Em um relatório apresentado, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul diz que Campo Grande está entre as capitais brasileiras com maior índice de suicídios, com um crescimento contínuo nos últimos anos.
Conforme a Defensoria, no contexto do Setembro Amarelo, campanha nacional de prevenção ao suicídio, foi divulgado relatório detalhado sobre as taxas alarmantes de suicídio em Campo Grande.
De acordo com o defensor público do NAS (Núcleo de Atenção à Saúde), Nilton Marcelo de Camargo, o documento traz dados preocupantes, principalmente sobre grupos mais vulneráveis, como jovens, indígenas e idosos, e aponta a necessidade urgente de reforçar ações de prevenção e ampliação do suporte à saúde mental na capital.
De 2019 a 2022, foram registradas 5.423 notificações de lesões autoprovocadas, um indicativo direto de tentativas de suicídio, aponta o estudo. Do total, aproximadamente 49,5% dos casos envolvem reincidência, evidenciando que muitos indivíduos não recebem o acompanhamento adequado após uma primeira tentativa.
O documento também mostra que as principais vítimas de suicídio na capital são jovens adultos entre 18 e 29 anos, representando 40,25% dos casos. Já na faixa etária de 30 a 59 anos, as ocorrências chegam a 35,7%, com destaque para a alta taxa de suicídio entre homens, que representam uma parcela significativa dos registros.
“O relatório revela a gravidade da questão e também aponta lacunas. O suicídio e também sua tentativa alcança altos índices em Campo Grande, situação que revela a necessidade de uma política pública integrada entre muitos setores da sociedade, bem como o desenvolvimento de uma proteção global. Também lacunas foram identificadas. A título de exemplo, a questão envolvendo crianças é muito real e séria. Crianças tentam o suicídio e cometem suicídio, mas poucos casos são notificados. É um tabu a ser superado pela sociedade. Outra lacuna pode ser apontada na falta de campanhas de conscientização de prevenção ao suicídio e da rede de proteção dirigidas aos povos indígenas. Também a sub-notificação oculta fatos alarmantes. Precisamos desvelar os casos de sub-notificação para desenvolver estudos e políticas integradas sobre esse tema no Brasil”, pontuou o defensor.
Grupos vulneráveis
O relatório também aborda a vulnerabilidade de pessoas indígenas e idosos. A comunidade indígena, particularmente no Mato Grosso do Sul, continua sendo uma das mais atingidas.
Entre os Guarani Kaiowá, por exemplo, as taxas de suicídio são quatro vezes maiores que a média nacional. Fatores como a perda de terras, conflitos territoriais e exclusão social são apontados como causas fundamentais para esses índices elevados.
Pessoas idosas formam um grupo em destaque. Conforme os dados, as taxas de suicídio entre pessoas com mais de 60 anos são superiores à média geral, com 1 a cada 4 tentativas resultando em morte, uma taxa significativamente maior do que em outras faixas etárias.
Embora a cidade tenha leis que tratam da prevenção ao suicídio, como a inclusão do Setembro Amarelo no calendário oficial e a criação do Plano Municipal de Valorização da Vida, os encaminhamentos para serviços especializados ainda são escassos.
Apenas 10% dos casos notificados de lesão autoprovocada recebem acompanhamento adequado, e o encaminhamento para assistência social é insuficiente.
Além disso, iniciativas como a instalação de telas de proteção em viadutos e passarelas, embora necessárias, são consideradas medidas paliativas.
A Defensoria Pública de MS enfatiza que ações preventivas eficazes passam por um suporte adequado à saúde mental, com investimento em capacitação de profissionais de saúde e educação, bem como a criação de uma rede sólida de apoio psicossocial.
Prevenção
De acordo com a Defensoria, há a importância de medidas preventivas no combate ao suicídio. No relatório, são sugeridos programas que integrem educação, conscientização e assistência psicossocial.
A criação de um programa de prevenção também é mencionada como essencial para oferecer suporte a famílias e comunidades afetadas, uma vez que as consequências emocionais para os sobreviventes são devastadoras.
Estudo e pesquisa
O relatório foi elaborado pela CPES (Coordenadoria de Pesquisas e Estudos) da Defensoria Pública de MS.
“A grande dificuldade foi nos depararmos com algo que a literatura sobre o tema já relatava, relacionado à subnotificação desses casos de agravos e mortalidade. Então, mesmo o relatório já fazendo apontamentos críticos sobre a ocorrência das lesões autoprovocadas e o número de suicídios, ainda não conseguimos enxergar o todo dessas notificações por termos muitos casos sendo tratados como acidentes e/ou causas indeterminadas, efeito direto do estigma existente ao falar sobre o assunto. Provavelmente a realidade dos números é ainda pior do que consta no estudo”, detalhou o cientista social Fellipe Porto.
O cientista social Mateus Quirino completa ao informar que, “no momento em que recebemos a solicitação para realizar o estudo, percebemos de imediato a relevância, o impacto e a necessidade dessa investigação, sobretudo por se tratar de uma problemática recorrente em nossa sociedade. A elaboração do relatório proporcionou um grande aprendizado, pois, à medida que avançávamos nas leituras e no levantamento dos dados, ficava ainda mais evidente a importância do estudo. Foi uma pesquisa densa, que exigiu extrema cautela no tratamento dos dados, e que resultou em um valioso aprendizado sobre o suicídio em nosso contexto social, o qual buscamos transmitir por meio do relatório final”, pontua. (Informações da Defensoria de MS)
Confira Relatorio_de_Prevencao_ao_Suicidio.pdf o relatório na íntegra.