Deputados estaduais de Mato Grosso do Sul se posicionaram contrários à possível entrega do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul a OS (Organização Social de Saúde), conforme noticiado nesta segunda-feira (22) pelo Jornal Midiamax. As críticas vieram após o Governo do Estado assumir a gestão do polo e abrir caminho para que o complexo seja gerido pela entidade.
Alguns parlamentares lembraram de casos de corrupção envolvendo esse tipo de gestão e avaliaram a falta de transparência na aplicação de recursos como um dos problemas.
A prática que representa uma espécie de terceirização tem histórico em Mato Grosso do Sul. Dos três hospitais regionais existentes, em Ponta Porã, Três Lagoas e Dourados, todos estão sob gestão do Instituto Acqua. A OS (Organização Social de Saúde) foi contratada pelo Governo do Estado para administrar os hospitais com contrato de cinco anos e valores reajustáveis, mesmo tendo histórico de denúncias na Justiça.
“Experiências desastrosas”
O deputado estadual Pedro Kemp (PT) disse ser “radicalmente contra” a entrega de hospitais públicos a OS e relembrou que, tanto no Brasil, como no Estado, há experiências “desastrosas”, com o acordo feito junto à instituição.
“Nenhuma OS assume um hospital para fazer caridade, eles querem ter lucro e algumas dessas organizações inclusive foram alvos de denúncia de desvio de recursos, denúncias de faturamento. Eu acredito que o próprio estado pode fazer uma gestão eficiente e responsável”, considerou.
Segundo o deputado, uma das principais necessidades para poder alinhar os serviços do Hospital, é a contratação de novos funcionários. “O que precisamos aqui no Estado é de concurso público, principalmente na área da enfermagem, fisioterapeutas e médicos”, enumerou.
“É preciso investimento em insumo. É uma questão de gestão mesmo. É possível tocar o hospital pelo próprio estado, inclusive com responsabilidade e através de recursos públicos, ou seja, ter um hospital eficiente e que possa estar à altura do que a população necessita, que é um hospital de média e alta complexidade”, completou Kemp.
Na mesma linha, o deputado João Henrique Catan (PL) elencou gestões de outros estados para destacar que a ideia pode colocar os serviços prestados à população em risco. “Triste ver que o governo atual de MS, que peca pela falta de transparência, não tem competência para gerir um de seus maiores bens da saúde, o HRMS, optando, mais uma vez, por parcerias duvidosas, que envolverão milhões de reais do bolso do contribuinte”, disse ele.
O parlamentar destacou que por várias vezes foi apontada a falta de transparência que o formato de administração terceirizada pode causar a hospitais, ambulatórios e outros equipamentos públicos.
“A sociedade fica sem saber quanto é gasto e como são usados os recursos que os governos repassam a essas organizações. E isso é tudo o que não queremos e não precisamos para o nosso Hospital Regional, que ainda sofre com as sequelas de dois anos intensos de pandemia de covid-19, lotação persistente e falta de medicamentos”, enfatizou Catan.
Nem todos se opõem
Já o presidente da Alems (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul), Gerson Claro (PP), preferiu adotar tom de cautela ao abordar o assunto. Questionado pela reportagem, disse que não tem como “emitir opinião sobre ‘provável’ projeto que não vi. Analisar esse assunto tem que ser balizado a partir de dados”.
O deputado Rafael Tavares (PRTB) se limitou a dizer que apoia o acordo. “Tudo que o estado puder passar para a iniciativa privada ou terceiro setor, eu sou favorável. Quanto menos a sociedade depender da política, melhor”.
Ó Midiamax entrou em contato com todos os deputados para saber qual o posicionamento diante do cenário. A reportagem publicada está passível de atualização para inclusão de eventual posicionamento dos que ainda não se manifestaram sobre o tema.
Autoridades criticam decisão do Estado
A transferência de gestão de hospitais públicos para as chamadas OSs é uma prática adotada por vários estados, mas criticada por especialistas em saúde pública por vários fatores. O principal deles é por desvincular o hospital do comando do SUS (Sistema Único de Saúde), se afastando das prioridades definidas em termos de gestão.
Assistente Técnica da Superintendência Estadual do Ministério da Saúde no Mato Grosso do Sul, Silvia Uehara critica o que ela chama de “fragmentação de comando”. Ela cita como exemplo a Santa Casa e o Hospital Universitário, que são entidade beneficente contratualizada e serviço público federal, respectivamente, mas estão sob gestão plena municipal do SUS.
“O Estado diz que não prejudicará em nada, mas a intenção oculta parece ser transferir toda a rede estadual para organizações sociais que não terão interesse em resolver até a alta complexidade. Casos importantes de Três Lagoas e Ponta Porã continuam sendo transferidos para Campo Grande para resolução”, detalha Silvia em entrevista ao Midiamax.
Analisando o plano de gestão do Governo para rede estadual de saúde, a representante da Superintendência Estadual do Ministério da Saúde em MS chama a atenção para a falta de neurocirurgia nas unidades macrorregionais, e a radioterapia no HRMS em Campo Grande. “Nenhum Hospital Regional do sul do Estado terá atendimento de terapia intensiva em pediatria?”, questiona.
Para Silvia Uehara, a transferência dos hospitais para as organizações sociais faz com que o controle social, que define as prioridades sanitárias, perca a voz sobre essas instituições de saúde. Ela ainda critica a saída do hospital da rede municipal sem conversas prévias.
“A iniciativa foi deles de saírem da rede sem antes colocar a situação às claras, sem consultar o controle social do Conselho Municipal e Estadual de saúde, desconsiderando o impacto à rede de saúde de todo o Estado de MS”, afirma Silvia.
Quanto custa a gestão privada de uma OS?
Em junho de 2022, a secretaria de Estado assinou contrato de gestão com o Instituto Acqua para gerenciar o Hospital Regional de Três Lagoas. Com prazo de 5 anos, o contrato tem valor de R$ 406,8 milhões, sendo R$ 6,7 milhões por mês.
Um mês depois, o Estado de Mato Grosso do Sul aditivou o contrato em R$ 14 milhões para aquisição de equipamentos para o hospital. Em setembro de 2022, o segundo termo aditivo repassou R$ 17,3 milhões à Instituição, para construção do bloco C e ala materno-infantil.
O hospital regional de Ponta Porã foi entregue para gestão do Instituto Acqua em dezembro de 2019, com contrato de R$ 27 milhões e valor mensal de R$ 4,5 milhões. Até agosto de 2023, o contrato recebeu 22 termos aditivos.
Não há informações disponíveis sobre o Hospital de Dourados no portal da transparência do Instituto Acqua.
Instituto Acqua é investigado em vários estados
A atual OS (Organização Social de Saúde) contratada pelo Governo do Estado para gerir os Hospitais Regionais de Mato Grosso do Sul tem histórico de investigações em estados por onde passou. Em 2020, o Jornal Midiamax noticiou que o TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) pediu, por meio de liminar, o afastamento da instituição do hospital regional de Ponta Porã.
Improbidade, superfaturamento, desvio, ausência de qualidade técnica e até ações trabalhistas integram a denúncia contra a entidade, contratada em março de 2019 por processo de dispensa de licitação. Encerrado o prazo de 180 dias da contratação, que custou R$ 27 milhões aos cofres públicos, o Acqua sagrou-se vencedor de licitação e aguarda assinatura de contrato administrativo.
Hospital Regional passa por falta de insumos e profissionais
No dia 15 de janeiro, o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul suspendeu as cirurgias eletivas por cinco dias e limitou as visitas a pacientes, sob alegação de alto número de funcionários com atestado médico. Mas reportagem do Jornal Midiamax revelou que, na verdade, a suspensão das cirurgias ocorreu por déficit de quase 300 profissionais só do setor da Enfermagem.
Ricardo Bueno, do Sindicato dos Trabalhadores em Seguridade Social de MS, afirma que atualmente o Hospital Regional tem 300 profissionais da enfermagem contratados, sem vínculo empregatício. Esse número representa em torno de 25% do quadro da enfermagem do hospital.
Além disso, diversas reportagens do Jornal Midiamax mostram a falta de insumos básicos no hospital estadual, como copos descartáveis e até álcool 70. A secretária adjunta da SES, Christinne Maymonne, afirma que o Estado terá mais celeridade nos processos de licitação para compra de insumos, sem falar sobre um possível sucateamento do hospital.
Governo abre concurso após denúncias
Em segunda edição extra do Diário Oficial do Estado de quinta-feira (18), o Governo do Estado, por meio da SAD (Secretaria de Estado de Administração), divulgou abertura de concurso público para 279 cargos vacantes em Gestão de Serviços Hospitalares.
A publicação acontece após reportagens do Jornal Midiamax retratarem a defasagem no quadro de funcionários e a demora em oito meses para lançar edital do concurso, mesmo com certame autorizado.
O último concurso realizado para preencher vagas no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul foi há 10 anos. Com a saída de muitos funcionários, seja por aposentadoria, licenças ou outros motivos, o quadro está cada vez mais defasado.