Acordar para ir ao trabalho e se deparar com o céu tomado por fumaça, sentir na pele o calor acima dos 35°C e dificuldade para respirar devido à umidade do ar abaixo de 20%. A cena fez parte da rotina da maioria dos brasileiros em setembro de 2024 e desencadeou vários sentimentos: ansiedade, medo, tristeza, desespero, angústia, sufocamento e outros.
Os sentimentos de desequilíbrio emocional causados pela crise climática vivida no mundo já têm nome. Especialistas chamam de ‘ações ecológicas’popularmente conhecida por ‘ansiedade climática’. A situação não nasceu em 2024, mas têm se agravado conforme os efeitos das mudanças climáticas avançam. Além de vivenciar o clima extremo, as notícias diárias sobre calor, baixa umidade e queimadas, contribuem para a sensação.
Apesar da ecoansiedade atingir boa parte da população, principalmente em momentos de crise, como nos dias de fumaça intensa, profissionais de psicologia afirmam que não é uma doença. Mas sim, uma sensação que pode, inclusive, contribuir para a formação de uma consciência coletiva sobre a necessidade de mudanças no modo como vivemos.
Nesta semana, o Jornal Midiamax publica uma série de reportagens sobre o clima e os impactos das mudanças climáticas. Na primeira reportagem da série, abordamos sobre as ondas de calor e o impacto na rotina e produção de Mato Grosso do Sul. Confira aqui.
Sensação de medo do futuro
“Estava rolando o Instagram e apareceu um vídeo de um tatu com as patinhas todas queimadas. Foi a primeira vez que deixei o celular de canto para chorar. Me bateu um desespero, eu não podia fazer nada. Depois, apareceu um vídeo do local onde era refúgio das araras-azuis todo queimado. Fiquei desesperada pensando: E se meus filhos nunca saberem o que é uma arara? Sei que é uma dúvida boba, inicialmente, mas me assusta meus filhos não saberem a fauna que temos”.
Jaqueline Figueiredo, de 29 anos, é fisioterapeuta e mãe de dois filhos. Para ela, a ansiedade climática eleva a sensação de medo do futuro. “O Kaique tem um ano e quatro meses e o Joaquim quatro anos. Eles tiveram sérios problemas de gripe, resfriado e tosse nesses dias de fumaça. Eu já tinha uma grande preocupação no pós-pandemia da Covid-19, pois eu tive que me cuidar muito com o Joaquim. Agora, eu só consigo temer com a saúde deles no futuro com esse ar poluído”.
Bruna Ortiz Galeano, de 45 anos, vivencia o estresse pelas condições climáticas em Campo Grande. Desde as sequências semanas da onda de calor, a funcionária pública da educação associa as mudanças de humor diante do calorão.
“Foram dias de estresse e irritação com o tempo seco associada ao calorão. Embora trabalhe em lugar que tem ar condicionado, na minha casa não tem. As queimadas também pioram nossa respiração, tanto no trabalho, como em casa”.
Com isso, o tempo influenciou no cotidiano, logo, mas mudanças de humor com os amigos, colegas de trabalho e a família. “Isso afeta em sair mais de casa, tudo fica ruim, nada está bom. Tento lidar da melhor forma, mas muitas vezes acaba que tenho que tomar remédio até para dormir”.
Quando questionada sobre o que pensa do futuro, Galeano descreve: “Fico preocupada, porque além de ter problemas respiratórios, também tenho netos. Me preocupa o futuro deles. Com certeza, as próximas gerações estarão comprometidas”.
Ecoansiedade contribui para discussões sobre futuro
“Essa ansiedade é preocupante. A gente vai considerar o impacto na vida geral dessa pessoa, e nas relações sociais. Mas o que a gente chama de ecoansiedade ou ansiedade climática, por si só, pode ser apenas uma reação normal a todo o contexto que nós estamos vivendo. Estou dizendo isso porque é importante que de início a gente não patologize esses eventos”, detalha Almeida.
Ela ainda afirma que essas situações contribuem para desenvolver uma consciência coletiva, diante dos desafios, inclusive, cobrar aos dirigentes do Estado, por exemplo, medidas de mitigação para as mudanças climáticas.
Até plantas sentem
Considerando as temperaturas, o cenário também eleva a sensação de mudanças ao redor. Em Campo Grande, pode exemplo, conhecida como a “Capital dos Ipês”, teve a florada antecipada e repetida neste ano, de todas as cores. O biólogo José Milton Longo explica que a florada pode ser considerado como um “estresse climático” para a planta.
“Esse estresse climático é um termo que pega alguns elementos, por exemplo, temperatura, água (…) O estresse é um fator de disparo para alguns processos fisiológicos em plantas. A temperatura para o ipê funciona muito, temperatura como disparo para a florada. Ela tem como captar água, não sofre tanto o estresse hídrico, mas o estresse climático, que é esse conjunto de fatores climáticos, realmente afeta todo mundo, afeta a população, afeta os animais de alguma forma ou de outra. Enquanto aos ipês, esse estresse de temperatura é que ajuda o ciclo de florada reprodutivo dela”.
Cuidar da saúde mental é necessário
Para a psicoterapeuta Alessandra Almeida, uma maneira de amenizar o impacto psicológico pode ser explorada pelo conhecimento, ações e mudança de hábito. Em um contexto terapêutico para controle de ansiedade, há um entendimento para assumir o controle da situação, o que proporciona as chances de diminuir esta ansiedade frente a essa catastrofização criadas individualmente, como cada pessoa reage a uma. Outro ponto importante, em evidências de que a pessoa precise de ajuda, o ideal é procurar ajuda profissional ou conversar, desabafar.
“Evidentemente, que se a coisa fica mais grave, a ponto de ter um impacto mais, como deletério na saúde da pessoa, na condição dela se relacionar com o mundo, com as outras pessoas, é importante ter ajuda, o auxílio de profissionais especializados. Essas coisas são importantes porque isso é que movimenta as transformações na sociedade, mas se perceber um agravamento disso é importante, sim, a busca por profissionais. Eu vou falar aqui no caso profissional de psicologia, inclusive, para desenvolver poder, desenvolver a habilidade de controle de ansiedade, a ferir e ter esse espaço, que é um espaço mais terapêutico”.
Almeida reforça que o CFP e o Sistema Conselho de Psicologia, atuam desde 2012 com ações de referência de orientações da psicologia em situações ou gestão de riscos de emergências e desastres.
“A organização comunitária é dos fatores mais importantes para a eficiência da resposta, da recuperação, inclusive. Então a gente tem trabalhado como o mote de que há esperança. A gente fez isso no momento em que estávamos na resposta, ali auxiliando na resposta ao desastre do Rio Grande do Sul, então, de que a esperança é coletiva, a resposta é coletiva e a reconstrução é coletiva. Então, acho que é importante a gente pensando, assim, na perspectiva da saúde comunitária, essa ideia de retomar os laços comunitários, ela é fundamentalmente importante para fazer frente a essas transformações que chegam para nós.
*Alessandra Almeida também é mestra em estudos interdisciplinares: gêneros, mulheres e feminismo. Atua em saúde coletiva, saúde mental, gênero e raça, direitos humanos e justiça reprodutiva das mulheres. Ex-conselheira do CRP-BA.