Principal órgão de proteção e defesa das crianças e adolescentes, o Conselho Tutelar têm um papel fundamental na garantia de direitos. No entanto, em Campo Grande, a morte de Sophia de Jesus O’Campo, de 2 anos, e uma eleição marcada por impasses expuseram as falhas de um sistema que deveria zelar pela segurança e proteção dos mais vulneráveis.
Essas falhas no sistema de proteção infantil abrangem uma série de questões, que perpassam desde a falta de infraestrutura até a negligência das equipes responsáveis pelo atendimento às crianças e adolescentes. Nesse contexto, embora a cidade conte com 8 Conselhos Tutelares, ainda há um déficit se comparado ao número de habitantes da cidade.
Conforme a Resolução nº 170/2014 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), deve haver um Conselho Tutelar para cada 100 mil habitantes. Segundo o censo de 2022 do IBGE, Campo Grande possui 897.938 habitantes, número próximo a 900 mil. Ou seja, proporcionalmente o ideal seria a existência de nove Conselhos Tutelares na Capital.
Eleição conturbada
Marcada por impasses, a posse dos 40 conselheiros tutelares eleitos em Campo Grande trouxe à tona um debate sobre a falta de estrutura da rede de proteção às crianças e adolescentes no município. Na ocasião, a prefeitura anunciou que apenas 25 conselheiros seriam empossados inicialmente, justificando a decisão pela falta de capacidade para acomodar todos os eleitos.
Vale lembrar que o pleito realizado no ano anterior, elegeu 40 conselheiros para um mandato de quatro anos. Com isso, a expectativa era que, até a posse, em janeiro, a Capital inaugurasse três novos Conselhos Tutelares, conforme a resolução do Conanda.
Em janeiro de 2024 o impasse teve um novo desdobramento. Após reunião, a prefeita Adriane Lopes anunciou que todos os conselheiros tomariam posse, e prometeu três novos Conselhos tutelares em até 90 dias. Contudo, até a abertura dessas novas unidades, 15 conselheiros seriam realocados em Conselhos já existentes e escolas públicas.
Pressionada, prefeitura abriu três novos Conselhos Tutelares
O anúncio gerou descontentamento, levando a categoria a pressionar a prefeitura em busca de uma resolução mais efetiva. A promessa se cumpriu, e em maio deste ano, Campo Grande, por meio da SAS (Secretaria de Assistência Social), inaugurou o 8º Conselho Tutelar, na Região Imbirussu, localizado na Vila Manoel Taveira.
Com a nova unidade, a gestão municipal concluiu a criação dos três Conselhos prometidos. Também neste ano, o município inaugurou o 6º Conselho Tutelar, na região do Anhanduizinho, e o 7º, na região do Prosa.
No entanto, essas inaugurações não ocorreram sem controvérsias. No início do ano, o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) determinou que os três novos Conselhos deveriam ser entregues até o dia 15 de maio.
O prazo anterior, previsto para janeiro, acabou prorrogado para garantir que as unidades estivessem totalmente operacionais e equipadas. Assim, a Procuradoria Geral do Município propôs o novo prazo após um acordo para o cumprimento integral da sentença.
Caso Sophia e falha na proteção as crianças e adolescentes
Jean Carlos Ocampo, pai de Sophia, afirma ter procurado o Conselho Tutelar em três ocasiões para denunciar os maus-tratos que sua filha sofria. Em um dos relatórios, o Conselho Tutelar confirma que foi acionado para comparecer a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Coronel Antonino no dia 26 de janeiro, onde Sophia chegou já sem vida. No entanto, segundo o documento, o conselheiro que atendeu à ligação da polícia afirmou que a instituição não poderia intervir no caso, pois a criança já estava morta.
Assim, o MPMS solicitou a cópia integral dos atendimentos realizados pelo Conselho Tutelar relacionados à criança, e o órgão prontamente enviou uma série de documentos detalhando o acompanhamento de Sophia.
Conselheiras investigadas
Em setembro deste ano, o órgão municipal voltou a gerar polêmicas após duas conselheiras da região norte de Campo Grande serem denunciadas por expor crianças em redes sociais.
Conforme a denúncia, fotos e vídeos de atendimentos seriam compartilhados nos perfis pessoais das conselheiras. Além disso, a notícia de fato eleitoral também investiga suposta prática de campanha partidária dentro da sede do Conselho Tutelar.
“Todos os dias os atendimentos são expostos em vídeos, fotos, áudios nas redes sociais”, apontou o denunciante.
Segundo ele, as conselheiras “estão dolosamente expondo pessoas em situação de vulnerabilidade social extrema”. Na denúncia foram anexados prints das redes sociais da conselheira Maria Carolina Marquez Zamboni, que postou vídeo em atendimento à comunidade em Campo Grande.
Na publicação, Maria marcou a conselheira Suellen Gomes e a psicóloga Karol Novaes. Além disso, aponta conteúdo sobre armas de fogo e contra aborto permitido em casos de violência sexual no perfil de uma das conselheiras.
Após o denunciante procurar o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), este designou a Promotoria da 53ª Zona Eleitoral de Campo Grande para a apuração. O MPMS instaurou notícia de fato eleitoral na última segunda-feira (16).
Ó Jornal Midiamax acionou o CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente) sobre a denúncia. Não houve retorno até a publicação desta matéria. À reportagem, a Prefeitura de Campo Grande esclareceu que é responsável pela parte estrutural e administrativa dos Conselhos Tutelares.
Resposta das conselheiras
A reportagem acionou as conselheiras e psicóloga apontadas na denúncia pública protocolada no MPMS. Até a publicação desta matéria, apenas Maria Carolina respondeu. No entanto, preferiu não se pronunciar. “Primeiro vou ter acesso à denúncia para me inteirar, não estava sabendo”, disse ao Jornal Midiamax.
O que faz o conselheiro?
Com base no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescentes), cabe ao conselheiro fiscalizar e auxiliar o cumprimento da lei, garantir que crianças e adolescentes tenham seus direitos assegurados e que as famílias cumpram as obrigações no cuidado com os menores de idade.
Em cada Conselho há cinco conselheiros, equipe administrativa e psicossocial. Eles atuam, por exemplo, em situações de maus-tratos, estupro ou abandono, e fiscalizam violação de direitos de segurança, saúde pública, pré-natal e sobre um dos maiores problemas que é a evasão escolar.
Entre as principais funções de um conselheiro tutelar estão:
- Encaminhamento da criança ou do adolescente aos pais ou responsável;
- Orientação, apoio e acompanhamento temporários;
- Matrícula e frequência obrigatória em unidades de ensino;
- Inclusão em serviços e programas oficiais;
- Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
- Aplicar medidas provisórias em casos extremos.
A reportagem do Jornal Midiamax solicitou informações ao CMDCA sobre a demanda atual de atendimentos e as mudanças ocorridas após a implementação dos novos Conselhos Tutelares. No entanto, o CMDCA informou que os dados deveriam ser fornecidos pela SAS (Secretaria de Assistência Social).
Por outro lado, a SAS afirmou que as informações solicitadas são de responsabilidade do CMDCA, já que este é o órgão que responde pelos Conselhos Tutelares, que são autônomos. A pasta ainda esclareceu que a Prefeitura, por meio da SAS, é responsável apenas pelas provisões estruturais dos Conselhos Tutelares.
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