Escolas públicas e privadas e a comunidade em geral devem se preparar para apoiar o pleno desenvolvimento dos estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), cujo número vem crescendo de forma acelerada. Este foi um dos aspectos abordados por especialistas durante audiência pública na Comissão de Educação e Cultura (CE) nesta quarta-feira (26).
O requerimento para a reunião ( REQ 54/2024 – CE ) foi apresentado pelo senador Flávio Arns (PSB-PR), presidente da CE e que já foi secretário de Educação no Paraná. O objetivo foi debater o Parecer 50/2023 do Conselho Nacional de Educação (CNE), que define orientações para redes de ensino e educadores de estudantes da educação especial com TEA. Após ouvir opiniões de debatedores que propõem aperfeiçoamentos no parecer e outros que ressaltam a importância do documento, Arns defendeu a atualização da legislação educacional sempre que preciso, dentro do contexto dinâmico da sociedade brasileira.
— Aprimoramentos podem ser necessários, inclusive da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação — 9.394 lei, de 1996 ), que nesses 30, 40 anos de vigência, já foi modificada dezenas de vezes porque a realidade vai mudando, as necessidades são diferentes, a reflexão acontece e temos que ir aprimorando — afirmou o senador.
Segundo Fátima Gavioli, secretária de Educação em Goiás, o parecer traz a atuação de outros profissionais para o ambiente pedagógico e não prevê recursos para essa mudança, nem para a formação dos professores.
— A estatística no Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) é de, a cada 36 alunos, um com autismo. Só que não houve uma preparação financeira na formação dos professores na faculdade para tratar esse assunto. Eu gostaria que fosse respeitado o conhecimento pedagógico das pessoas que trabalham na educação. De repente a gente vê que a saúde aparece nesse Parecer 50 trazendo mais um nicho de profissionais, mas esqueceram de falar pra nós quem é que vai pagar a conta.
Ela também citou o aumento do número de estudantes diagnosticados com TEA e informou que, em Goiás, os diagnósticos de autismo passaram de 395 alunos para 3.256, em apenas cinco anos.
— Ou seja, (aumento de) 750% de laudos. Não é só em Goiás. Estive recentemente com meus colegas secretários, e está aí, em todas as secretarias. Os laudos estão chegando — disse.
A pedagoga Suely Menezes, relatora do documento no Conselho Nacional de Educação, argumentou que o documento é fruto da demanda da sociedade, elaborado a partir de contribuições de especialistas, e está sob reavaliação.
— O parecer vem como uma forma de responder à sociedade em suas demandas, suas dúvidas. Pensando da relevância, do interesse público desse tema, nós estamos reavaliando, ouvindo instituições, trazendo possibilidades de ajustes e alinhamentos para que ele se torne cada vez mais um documento orientador que dê mais conforto para as escolas, os diretores lidarem com o aluno de TEA (…)No caso do TEA, temos a maior quantidade de demandas que o conselho já recebeu, e de todas as ordens, seja institucional, seja pessoal. Há realmente uma ansiedade muito grande das pessoas da sociedade em saber dessa questão.
Dificuldades
Josevanda Franco, que é presidente da Undime Região Nordeste (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e avó de uma criança com autismo, apontou dificuldades para a grande maioria dos municípios brasileiros na inclusão e manutenção desses alunos na escola. Para ela, as barreiras na implantação das orientações do parecer do CNE vão desde financiamento, condições para a atuação do profissional de apoio escolar e valorização da pedagogia nesse debate, até os currículos universitários.
— Nós não podemos continuar com uma estrutura curricular, nas universidades (que são as grandes formadoras de professores), tratando a educação especial como um apêndice da educação — observou.
Estudantes
Diretor da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), William de Jesus Silva lamentou que os estudantes autistas não tenham sido ouvidos na elaboração do parecer.
— Isso é justamente o contrário do que prega o movimento de pessoas com deficiência com o “Nada sobre nós, sem nós” ou, em inglês, “Nada sobre nós sem nós“. Então, esse parecer, na sua essência, na sua concepção, já foi feito de uma forma totalmente equivocada. E, mais do que isso, foi feito de cima para baixo, atendendo interesses econômicos de algumas clínicas. E, assim, a família não pode ter custo extra com relação à contratação desses profissionais. O que deveria ser feito é simplesmente fazer valer o que a lei já prevê, é a contratação de AEE (Atendimento Educacional Especializado), como já foi citado, é fazer concurso público para a AEE e oferecer capacitação.
Descentralização
O diretor de Políticas de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva do Ministério da Educação, Francisco Alexandre Dourado Mapurunga, se apresentou no debate como uma pessoa com autismo.
— Falo também como pai de pessoa com deficiência, pessoa autista, e avô de pessoa autista que estuda na escola pública e que precisa de todos os apoios que a gente puder dar e de tudo o que a gente puder fortalecer enquanto educação inclusiva.
Nesse sentido, o diretor do MEC entende que é função das redes de ensino preparar os professores e oferecer recursos para identificar e eliminar barreiras.
— A gente vai fazer, para o Programa PDDE/Sala de Recursos Multifuncional, investimentos da ordem de R$ 201 milhões. Estamos começando a descentralizar esse investimento para as escolas, em todo o Brasil. Em diálogo com o gabinete do ministro, a partir de decisão, também, do gabinete da secretária, a gente tem R$ 10 milhões para investir em salas de recursos multifuncionais, naquelas escolas onde existem pessoas autistas e ainda não foram atendidas — informou.
Envolvimento comunitário
O parecer do CNE destaca a importância do envolvimento de toda a comunidade escolar (gestores, professores, técnicos, famílias e estudantes) no processo de inclusão. O texto também enfatiza a necessidade de adaptações curriculares, formação docente e outros eixos estruturantes para acessibilidade e sustentabilidade da inclusão escolar.
O documento também enfatiza que a inclusão educacional de pessoas com TEA exige esforço e alinhamento entre cientistas, pesquisadores, famílias e comunidades escolares, uma vez que faltam evidências científicas sobre experiências brasileiras na área.
Para Flávia Marçal, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PA), o parecer do conselho, ao enfatizar o Plano Educacional Individualizado (PEI), atende a uma demanda histórica da comunidade de pessoas com autismo e dos professores.
— Reconhecer o PEI enquanto um instrumento, enquanto uma tecnologia importante no processo de atendimento aos direitos da pessoa com autismo, é reconhecer esse processo educacional tão bem-feito e tão valorizado pelos professores.
Fonte: Nioque digital