importantes do ponto de vista fiscal”, acrescenta.
Haddad iria para a Europa nesta segunda (4) e retornaria ao Brasil no sábado (9). Porém, com o cancelamento da viagem, a expectativa é de que o ministro se dedique a medidas do pacote de corte de gastos.
A assessoria do Ministério da Fazenda informou neste domingo (3) que Lula pediu para o ministro permanecer em Brasília.
“Havia uma certa clareza de que o Palácio do Planalto tinha uma resistência muito grande em fazer alguma coisa mais consolidada do ponto de vista fiscal”, afirma Vale.
“Então, simplesmente o Haddad ficar aqui para continuar as conversas não significa que o presidente vai ceder”, completa.
Lula se recusou a falar sobre a definição das medidas do pacote de corte de gastos neste domingo, em visita ao Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
Questionado sobre o tema, o presidente disse que não iria discutir nenhum assunto que não fosse sobre educação, referindo-se à prova do Enem 2024, que tem a primeira parte neste domingo.
Alex Agostini, economista-chefe da agência classificadora de risco Austin Rating, considera que a permanência do ministro não é suficiente para afastar toda a preocupação do mercado financeiro, porque o foco neste momento é a incerteza com as eleições nos Estados Unidos.
“Só demonstra que de fato é uma preocupação que o governo começa a ter com maior foco, coisa que aparentemente não tinha, até porque o Lula sempre ficava ali desdenhando do controle fiscal. Era meio que uma seara em que o ministro Haddad estava tentando brigar quase sozinho”, diz Agostini.
“Parece que caiu a ficha no governo federal de que, de fato, a gente vai sofrer muito se tiver essa desvalorização contínua (do real). Agora é esperar para ver quais são as medidas”, acrescenta.
A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, também ressalta que a pressão na taxa de câmbio está associada em parte a questões fora do alcance do governo brasileiro, como as eleições americanas.
“Ainda que o mercado entenda que pode ficar mais calmo com essa tentativa dele (Haddad) de mostrar, de sinalizar, que está à frente dessa gestão, existem outros fatores que vão pressionar”, diz a professora.
“Nesse aspecto, vai ser imprescindível o auxílio do Banco Central para conseguir segurar o dólar”, acrescenta.
Pesquisas de intenção de voto indicavam empate técnico entre Donald Trump e Kamala Harris na corrida eleitoral dos Estados Unidos. No mercado de apostas, porém, as chances de um retorno do republicano à Casa Branca marcavam 66%, segundo a plataforma Polymarket.
As promessas econômicas de Trump incluem aumento tarifário sobre importações, especialmente chinesas, e um possível corte de impostos –medidas que são vistas como inflacionárias e que podem influenciar o Fed (Federal Reserve) a manter juros elevados por mais tempo, o que fortaleceria o dólar.
O economista Alexandre Espirito Santo, da Way Investimentos, avalia que a permanência de Haddad no Brasil pode ser positiva porque os mercados estavam “muito tensos” com a possibilidade de o pacote fiscal ser adiado em razão da viagem.
“Pelo menos tem uma expectativa de que possa vir alguma coisa essa semana. Mas também não adianta (a permanência) se não vier nada, aí vai ser uma decepção ainda maior”, pondera Espirito Santo, que também é coordenador de Economia e Finanças na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
*Informações da Folhapress