Fechamento do X no Brasil pode levar Starlink a assumir possível condenação em processo em que associação pede R$ 190 milhões à rede social do magnata Elon Musk
A empresa que oferece conexão pela internet via satélite, StarLinkdo magnata Elon Musk, pode, no fim das contas, ter de arcar com uma possível condenação da rede social X em ação civil pública sobre matéria de Direito do Consumidor que tramita na 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande.
Um dos motivos para que isso ocorra é o fechamento do escritório de representação do X, o antigo Twitter, em agosto último. Foi por motivo semelhante que a Starlink, por exemplo, teve seus recursos bloqueados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, depois que o X não cumpriu a decisão de excluir perfis conforme determinações judiciais em processos que tratam sobre ataques à democracia.
No caso específico da ação que tramita na capital de Mato Grosso do Sul, a medida seria possível em caso de condenação do X e de impossibilidade de execução da indenização por danos morais coletivos.
A Associação de Defesa do Consumidor de Mato Grosso do Sul (Adecon-MS) pede indenização de R$ 190 milhões à empresa do bilionário sul-africano Elon Musk por retirar o instrumento de verificação em duas etapas de seus usuários, o que reduz a segurança.
O Ministério Público, que deu parecer favorável ao andamento da ação, também vê danos ao usuário, mas sugere uma indenização bem menor: de R$ 10 milhões.
Seja como for, caso o X seja condenado, a execução da plataforma ficaria comprometida pela falta de escritório no país, e é neste caso que poderia entrar o artigo 28, caput, do Código de Defesa do Consumidor, explica o advogado e colunista do Correio do Estado, Leandro Provenzano.
“É muito mais fácil desconsiderar a personalidade jurídica pelo Código de Defesa do Consumidor do que pelo Código Civil”, afirma.
O mecanismo citado pelo advogado autoriza a desconsideração da personalidade jurídica nas relações de consumo quando “houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”. Na parte final do caput, foram acrescidas as hipóteses de “falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica”.
No caso de desconsideração da personalidade jurídica, a execução poderia migrar para os bens pessoais de Musk no Brasil e também seu patrimônio, podendo atingir sua outra empresa: a Starlink.
Provenzano lembra, porém, que nesta ação civil pública específica, o X Brasil não precisa mais ser intimado pessoalmente, uma vez que já constituiu defesa no processo. O escritório Pinheiro Neto, uma das maiores bancas de advogados da América Latina, é quem defende a rede social de Elon Musk nesta contenda que tramita em Mato Grosso do Sul.
Outros Caminhos
Também haveria outros caminhos, porém, muito mais tortuosos que o oferecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Um deles seria a homologação de uma eventual sentença condenatória após o trânsito em julgado em outro país em que o X tenha sede, e que mantenha com o Brasil um tratado para a execução de decisões judiciais.
Outro caminho seria a carta rogatória, dependente de relações diplomáticas entre Poderes Judiciários de países diferentes, o que torna o processo muito mais difícil.
Entenda o Caso
A ação em que a Adecon-MS pede a condenação do X (antigo Twitter) em R$ 190 milhões por danos morais coletivos foi ajuizada em 22 de março deste ano. Em 2 de abril, o X, ainda com representação no país, contestou a inicial da associação sediada em Campo Grande.
A Associação de Defesa do Consumidor sustenta que a demanda tem origem em suposta ilegalidade na implantação do serviço Twitter Blue (ou X Blue) no Brasil, que oferece ao usuário um selo de verificação e mais segurança na plataforma, como a verificação em duas etapas.
A verificação em duas etapas, até então, antes de a plataforma ser comprada por Elon Musk, era oferecida gratuitamente e incentivada, para evitar clonagem de contas e ataques hackers. O serviço Twitter Blue passou a ser oferecido em 20 de março de 2023 por R$ 60 por mês.
“O que causa maior revolta na nova política de segurança da requerida é que a citada autenticação sempre foi disponibilizada para todos os usuários do Twitter e agora, apenas quem tiver condições de pagar o plano Blue é que terá a manutenção de sua segurança na plataforma requerida”, argumenta a Adecon-MS na ação.
A associação destaca que a segurança é essencial para todos os usuários da plataforma.
“A segurança dos consumidores durante o uso da plataforma da requerida (o X) é parte típica e essencial do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa o lucro e integrante do investimento necessário que deve ser aportado pela requerida”, defende a associação.
A Adecon ainda argumenta que os custos de segurança devem ser arcados pela empresa de Elon Musk, e não transferidos ao consumidor.
Para chegar ao valor de R$ 190 milhões, a Adecon estipulou o valor da indenização por danos morais coletivos em R$ 10 por usuário do X no Brasil.
Conforme relatório da própria empresa divulgado no ano passado, a plataforma tem aproximadamente 19 milhões de usuários no país, justificando o pedido de R$ 190 milhões em indenização. Por se tratar de uma ação civil pública, a associação praticamente não corre risco de arcar com honorários sucumbenciais em caso de derrota, o que contribui para a justificativa do pedido de alto valor.
Defesa
Na contestação apresentada pelo X Brasil, a empresa, representada pelo escritório Pinheiro Neto, alegou ausência de interesse processual por parte da Adecon-MS.
“O X Premium já foi implementado no Brasil e não há qualquer registro de contas desativadas por este motivo”. Os advogados de Elon Musk consideram o pedido de R$ 190 milhões descabido, descrevendo-o como “montante imotivadamente elevado e que evidentemente afronta os predicados fundamentais de proporcionalidade e razoabilidade”.
O Que Diz a Promotoria?
O Ministério Público de Mato Grosso do Sul diverge da defesa do X Brasil, afirmando que a causa envolve direitos difusos e coletivos, devido à indivisibilidade do interesse e à proteção de consumidores futuros e virtuais. O promotor de Justiça Luiz Eduardo Lemos de Almeida ressaltou que, antes da introdução do Twitter Blue, a autenticação de dois fatores era gratuita e incentivada pela empresa, tornando a cobrança por este serviço uma violação dos direitos do consumidor.
“O dano moral coletivo não precisa ser irrefutavelmente comprovado, pois a lesão decorre imediatamente dos eventos lesivos”, argumenta o promotor.
Ele considera o pedido de R$ 190 milhões “irrazoável” e sugere que o valor da indenização seja de R$ 10 milhões. O Ministério Público também recomenda que, em caso de condenação, a indenização seja destinada ao Fundo Estadual de Defesa dos Direitos dos Consumidores, em vez do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, conforme solicitado pela Adecon-MS.
Starlink no Alvo
O conglomerado de Elon Musk também enfrenta processos na Justiça de Mato Grosso do Sul, conforme já publicado pelo Correio do Estado.
O provedor de internet via satélite Starlink é alvo de processos judiciais nas comarcas de Campo Grande e de Costa Rica.
Nesses processos, os consumidores alegam cobrança indevida e falha na entrega do serviço.
iFood
No fim do ano passado, a mesma Adecon-MS foi à Justiça contra outra startup. Ela demandou o iFood na Justiça, cobrando indenização coletiva de R$ 815 milhões, apontando que a taxa de serviço do aplicativo seria uma “gorjeta compulsória”.
O processo segue, mas o pedido de suspensão da taxa por meio de liminar foi rejeitado pelo juiz da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, Marcelo Ivo de Oliveira.