Os usuários da BR-163 pagaram quase R$ 1 bilhão a mais de tarifa de pedágio à CCR MSVia desde o pedido de relicitação, em 2019, em virtude da demora na definição sobre a gestão da rodovia. O dinheiro arrecadado pela concessionária é considerado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tarifa excedente para custear a indenização que o governo federal terá de pagar à empresa no fim do atual contrato.
Com esta arrecadação antecipada bancada pelos motoristas, que não receberam obras estruturantes e nem a duplicação, o valor estimado a ser repassado caiu de R$ 1,566 bilhão para R$ 356,6 milhões.
Essa cobrança é assegurada pela legislação que regula menta as concessões rodoviárias, entretanto, o valor arrecadado dos usuários seria menor se a definição sobre o futuro da BR-163 ocorresse logo após o pedido de relicitação, feito em 2019.
Embora tenha manifestado o interesse de entregar a rodovia naquele ano, o governo federal só deu um parecer em 2020, que levou à assinatura do primeiro termo aditivo em junho de 2021. Em 2022, foi assinado outro termo aditivo e, em março de 2023, o terceiro, que tem validade até março do ano que vem.
Parecer do TCU Em 2023, após mais de dois anos realizando estudos técnicos sobre uma nova concessão, fazendo até consulta popular, o Ministério dos Transportes decidiu que o melhor caminho será a solução consensual que está em análise no Tribunal de Contas da União (TCU) desde setembro do ano passado.
São 14 meses só nessa etapa. Por esse mecanismo, a CCR MSVia deverá continuar administrando os 847 quilômetros da BR-163 com a repactuação de novos investimentos, estimados em R$ 12 bilhões em 35 anos.
Sem este parecer, nada pode ser resolvido sobre os rumos da gestão da rodovia, porém, os usuários estão pagando uma tarifa de pedágio que contabilmente é dividida em duas: tarifa excedente e tarifa calculada. Nessa fórmula, os motoristas pagam um valor que não leva em consideração a falta de investimentos em novas obras e duplicação, que foram interrompidos em 2017.
Pesquisa
A confirmação de que há o pagamento antecipado pelos usuários da indenização que caberia à União consta em monografias sobre atuais relicitações em andamento apresentadas no Instituto Serzedello Corrêa, da Escola Superior do Tribunal de Contas da União (TCU).
Em um dos trabalhos acadêmicos, apresentado por Luiz Souza, é afirmado que a concessionária recebe um valor excedente, citando que os “valores arrecadados a maior dos usuários” deve constar no termo aditivo, explicando entre parênteses que excedente tarifário é “indenização paga antecipadamente”. Só que esse pagamento é feito pelos motoristas que utilizam a rodovia.
Em outra monografia de especialização que analisou as relicitações em andamento, esta de Filipe Flesch, é afirmado que “em razão da redução dos investimentos, em uma análise inicial, seria razoável supor que o valor a ser recebido a título de pedágio fosse reduzido”, porém, acórdão do TCU após decisão liminar judicial considerou que há “necessidade de manutenção da base tarifária do contrato”.
Só que, no acórdão, a ANTT se manifestou, afirmando “peremptoriamente que o valor cobrado a maior pela concessionária é indevido”, referindo-se à tarifa excedente.
O autor apresenta que nos autos consta que “esta agência reguladora não tem qualquer dúvida de que o valor cobrado a maior pela concessionária desde 10/10/2018, em razão de decisão liminar exarada pelo juízo da 17ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos da Ação Cautelar nº 1014300 37.2018.4.01.3400 (DOC.4) , que manteve a tarifa em R$ 5,30 (cinco reais e trinta centavos), posteriormente mantida pelo Tribunal Arbitral nos autos do Processo Arbitral 23932/GSS/PFF, em curso perante a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI, é indevida. Não por outra razão permanece litigando acerca da matéria”.
O caso citado no documento refere-se à BR-040, que teve a concessão devolvida ao governo federal no ano passado e parte dela entregue à iniciativa privada neste ano.
Flesch afirma também que “o mero atraso da realização das obras e serviços previstos para determinada concessão já seria bastante danoso aos usuários. No entanto, verifica-se que os riscos reais ao consumidor são ainda maiores. No caso concreto, estão pagando valores de pedágio que seriam devidos apenas em caso de adimplemento contratual”.
No caso da BR-163, a ANTT, em novembro de 2019, por meio da deliberação 1025/2019 777/2018-04, determinou a redução em 53,94% da tarifa básica de pedágio de todas as praças compreendidas na BR-163 em MS, em virtude da interrupção das obras contratuais. Ainda em novembro, a CCR MSVia recorreu ao Poder Judiciário, que suspendeu liminarmente a redução tarifária.
À época, a concessionária recorreu ao Tribunal Arbitral, que, em março de 2021, manteve a decisão proferida na tutela cautelar até o fim do processo de relicitação e suspendeu a aplicação de multas pela ANTT, além de analisar o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. O processo ainda não foi julgado e está suspenso a pedido da MSVia e da ANTT.
Já na Nota Informativa nº 470, de 13 de agosto deste ano, da Superintendência de Infraestrutura Rodoviária (Surod), que atendeu à solicitação da diretoria colegiada da ANTT, foram consolidadas as informações sobre as indenizações finais dos contratos de concessão em relicitação, entre eles o da CCR MSVia.
Foi apontado que o Decreto nº 9.957/2019, que regulamenta a Lei nº 13.448/2017, define que “o valor excedente da receita tarifária auferida pelo contratado originário em razão da não contabilização do impacto econômico-financeiro no valor da tarifa decorrente da suspensão das obrigações de investimentos não essenciais no momento da celebração do termo aditivo” deve ser descontado das “indenizações a serem pagas pela União.”
Essa regra fez com que, nos balanços da CCR, holding que controla a MSVia, conste que “em função da assinatura do aditivo de relicitação da MSVia em junho de 2021, a receita considerada passou a ser de 47,3% do valor arrecadado, impactando a receita e o cálculo da tarifa média”.
Isso ocorre em virtude da diferença entre tarifa excedente e tarifa calculada. No balanço contábil apresentados aos acionistas em fevereiro deste ano, referente a 2023, a CCR informa que, “tendo em vista a ausência de outras disposições contratuais relacionadas, os efeitos contábeis decorrentes deste aditivo são apenas de movimentação ordinária do saldo indenizável, em atenção aos critérios previstos na regulação aplicável”.
Entenda o excedente
Dessa forma, a diferença calculada que envolve a MSVia é de R$ 947,603 milhões, de acordo com a nota informativa da ANTT, sendo R$ 768,5 milhões até junho deste ano e mais R$ 179 milhões após esta data. Esse valor foi pago por quem utiliza a BR-163, rodovia que não recebe obras estruturantes desde 2017.
O acumulado fez com que o valor da indenização, calculado pela ANTT, da União à CCR MSVia caísse de R$ 1,566 bilhão para R$ 356,6 milhões. É que, além de descontar a tarifa excedente, estão sendo abatidos outros R$ 262,5 milhões referentes a multas, considerando como data-base março do próximo ano, quando termina o atual termo aditivo.
Neste documento técnico da ANTT, é afirmado também que, no caso da CCR MSVia, é “importante ressaltar que foram realizados ajustes pontuais nos cálculos relativos ao excedente tarifário (…), bem como que tais valores podem ser objeto de atualização e novos ajustes, considerando o trâmite atualmente em curso de repactuação do contrato de concessão da MSVia, que está sendo conduzido pela Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), do Tribunal de Contas da União.”
Fontes: CE/ML