Dois procurados pela Justiça elegeram-se vereadores nas eleições de 2024, e 18 estão na condição de suplentes — quando um candidato não obtém o número necessário de votos para ocupar uma cadeira na Câmara Municipal, mas pode assumir como vereador caso o titular seja afastado ou saia definitivamente do cargo.
Os dados fazem parte de um novo levantamento exclusivo realizado pelo g1com base nas informações de candidaturas disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e nos mandados de prisão registrados no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), alimentado por tribunais de todo o país e mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Os eleitos:
- Gilvan (MDB), vereador eleito de Lagoinha do Piauí (PI), foi condenado em 2021 por atropelar e matar uma pessoa em Marabá (PA).
- Marco Aurelio (Republicanos), que foi eleito vereador de Paty do Alferes (RJ), é procurado por dever pensão. Esse tipo de mandado é revogado assim que a dívida é paga.
Os suplentes:
- Celmar Mucke (União), 2º suplente em Tupanci do Sul (RS), foi condenado por estupro de vulnerável, em que a vítima tem menos que 14 anos. Ele registrou a candidatura dias antes de a condenação se tornar definitiva.
- Gasparino Azevedo (PT), 1º suplente em Sebastião Ramos (PI), foi condenado em 2019 também por estupro de vulnerável.
- Lula Costa (PSD), 9º suplente em Barra do Choça (BA), é investigado por associação para o tráfico. Ele ainda não foi julgado.
- Claudio Lima (Avante), 3º suplente em Fortaleza, é suspeito de organização criminosa. Também não foi julgado.
Os outros 14 suplentes são procurados por dívidas de pensão alimentícia que não foram pagas. Eles podem ser presos a qualquer momento se forem encontrados pela polícia. Porém, mesmo com a condenação, não perdem o cargo.
Já os condenados por crimes podem perder o mandato, mesmo eleitos, em razão da Lei da Ficha Limpa.
Quem são os vereadores eleitos procurados pela Justiça
Condenado por homicídio no Pará se elege no Piauí
Gilvan (MDB) obteve 147 votos, sendo eleito vereador de Lagoinha do Piauí (PI), cidade que fica a 97 km de Teresina. Em 2021, ele foi condenado a 2 anos e 8 meses de prisão por homicídio culposo em razão de um atropelamento ocorrido anos antes na cidade de Marabá (PA).
A condenação se tornou definitiva em 2021 e, em 23 de setembro deste ano, a Justiça do Pará expediu o mandado de prisão contra o agora vereador.
Segundo Alberto Rollo, advogado especialista em direito eleitoral, a condenação seria suficiente para barrar a candidatura de Gilvan. Isso porque a Lei da Ficha Limpa impede pessoas com condenação definitiva ou por um colegiado de juízes de concorrer.
Para evitar condenados nessas circunstâncias de disputar as eleições, a Justiça Eleitoral exige que todos apresentem certidões negativas, mas somente do estado em que vão concorrer. Gilvan foi condenado no Pará e eleito no Piauí. A situação só seria descoberta se houvesse alguma denúncia.
“Agora, a pergunta é: como é que isso passou e ninguém viu? Ele não teve impugnação (da candidatura) do Ministério Público, que é o fiscal. Tudo bem que são muito processos, muitos detalhes, mas alguém falhou nesse meio do caminho”, afirma Rollo.
Segundo o advogado, mesmo após a eleição, a candidatura de pessoas em condições proibidas pela Lei da Ficha Limpa pode ser questionada.
“Cabe ainda recurso contra expedição de diploma (de eleito), porque é uma inelegibilidade superveniente (que aconteceu depois)”, diz.
O Tribunal de Justiça do Piauí afirma que o mandado continua pendente de cumprimento. Gilvan disse não ter conhecimento sobre o assunto e afirmou que “está nos conformes com a lei”. O MDB afirmou que está avaliando se irá se posicionar sobre o caso.
Procurado por dívida de R$ 4,3 mil de pensão se elege no RJ
Após perder a eleição em 2020 para vice-prefeito de Paty do Alferes (RJ), cidade a pouco mais de 100 km do Rio, Marco Aurelio (Republicanos) conseguiu, com 436 votos, eleger-se vereador nas eleições deste ano.
Dois dias antes da votação, a 1ª Vara de Paraíba do Sul expediu um mandado de prisão contra ele por conta de uma dívida de pensão de cerca de R$ 4,3 mil. À Justiça Eleitoral, ele declarou um patrimônio de R$ 210 mil.
A condenação pelo não pagamento de pensão alimentícia não se enquadra entre as situações que poderiam barrar a candidatura na Lei da Ficha Limpa.
O candidato e o partido foram procurados, mas não responderam às mensagens enviadas. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afirmou que o caso tramita em segredo de Justiça.
Quem são os suplentes procurados pela Justiça
Entre os 18 suplentes, além de 14 condenados por dívida de pensão alimentícia, quatro são:
No Rio Grande do Sul, condenado por estupro virou suplente com 1 voto
Celmar Mucke (União) registrou a candidatura dias antes de a condenação por estupro de vulnerável se tornar definitiva. Ele obteve 1 voto e é o 2º suplente do partido em Tupanci do Sul (RS).
Mucke não foi localizado pela reportagem. Questionada sobre o caso, a procuradora jurídica do União Brasil em Tupanci do Sul não quis comentar. O Tribunal do Rio Grande do Sul afirmou que Mucke é considerado foragido.
Suplente do Piauí também tem condenação por estupro
Gasparino Azevedo (PT), 1º suplente do partido na Câmara de Vereadores de Sebastião Ramos (PI), foi condenado em 2019 por estupro de vulnerável. Ele obteve 135 votos.
Segundo o mandado de prisão expedido contra ele, o processo já transitou em julgado, ou seja, a condenação é definitiva.
O Tribunal de Justiça do Piauí, por sua vez, disse que o caso está em segredo de Justiça e, por isso, não confirmou o trânsito em julgado. O Ministério Público também foi acionado pela reportagem, mas não havia dado retorno até a publicação.
Procurado pelo g1 por telefone, Azevedo se recusou a falar sobre o caso. O PT afirmou em nota que está acompanhando as investigações e que “não cabe ao partido realizar julgamentos prévios”.
Na Bahia, 9º suplente do PSDB é procurado por associação para o tráfico
Lula Costa (PSD) obteve 57 votos para o cargo de vereador em Barra do Choça (BA). Ele não se elegeu, mas conseguiu o 9º lugar da suplência pelo partido.
Segundo o BNMP, Costa tem um mandado de prisão em aberto por associação para o tráfico expedido em 4 de outubro.
Questionado pelo g1o presidente municipal do partido, Ricardo Amorim, disse que desconhecia o mandado contra o candidato e que a Comissão Executiva da sigla “instaurará procedimento para apurar eventual infração às normas dispostas no Estatuto do Partido”.
O candidato não foi localizado. O Tribunal de Justiça da Bahia não retornou à reportagem.
Em Fortaleza, 3º suplente do Avante é procurado por fraudar filas de consultas
Claudio Lima é o 3º suplente do Avante ao cargo de vereador em Fortaleza. Ele teve 7.838 votos conquistados e é apontado como intermediador em um esquema que fraudava a fila de agendamento de consultas, exames e cirurgias do sistema de saúde público da mesma cidade em que se candidatou.
Com um mandado expedido em 17 de julho de 2024, Claudio é apontado como a pessoa que fazia a ligação entre cooptadores de pacientes e os responsáveis pelo acesso ao sistema de agendamentos.
Depoimentos afirmam que Claudio agilizava exames como “mamografia, ultrassom transvaginal, eletrocardiograma e exame de vista, sem contraprestação em dinheiro pelo serviço”. Segundo o processo, o pagamento pelo “fura-fila” seria feito em favores, “quando Cláudio precisasse”.
O candidato foi procurado pelo g1 através de suas redes sociais, mas não houve retorno. O Avante também foi contatado, mas não respondeu. Já o Tribunal do Estado do Ceará informou que o processo está em segredo de justiça.
Veja aqui quem são os 14 suplentes condenados na Justiça por dever pensão alimentícia.
Levantamento anterior identificou 63 candidatos procurados pela Justiça
Antes do 1º turno, o g1 havia feito o mesmo levantamento e encontrado 63 procurados pela Justiça entre os mais de 462 mil candidatos das eleições de 2024.
Entre eles estavam três investigados pelos atos golpistas do 8 de janeiro – Dirlei Paiz (PL), de Blumenau (SC), Marcos Geleia Patriota (Novo), de Céu Azul (PR), e Locutor Henrique Pimenta (PRTB), de Olímpia (SP) – que disputaram o cargo de vereador.
Os três foram presos após a reportagem do g1 mostrar que eles faziam campanhas nas ruas mesmo com mandados de prisão em aberto.
Também estava na lista Francisco Gildario Saraiva Nunes (Mobiliza), candidato a vereador de Pacatuba (CE), que era alvo de um mandado de prisão expedido em 30 de julho — a candidatura foi registrada em 15 de agosto. Nunes foi preso em 21 de setembro, três dias após uma segunda reportagem do g1.
Após a publicação das reportagens, a Polícia Federal informou ter prendido 36 candidatos que estavam com ordem de prisão em aberto. Procurada, a corporação não divulgou a lista dos detidos.
Ao todo, 30 dos 63 candidatos revelados pela reportagem seguiam procurados pela Justiça, segundo dados do BNMP da noite desta sexta-feira (11).
Os demais deixaram a base porque foram presos, pagaram as pensões que deveriam ou porque a Justiça decidiu revogar os mandados de prisão por outro motivo.
Como foi feita a reportagem
O BNMP é um banco de dados administrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e alimentado pelos tribunais de todo o país. Cabe a esses tribunais excluir os mandados caso eles tenham, por exemplo, sido revogado pelos juízes ou cumpridos pela polícia.
Segundo o CNJ, em geral, os mandados de prisão que constam do BNMP estão válidos. “Porém, como acontece com sistemas em geral, ele depende da boa inserção de dados e a correta utilização”.
Ó g1 comparou o nome, a data de nascimento e o CPF ou RG que constam nas decisões judiciais com os da Justiça Eleitoral para chegar nos nomes procurados.
Fonte: g1