Denúncias de maus-tratos e até cárcere privado levaram equipes da Polícia Civil e do MPF (Ministério Público Federal) até uma clínica que trata dependentes químicos, no Parque dos Poderes, em Campo Grande.
Cerca de 30 pacientes deixaram o local durante a inspeção conjunta, que ainda mobilizou o MPE (Ministério Público do Estado), a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, o CRF-MS (Conselho Regional de Farmácias de Mato Grosso do Sul), o MPT-MS (Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul) e a assistência social.
De acordo com a procuradora regional dos direitos do cidadão em Mato Grosso do Sul, Samara Yasser Yassine Dalloul, alguns pacientes estavam sendo mantidos involuntariamente na clínica, o que não é permitido.
As instituições ainda apuram se as demais supostas irregularidades procedem. A previsão é de que um laudo seja concluído em até uma semana. Apesar de toda a movimentação, a Clínica Terapêutica Fazendinha segue atendendo normalmente os demais pacientes que continuam no local. A unidade nega as denúncias.
“Houve uma movimentação grande de pacientes involuntários, e esse tipo de local não é adequado para fazer a internação de pessoas; não existe acolhimento involuntário em comunidade terapêutica. Então, nós demos assistência para quem queria sair, algumas famílias vieram buscá-las, mas o local não se encontra interditado. Os acolhidos que prestaram a vontade de permanecer, permaneceram.”
Samara Yasser Yassine Dalloul, procuradora regional dos direitos do cidadão em Mato Grosso do Sul.
A investigação está sendo conduzida pela 3ª DP (Delegacia de Polícia Civil) de Campo Grande. A reportagem entrou em contato com a delegado responsável pelo caso, mas ainda não obteve retorno.
Dona de casa, de 52 anos, é mãe de um dos pacientes internados na clínica. Ela internou o filho, de 37 anos, há três meses no local e afirma que ele era bem atendido no local, mas decidiu levá-lo para casa diante da movimentação.
“Não tem condições dele sair, ele é uma pessoa que não responde por ele, ele não sabe o que vai fazer, mas quando eu cheguei aqui encontrei muita gente e decidi que vou levar ele embora, porque dizem que ele não pode ficar. Mas acho tudo isso muito errado. Um dependente químico que está na rua não vai querer ficar internado, vai querer ficar na rua, e quem vai cuidar dele na rua?”
Dona de casa, de 52 anos.
O que diz a clínica
De acordo com o advogado Bruno Camati, os pacientes da clínica podem receber a visita de familiares, e a unidade também não proíbe a saída dos dependentes em tratamento. A unidade também está com toda a documentação em dia, conforme o advogado.
“Imaginamos que, pela proximidade com o final de ano, alguns (pacientes) fizeram alguma denúncia infundada, tentando buscar uma saída, sendo que aqui é um espaço terapêutico. Eles podiam ter feito um requerimento, por sua própria vontade, para sair. Houve um ‘motim’ entre os pacientes, o que ocasionou a saída de muitos que estavam em tratamento, e isso é muito prejudicial para eles. Vamos responder a todos os requerimentos e fazer as readequações que eles solicitarem.”
Bruno Camati, advogado da Clínica Fazendinha.
Conforme Bruno, cerca de 100 pacientes estavam em acompanhamento na clínica. O espaço foi inaugurado há um ano e dois meses e, desde então, atende pacientes dependentes do uso de drogas e álcool. Três psicólogos acompanham os pacientes. Um deles é Roberto Chaparro, que classificou a operação como ‘abrupta’.
“Foi uma abordagem que a gente não considera ideal pela forma como foi feita, muito abrupta. Muitos deles vivem esse conflito de querer sair, de não querer ficar, mas entendiam os benefícios de estar acolhidos. É um conflito natural, mas eles ficavam. Aí, quando você chega com essa abordagem, quase que induzindo eles a saírem, eles acabam decidindo sair mesmo.”
Roberto Chaparro, psicólogo.