Os incêndios florestais continuam consumindo a flora do Pantanal brasileiro e vitimizando milhares de animais, de onças-pintadas a veados-catingueiros. A área arrasada pelo fogo já se aproxima dos 2 milhões de hectares, só no Mato Grosso do Sul. O impacto gerado na fauna local é incalculável.
O trabalho dos bombeiros, socorristas, técnicos e voluntários que continuam na região tem se dividido entre a tentativa de conter as chamas e o resgate e monitoramento de milhares de animais, que lutam para sobreviver em meio ao fogo. O sinal mais claro do sofrimento dos bichos, muitas vezes, é percebido nas patas queimadas pelo chão quente.
Em Campo Grande (MS), o Hospital Veterinário Ayty, vinculado ao Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras), tornou-se referência no atendimento dos animais socorridos nos incêndios do Pantanal. Para lá, foram levadas, por exemplo, duas onças-pintadas – Miranda e Antã – que foram encontradas com ferimentos graves em áreas atingidas pelas chamas.
Miranda é uma onça fêmea, com cerca de 2 anos de idade. Ela foi encontrada no dia 15 de agosto, com as quatro patas queimadas, numa operação de resgate que mobilizou representantes de vários grupos e instituições ambientais. Miranda se abrigava dentro de uma manilha e mancava, segundo trabalhadores rurais que a avistaram.
Depois de passar por tratamento com uso de ozônio e pomadas especiais, ela está quase curada, perto de receber alta. De acordo com a médica veterinária Jordana Toqueto, que trabalha no Cras, o procedimento dependerá da melhora dos incêndios na região. Afinal, existe o risco de soltar a onça na natureza e ela se ferir, novamente, no fogo.
Onça Antã não resistiu aos ferimentos e morreu
O quadro da onça macho Antã era considerado mais grave que o de Miranda. Ele morreu na manhã de quinta-feira (12/9), após sofrer uma parada cardíaca, enquanto era preparado para mais uma sessão de ozonioterapia para recuperar as patas.
Além dos ferimentos graves, com queimaduras mais profundas que as de terceiro grau, ele apresentou, ainda, problemas no pulmão por causa da inalação de fumaça. As ultrassonografias revelaram, também, alterações no fígado e na bexiga.
O felino foi encontrado no dia 17 de agosto, na região de Passo do Lontra, em Miranda (MS), mesmo município onde a fêmea foi capturada. Ele foi resgatado com 72 kg, peso muito abaixo do que seria o ideal: 100 kg.
O Hospital Veterinário Ayty costuma receber cerca de 2,5 mil bichos por ano. Em 2024, com uma área queimada que já ultrapassa em mais de 155% a dimensão de 2020 – quando houve a pior temporada de incêndios no Pantanal sul-mato-grossense –, essa quantidade deve ser atingida em breve.
Uma das equipes que disponibilizou técnicos e voluntários na região do Pantanal, desde julho deste ano, é a ONG Grad Brasil (Grupo de Resposta a Animais em Desastres). A presidente Carla Sássi falou ao Metrópoles e destacou a diferença entre os tipos de vítimas das queimadas, quando se tratam de animais, inclusive as chamadas “vítimas invisíveis”.
Segundo a representante da entidade, os répteis e anfíbios fazem parte dessa categoria. Tais animais tendem a ser mais atingidos pelo fogo e morrem mais, mas não são contabilizados, pois ficam, muitas vezes, imperceptíveis na vastidão de áreas arrasadas por incêndios.
Em vídeo recente publicado pela ONG no Instagram, um dos brigadistas que integra a operação Pantanal Norte fez um alerta sobre o tema. O profissional encontrou mais de 50 serpentes queimadas, em um trecho de 800 metros; elas foram colocadas em uma sacola. Vários outros animais maiores, queimados pelo caminho, ficaram para trás, por serem grandes demais.
“Foi numa área da reserva São Francisco do Perigara. Isso acontece no Pantanal inteiro. É um número muito grande de serpentes, lagartos e anfíbios que não conseguem fugir do fogo”, conta Carla Sássi.
“Nunca vivemos um período de incêndios consecutivos assim”
A presidente do Grad Brasil destaca que a dimensão dos incêndios na região, neste ano, e a rapidez com que eles avançaram não permitiram a fuga dos animais, tampouco que eles se recuperassem de queimadas de anos anteriores. A sensação, segundo ela, é que os ciclos de incêndios florestais se emendam um no outro, sem trégua.
“A população de várias espécies acaba ficando comprometida e há uma diminuição grande na quantidade de animais. Em 2020, tivemos grande comoção social, inclusive no meio artístico, e neste ano não estamos vendo a mesma movimentação midiática. Muito disso é porque esse tipo de notícia acaba se tornando algo repetitivo. De 2020 para cá, não paramos de enfrentar incêndios”, diz Sássi.
O quadro suscita preocupação em relação ao futuro.
Carla Sássi prevê uma diminuição brusca de espécies mais sensíveis e um aumento daquelas que conseguem sobreviver e continuam se reproduzindo. De certa forma, isso tende a quebrar o balanço da cadeia animal na região e, claro, comprometer a biodiversidade.
“Nunca vivemos um período de incêndios consecutivos assim e de temperaturas tão altas. É tudo muito complexo e o trabalho de combate, monitoramento e resgate fica cada vez mais dificultoso”, afirma.
FONTE: TOPMIDIANEWS