Joop van Wijk-Voskuijl é filho de Elisabeth “Bep” Voskuijl, secretária que, durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), ajudou a esconder Anne Frank — garota judia conhecida mundialmente por relatar em um diário seu cotidiano em um esconderijo chamado Anexo Secreto, que era mantido a salvo de nazistas alemães.
Frank ficou escondida junto a outros sete judeus, incluindo sua mãe, pai e irmã. Ela recebia alimentos e ajuda de Bep, que guardou os segredos do Anexo até que uma denúncia anônima o revelou aos nazistas, em agosto de 1944.
Ao lado do jornalista Jeroen De Bruyn, o filho de Bep escreveu o livro O último segredo de Anne Frank: A história não contada de Anne Frank, de sua protetora silenciosa e de uma traição em famíliaque chegou em abril ao Brasil pela editora Crítica.
A seguir, você confere a entrevista na íntegra na qual Joop fala à GALILEU, por e-mail, sobre o livro, a história da mãe e a suspeita de que sua tia Nelly tenha denunciado o esconderijo, levando à morte de Anne Frank por tifo no campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha. Veja:
O que você acha que motivou sua mãe a correr tantos riscos para ajudar a família Frank?
Para minha mãe (e para Miep (outra ajudante do Anexo)), não havia dúvida em ajudar essas oito pessoas judias. Os Frank já eram amigos da família Voskuijl há anos. Meu avô também era muito próximo de Otto Frank. Além disso, a “lealdade” era uma das suas virtudes… E, acredite, isso é mais do que “amizade”.
Você poderia compartilhar algumas memórias pessoais de sua mãe? Como ela falava sobre o período em que ajudou a esconder a família Frank?
Existem várias anedotas mencionadas em nosso livro (O último segredo de Anne Frank: A história não contada de Anne Frank), que são bastante pessoais. Então, por favor, veja algumas das histórias desse livro.
Ela não gostava muito de falar sobre aquele período de sua vida (para todo mundo). Apenas para mim.
Quais são seus pensamentos sobre sua tia Nelly e seu relacionamento próximo com os nazistas?
Antes de pesquisar e escrever o livro, eu não conhecia a verdadeira história sobre minha tia Nelly. Eu fiquei pasmo depois de encontrar as palavras de Anne em seu diário original e perceber que ela colaborou com os alemães, entre outras coisas, como a primeira assistente do comandante nazista de uma base aérea no Norte da França.
Minha família me contou uma história que não era apenas falsa, mas uma invenção, criada para proteger tanto Nelly quanto a nós da verdade.
No entanto, Jeroen e eu estamos felizes por não termos parado com o projeto (do livro), porque as pessoas precisam conhecer a verdade.
Você percebeu que sua mãe sentia alguma vergonha em relação à sua tia Nelly?
Acho que o trecho abaixo — retirado de nosso livro — é um bom exemplo de como a presença de Nelly causava raiva e vergonha em nossa família:
Essa suspeita não apenas explicaria sua reticência, mas também explicaria porque Nelly sempre foi tratada como a ovelha negra na minha família — porque minha avó Christina nunca se sentava ao lado de Nelly nas funções familiares, porque minha mãe ficava vermelha de repente na presença dela, porque meu pai amaldiçoava a irmã de sua esposa até o dia de sua morte. Sempre achei esse tratamento ridículo, estranho, até cruel. Claro, Nelly podia ser às vezes rude e sarcástica. Mas ela merecia ser chamada de “puta imunda”, como meu pai às vezes a chamava em voz baixa.
“Cor, não diga isso,” minha mãe retrucava. “Ela ainda é minha irmã.”
No dia seguinte a uma das saídas vulgares e bêbadas de meu pai, perguntei à minha mãe o que havia por trás de sua animosidade.
“Não posso te contar,” ela respondeu. “Por favor, não me pergunte novamente.”
Que lições você acha que as pessoas podem aprender com a história de sua mãe e com a história de Anne Frank?
Como já foi dito (por alguém): “Lealdade é uma virtude, mas também uma escolha consciente.” Minha mãe e meu avô foram leais aos oito judeus escondidos. Minha tia Nelly fez o oposto; ela foi leal aos nazistas.
Proteger um esconderijo para judeus na Segunda Guerra Mundial era uma escolha muito consciente, porque você arriscava uma execução sumária pelos nazistas.
E trabalhar durante muitos anos na guerra para os alemães e ser assistente de um comandante nazista não é uma decisão adolescente, mas também uma escolha consciente.
Portanto, a lição, na minha opinião, é: devemos ser muito cuidadosos com quem somos leais.
O Diário de Anne Frank é importante porque nos mostra a grande e poderosa força da ESPERANÇA. Quando as pessoas não têm mais nada, algumas são capazes de transmitir força aos amigos e familiares… Anne faz o mesmo em seu diário, mas para milhões de pessoas, ano após ano. Portanto: o diário é um presente gracioso.
Como a guerra e o Anexo Secreto impactaram sua vida?
Desde a tentativa de suicídio da minha mãe até hoje, a guerra sempre esteve presente. Mas as décadas mais intensas foram: dos 10 aos 20 anos e, claro, durante o período de 2009 até agora, que foi o período de pesquisa e escrita.
De maneira geral, posso dizer que todo o conteúdo do nosso livro é uma prova eterna do quão grande foi o impacto em mim como pessoa: começando com a tentativa de suicídio da minha mãe, sendo seu confidente, saindo de casa relativamente cedo devido ao mal-entendido com meus pais, escolhendo minha primeira esposa judia, tendo uma filha chamada Rebecca, escolhendo minha profissão como profissional de marketing e comunicação, e, por último, mas não menos importante, pesquisando e escrevendo com Jeroen O último segredo de Anne Frank.
A essência do que estou tentando dizer é a falta de comunicação adequada, que parece ser um fio condutor ao longo da minha vida — e, portanto, acredito que será uma história sem fim.
Na sua opinião, quem realmente traiu Anne Frank?
Eu sempre dou a mesma resposta, porque essa é uma pergunta que as pessoas me fazem muitas e muitas vezes: eu tenho algum conhecimento sobre os cerca de 30 suspeitos da traição, mas Jeroen e eu focamos apenas em Nelly como suspeita. Isso significa que não investigamos suficientemente todos os outros casos. O que eu sei é que Nelly, até agora, é uma das suspeitas mais sérias de todas…
Fonte: Galileu