Os desgastes entre os três Poderes ganharam novo capítulo após o ministro Cristiano Zanin atender a um pedido do governo Lula (PT) e suspender trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha de empresas e prefeituras.
Com a decisão, o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso devem ter novos embates, o que também vai resvalar no Palácio do Planalto, uma vez que o pedido partiu de lá e o ministro Zanin é visto como próximo ao governo -foi advogado de Lula antes de ser indicado para a corte.
Nesta sexta-feira (26), o ministro Flávio Dino, que era titular da pasta da Justiça do governo e também foi indicado pelo presidente para o tribunal no atual mandato, votou na ação concordando com a decisão de Zanin.
Uma ala do STF admite que a ação proposta pela União deve potencializar uma série de atritos entre o tribunal e o Legislativo, que acusa o Judiciário de interferir em decisões do Parlamento.
A mesma avaliação existe entre líderes do Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já prometeu reação à decisão de Zanin e conversará com aliados nesta sexta-feira (26) para definir o que vai fazer.
O caso ainda será analisado pelo plenário da corte. Auxiliares jurídicos de Lula se dizem confiantes de que a maioria dos demais ministros do Supremo vai referendar a solicitação da União.
A polêmica sobre a decisão do ministro se dá pelo fato de o STF ter, na prática, derrubado, de forma monocrática, normas aprovadas pelos deputados e senadores, o que é lido como uma afronta.
Os parlamentares reclamam sobretudo da postura do governo, que propôs a ação no Supremo, após ter buscado com o Congresso um meio-termo em relação à desoneração da folha.
Integrantes do governo afirmam que não havia alternativa a não ser entrar na Justiça. Dizem que Lula enviou uma medida provisória sobre o tema ao Parlamento no final do ano passado para evitar justamente judicializar o tema. A primeira opção que estava na mesa do governo desde dezembro era recorrer ao STF.
Aliados de Lula reclamam que o Congresso, por sua vez, decidiu retirar a prerrogativa do presidente. Esses auxiliares do chefe do Executivo ponderam que ainda estão abertos a dialogar com o Congresso e que o governo quer evitar embates entre as instituições.
O imbróglio ocorre duas semanas após um jantar de Lula com os ministros do STF Zanin, Dino, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. O encontro ocorreu na casa de Gilmar. Estavam também no jantar os ministros Ricardo Lewandowski (Justiça) e Jorge Messias (Advocacia-Geral da União).
Na ocasião, foi feita uma avaliação da conjuntura política atual, e de que há focos de atritos entre os Poderes. A questão da desoneração, porém, não foi tratada no jantar.
Os participantes saíram de lá com a intenção de procurar integrantes do Parlamento e esfriar os ânimos. Moraes conversou com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e o da Câmara, Arthur Lira. Lula também se reuniu com Lira e pretende ter um encontro com Pacheco.
A decisão de Zanin, tomada na quinta-feira (25), além de suspender trechos da desoneração da folha de empresas, também corta a alíquota previdenciária de prefeituras.
O benefício reduz a carga tributária na folha de pagamento -neste caso, a de empresas e administrações municipais. A ação foi apresentada ao Supremo na quarta (24) e assinada pelo próprio presidente e pelo chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias.
A suspensão do benefício tem efeito imediato, mas ainda será submetida ao demais ministros do Supremo. A avaliação do tema no plenário virtual começou nesta sexta e segue até o dia 6 de maio.
A desoneração da folha foi criada em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas vezes. A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.
No ano passado, o benefício havia sido prorrogado até o fim de 2027, prorrogação aprovada pelo Congresso e estendida às prefeituras. No entanto, o texto foi integralmente vetado por Lula. Em dezembro do mesmo ano, o Legislativo decidiu derrubar o veto.
A desoneração vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.
O principal argumento é que a desoneração foi aprovada pelo Congresso “sem a adequada demonstração do impacto financeiro”. O governo diz que há violação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e da Constituição.
Na decisão liminar -ou seja, provisória-, Zanin considerou que, sem indicação do impacto orçamentário, poderá ocorrer “um desajuste significativo nas contas públicas e um esvaziamento do regime fiscal constitucionalizado”.
A liminar repercutiu entre congressistas e setores produtivos. Para Pacheco, o governo Lula errou “ao judicializar a política e impor suas próprias razões, num aparente terceiro turno de discussão sobre o tema da desoneração da folha de pagamento”.
O presidente do Senado também afirmou respeitar a decisão de Zanin e que buscará apontar os argumentos do Congresso Nacional ao STF pela via do devido processo legal.
Zanin afirmou ainda que cabe ao STF ter “um controle ainda mais rígido para que as leis editadas respeitem o novo regime fiscal”. Hoje, no país vigora o chamado arcabouço fiscal.
A crise entre os três Poderes vem aumentando desde o ano passado, após uma série de votações do tribunal em temas polêmicos, como o marco temporal, que tramita como projeto de lei, a descriminalização das drogas e a liberação do aborto para até 12 semanas após a concepção.
Entre os conflitos mais recentes entre STF e Congresso, o adiamento da análise de vetos presidenciais em abril deste ano causou irritação de Lira, e o clima entre o governo e a cúpula da Câmara dos Deputados não teve melhora. Também não há harmonia entre os comandos da Câmara e Senado.
O Senado também aprovou proposta que criminaliza porte e posse de drogas em reação ao STF, que voltou a julgar descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. A votação, no entanto, já foi interrompida por pedido de vista pelo ministro Dias Toffoli.
Temas como a PEC que permitiria ao Congresso derrubar decisões do Supremo e a limitação de decisões individuais de ministros do Supremo também contribuíram para a progressão de desgastes entre as partes.