O dinheiro ‘sujo’ proveniente de venda de sentenças teria sido usado por desembargadores afastados do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) para comprar gado, fazendas e até imóveis de luxo em praias privadas. É o que aponta investigação da Polícia Federal, que aponta manobras feitas pelos magistrados para lavagem de capitais.
Suposto esquema de venda de sentenças que resultou no afastamento de cinco desembargadores do TJMS (Tribunal de Justiça de MS): Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel, Sérgio Fernandes Martins e Marcos José de Brito Rodrigues.
Um dos casos citados no relatório da PF é o de Júlio Roberto Siqueira Cardoso – aposentado em junho de 2024 -. Ele teria comprado imóvel de luxo à beira-mar, no município de Camaçari, litoral da Bahia, para lavar dinheiro ilícito proveniente da venda de sentença.
Assim, a PF identificou a possível ocultação de cerca de R$ 616 mil entre o valor que o magistrado declarou ter pago (R$ 1.483.660,00) e o que efetivamente pagou (R$ 2,1 milhões). A casa localizada a poucos metros do mar possui área total de 1 mil metros quadrados, sendo 436 m² de área construída.
Então, a polícia conclui que “crime de lavagem de dinheiro praticado pelo desembargador JULIO CARDOSO, na medida em que, sendo encontrada cópia do contrato assinado de compra da casa de JULIO CARDOSO na Bahia (vide o capítulo 2.1 do 7ª Parte desta representação), restou demonstrado que ele declarou, em escritura e em imposto de renda, valor abaixo do efetivamente pago a fim de ocultar recursos em espécie de origem desconhecida, portanto, ao que tudo indica, provenientes de corrupção na venda de decisões judiciais dele“.
PF apreendeu R$ 2,7 milhões em espécie na casa de Júlio Cardoso durante cumprimento de mandados.
Desembargador simulou venda de gado com filho de colega
Uma dessas simulações feitas pelos desembargadores implicados no esquema para tentar ocultar das autoridades fiscais a entrada de dinheiro ilícito envolveu advogado filho de colega de toga.
Conforme a PF, simulação de venda de gado envolveu o desembargador afastado do TJMS – eleito para a presidência da Corte a partir de 2025 -, Sideni Pimentel, e os advogados Marcus Vinicius Machado Abreu da Silva e Ana Carolina Machado Abreu da Silva, filhos do magistrado também afastado, Vladimir Abreu da Silva.
Para os investigadores, causou estranheza declaração de ‘lucros com atividades agropecuárias’ de R$ 453.241,70 dos advogados no período de 2019 e 2020. Os irmãos também são sócios de uma fazenda.
Isso porque eles declararam às autoridades fiscais que teriam vendido 100 cabeças de gado ao desembargador Sideni. Também chamou atenção a dupla ter escritório no mesmo endereço do filho de Sideni.
“Cabe relembrar que, conforme já citado, o desembargador SIDENI PIMENTEL já julgou ao menos 2 processos em que MARCUS ABREU atuava como advogado nos anos de 2019 e 2020, ou seja, chama atenção os investigados estarem fazendo negócios no ramo da pecuária e ao mesmo tempo o desembargador julgando processos do advogado, o qual inclusive tem escritório no mesmo local do de seu filho“, diz trecho do relatório.
Assim, ao analisar a movimentação financeira dos investigados, a PF verificou que Marcus realizou pagamentos que totalizaram R$ 115 mil em espécie ao desembargador no período entre março de 2018 e janeiro de 2019.
Dessa forma, a investigação conclui que: “Portanto, entendemos que o repasse de recebimentos de dinheiro em espécie a SIDENI PIMENTEL resulta em indícios de que MARCUS ABREU o fez para encobrir a origem dos recursos, indicando que sejam ilícitos e que as notas fiscais de venda de gado sejam frias, ou seja, simuladas”.
Os irmãos declararam em 2020 terem, juntos, receita de R$ 502.241,70 com atividades agropecuárias. No entanto, os investigadores só localizaram notas fiscais no valor de R$ 50 mil que comprovam a origem do dinheiro. Portanto, há suspeita de que seria dinheiro ilícito, por não ter origem conhecida.
Manobra com Waldir Neves
A investigação também mostrou que o desembargador aposentado Divoncir Schreiner Maran ocultou mais de R$ 1,7 milhões em sua declaração do real valor que pagou por uma fazenda do ex-presidente do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul), Waldir Neves Barbosa, que está afastado da Corte de Contas desde dezembro de 2022 por corrupção.
Conforme os dados levantados pela PF, em 21 de dezembro de 2017, o desembargador e seus filhos Divoncir Júnior, Maria Fernanda Gehlen Maran e Rafael Fernando Ghelen Maran compraram uma fazenda de Waldir Neves e pagaram R$ 3.985.547,00 pela propriedade.
O fato da compra também ter sido feita em nome dos filhos do magistrado levantou suspeitas da PF: “Portanto há aparentemente mistura patrimonial entre DIVONCIR e seus filhos, resultando, a nosso ver, na necessidade de inclusão deles na presente investigação, porquanto a possível venda de decisões gera aumento patrimonial, tendo ocorrido a citada aparente propriedade conjunta de bem de alto valor“, diz trecho do documento.
Porém, Divoncir teria declarado às autoridades fiscais ter pago R$ 2,2 milhões pelo imóvel chamado ‘Fazenda Mistura’, em Bonito. Uma diferença de mais de R$ 1,7 milhão.
Outro fato que chamou atenção é que, na mesma data da compra da fazenda, Divoncir e os filhos venderam um apartamento a Waldir Neves. O imóvel está localizado no bairro Santa Fé, em Campo Grande, e foi vendido por um valor declarado de R$ 1,9 milhões.
STJ afasta cinco desembargadores e um conselheiro
A PF deflagrou a Operação ‘Última Rátio’, no dia 24 de outubro, para cumprir 44 mandados de busca e apreensão. O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Francisco Falcão, expediu as ordens.
No total, o STJ afastou cinco desembargadores e um conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado) e determinou o uso de tornozeleira eletrônica.
Foram afastados dos cargos: o presidente do TJ, Sérgio Fernandes Martins, os desembargadores Vladmir Abreu, Sideni Pimentel (eleito para comandar o TJ a partir de 2025), Alexandre Aguiar Bastos e Marcos José de Brito Rodrigues. Além deles, o ministro também determinou afastamento do conselheiro Osmar Jeronymo.
A ação teve o apoio da Receita Federal e é um desdobramento da operação ‘Mineração de Ouro’, deflagrada em 2021, na qual foram apreendidos materiais com indícios da prática dos referidos crimes.