A “mudança de cor’ dos candidatos à Prefeitura de Campo Grande, Beto Pereira (PSDB) e Rose Modesto (União), levantou dúvidas sobra a razão da mudança. Ambos têm em seus históricos de registros de candidatura a autodeclaração como “branco’ e em outras ocasiões como “pardo’
Nestas eleições, a ex-vice-governadora se declarou “parda’, mesma raça declarada em 2022, quando concorreu ao cargo de governadora e em 2018 quando se elegeu deputada federal. Porém, nas duas eleições anteriores a 2018, nos anos de 2016 e 2014, quando foi vice-governadora e vereadora por Campo Grande, respectivamente, Rose se declarou “branca’.
Já Beto Pereira, em 2022, quando concorreu ao cargo de deputado federal, de autodeclarou “branco’. Agora o tucano se declarou ‘pardo’, mesma cor que havia se declarado em 2018 e 2014, quando se elegeu deputado estadual.
Segundo o advogado especialista em direito eleitoral, Valeriano Fontoura, em tese, é possível afirmar que alguns candidatos lançam mão deste artifício para garantir mais participação no fundo eleitoral por meio de políticas afirmativas, como as cotas para mulheres, pretos e pardos.
“O que Justiça entendeu em 2020, por meio da decisão do então ministro Ricardo Lewandowski, é que não pode haver diferença de distribuição de verba pública entre candidatos brancos, pretos e pardos. Ou seja, muitas vezes para garantir que não vai ganhar menos dinheiro que outro candidato preferido pelo dirigente partidário, a pessoa se autodeclara parda para garantir, no mínimo, a mesma quantia’.
Em Mato Grosso do Sul, dos mais de 7 mil candidatos entre vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, a maioria se declarou branco (47,15%). Em seguida vem justamente a cor parda (39,82), depois a cor preta (8,87), indígena (3,18) e cor amarela (0,76%).
Mas afinal, o que é ser pardo? – Dentro do universo político eleitoral não é possível responder a essa pergunta, pois não há uma banca avaliadora que ratifique a autodeclaração dos candidatos.
Mas para tentar responder a essas perguntas, o Campo Grande News recorreu à universidade, onde as bancas de avaliação gozam de grande experiência, dada a política de ações afirmativas para ingresso, como cotas raciais, por exemplo.
A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) conta com uma banca de avaliação fenotípica. A universidade reserva 20% de suas vagas para pessoas pretas e pardas de escolas públicas a realiza a avaliação a cada período de ingresso.
A professora Cíntia Diallo, que é coordenadora do Centro de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação, Gênero, Raça e etnia/CEPEGRE, e também chefe da Divisão das Ações Afirmativas, explica quais são os parâmetros utilizados na banca da universidade para aferir se uma pessoa é preta, parda ou branca.
“Os critérios utilizados pela UEMS são normatizados e criados no âmbito dos conselhos superiores. O nosso trabalho é de verificar as características fenotípicas, uma delas a pele. Se for preto, não há dúvidas. Se for mais claro, é preciso verificar outras características fenotípicas combinadas’, explica.
Talvez a chave da explicação para caracterizar uma pessoa parda esteja nessa palavra, o “fenótipo’, que são características externas, morfológicas, físicas dos indivíduos, ou seja, o fenótipo determina a aparência da pessoa, na maioria das vezes, aspectos visíveis.
Vale ressaltar que pardos e pretos fazem parte da mesma raça, a negra. O próprio Estatuto da Igualdade Racial estabelece que são consideradas pessoas negras as que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Conforme Cíntia, são os fenótipos que podem dizer se uma pessoa apesar de não ser preta, também não é branca, podendo ser considerada parda, bem como podem levar a pessoa e passar por uma situação de discriminação. “Verificamos textura do cabelo, os lábios, o formato do nariz, que são essas características que vão remeter situações de preconceito’.
O artigo 8º de uma deliberação CEPE deixa isso mais evidente. “Fenótipo define-se como o conjunto de características visíveis do indivíduo, predominantemente, a cor da pele (preta ou parda), a textura do cabelo (crespo ou enrolado) e o formato do rosto (nariz largo e lábios grossos e amarronzados), as quais, combinadas, permitirão validar ou invalidar a condição étnico-racial afirmada pelo candidato autodeclarado negro (preto ou pardo), para fins de ocupação de vaga objeto de cotas ou reserva’.
Outra confusão comum é achar que uma pessoa com pais ou avós negros e/ou pardos, também são necessariamente, da mesma cor. Conforme Cíntia, isso é uma questão de genotípica, não fenotípica. “Há pessoas que têm usado os familiares como forma de “afroconveniência’, e daí vem as fraudes’.
Quem avalia os candidatos? – Não existe nenhum dispositivo na Justiça Eleitoral que avalie a autodeclaração de raça e cor no ato do registro de candidatura. Porem, estas serão as primeiras eleições, em que a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Nº 23.729, de 17 de fevereiro de 2024, estará em vigor.
A resolução abre caminho para o questionamento após a declaração. ‘No caso de ser declarada, no registro de candidatura, cor preta ou parda em divergência com informação do Cadastro Eleitoral ou com anterior pedido de registro, a pessoa candidata e o partido, a federação ou a coligação serão intimados para confirmar a alteração da declaração racial’, diz inciso da resolução.
Será permitido ainda a associações, coletivos e movimentos da sociedade civil requerer relação nominal de candidatas e candidatos que tenham apresentado declaração racial. ‘Ficando as pessoas e as entidades requerentes obrigadas, sob as penas da legislação de regência, a assegurar a utilização dos dados para a finalidade específica de fiscalização dos repasses de recursos públicos a candidaturas negras’.
Fonte: Msnews