O secretário-geral da ONU, António Guterres, prestou homenagem na quinta-feira (4) aos 168 trabalhadores das Nações Unidas mortos em 2024, exigindo o fim da impunidade pelas mortes — especialmente em Gaza, onde 126 deles perderam a vida. Em declaração à imprensa na sede da ONU, em Nova Iorque, Guterres destacou que “mais de um em cada 50 funcionários da UNRWA em Gaza foi morto neste conflito atroz. Este é o maior número de mortes de funcionários na história das Nações Unidas. Alguns foram mortos ao entregar ajuda humanitária; outros ao lado das suas famílias; outros enquanto protegiam os vulneráveis”.
A maior parte dos mortos era vinculada à Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinianos (UNRWA), acusada por Israel de vínculos com o Hamas. O governo israelense chegou a cortar todos os contatos com a agência em janeiro, e denunciou que 19 de seus 13 mil funcionários estariam envolvidos nos ataques de 7 de outubro, que deram início ao atual conflito. Apesar disso, Guterres reafirmou a importância do trabalho humanitário e lamentou a paralisia do Conselho de Segurança diante das divisões geopolíticas. “O facto de as divisões geopolíticas manterem o Conselho de Segurança paralisado faz com que a impunidade se mantenha”, declarou, mencionando “uma enorme frustração para todos aqueles que acreditam no direito internacional”.
O tema ganhou novo peso após o veto dos Estados Unidos a uma resolução apresentada pelos membros não permanentes do Conselho de Segurança. A proposta, apoiada por 14 países e rejeitada apenas pelos EUA, pedia cessar-fogo imediato e incondicional, libertação de todos os reféns e suspensão das restrições à entrada de ajuda humanitária em Gaza. Questionado sobre o veto, Guterres respondeu: “Claro. Como disse, ficamos sempre desiludidos quando os cessar-fogos não se concretizam, as libertações de reféns não acontecem e a ajuda humanitária não é distribuída ou é distribuída de uma forma que põe em risco a vida de tantos palestinianos”.
A embaixadora interina norte-americana, Dorothy Shea, justificou a decisão alegando que o texto era “inaceitável pelo que diz. É inaceitável pelo que não diz. E é inaceitável pela maneira como foi apresentada”. Segundo ela, os EUA não apoiariam nenhuma medida que não condenasse o Hamas e não exigisse seu desarmamento.
Apesar dos impasses, Guterres garantiu que a ONU continuará atuando para aliviar o sofrimento no enclave. “Não deve haver espaço para a impunidade”, afirmou. Ele também reiterou sua defesa da solução de dois Estados para o conflito israelopalestiniano. “A minha mensagem aos líderes mundiais e às delegações é que é absolutamente essencial manter viva a perspectiva da solução de dois Estados, apesar de todas as coisas terríveis a que estamos a assistir em Gaza e na Cisjordânia”, afirmou. E completou: “Para aqueles que duvidam da solução de dois Estados, pergunto: qual é a alternativa? É uma solução de um Estado em que os palestinianos serão expulsos ou obrigados a viver nas suas terras sem direitos? Isso seria totalmente inaceitável. Acredito firmemente que é dever da comunidade internacional manter viva a solução de dois Estados e depois materializar as condições para que isso aconteça”.
A pauta será debatida entre os dias 17 e 20 de junho, na sede da ONU, durante a Conferência Internacional para a Solução dos Dois Estados, copresidida por França e Arábia Saudita. Portugal também participará com a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel. A expectativa é que a conferência trate do reconhecimento formal do Estado palestiniano por países europeus — movimento já apoiado por mais de 140 Estados-membros da ONU.