O crescimento desordenado das energias renováveis no Nordeste ameaça onerar ainda mais a conta de luz dos brasileiros, já inflada por subsídios concedidos a diversos segmentos da economia, incluindo as próprias energias renováveis.
Empresas do setor e governo discutem na Justiça uma fatura que já chega a R$ 1,2 bilhão, provocada pelo descasamento entre a implantação de usinas geradoras de energia e a expansão do sistema de transmissão.
As companhias querem ressarcimento por cortes involuntários na geração, intensificados por restrições impostas pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) à transferência de energia para o resto do país após o apagão de agosto de 2023.
Sem linhas suficientes para escoar a eletricidade, essas usinas têm sido obrigadas a parar por determinados períodos do dia, um processo conhecido como “curtailment”, comum no setor mas que se agravou após a apagão.
As empresas de renováveis alegam que, como não são responsáveis pelos cortes, devem ser ressarcidas pela perda de receita. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) entende que a regulamentação não prevê ressarcimento nesse caso.
Há hoje três tipos de corte involuntário de geração previstos pela agência: quando falhas em equipamentos de terceiros afetam o gerador, quando há riscos à confiabilidade do sistema ou quando há mais energia do que consumo.
O ONS diz em nota que os cortes atuais atendem justamente os dois requisitos para os quais a Aneel não prevê ressarcimento: confiabilidade do sistema e excesso de geração.
Associações que representam geradores solares e eólicos dizem que a queda na receita já vem afetando a saúde financeira dos projetos mais impactados, principalmente no Ceará, epicentro do apagão de 2023, e no Rio Grande do Norte.
“Os cortes prejudicam o fluxo financeiro e, consequentemente, a capacidade das empresas para honrarem contratos, empréstimos e pagamento de fornecedores”, diz o presidente da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica), Rodrigo Sauaia.
A Abeeólica, que representa a energia eólica, diz que, nas regiões mais afetadas, cortes podem chegar a 70% da receita de empreendedores. A entidade afirma que essas perdas podem ser compensadas em novos contratos de venda de energia, com aumento de custos para a indústria brasileira.
O setor foi à Justiça pedir liminar para que os valores sejam adiantados –venceu em um primeiro momento, mas depois a decisão foi derrubada. As empresas argumentam ainda que o debate gera insegurança jurídica sobre os investimentos.
O ressarcimento previsto em lei é pago com recursos da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que abrange os subsídios pagos pela conta de luz e é hoje um dos principais fatores de pressão sobre o custo da eletricidade no país.
A Abeeólica diz que o impacto sobre a conta de luz é pequeno: pagar os cerca de R$ 700 milhões que o setor pleiteia custaria um aumento de apenas 0,04% ao consumidor, diz o diretor regulatório da entidade, Francisco Silva.
“Mas quando estamos falando de quanto as geradoras estão colocando de acréscimo na conta de energia (de seus clientes), a alta é superior.”
O problema vem sendo alvo de alertas da EPE (Empresa de Planejamento Energético) e do próprio ONS há anos –em 2021, o então presidente da EPE, Thiago Barral (hoje no Ministério de Minas e Energia), já havia demonstrado preocupação com o tema em entrevista à Folha.
Mas o próprio governo vem impulsionando o crescimento desordenado com a recorrente prorrogação de subsídios para a instalação de novos parques eólicos e solares no país. O incentivo à geração distribuída, também subsidiada, ajudou a criar excedentes de energia renovável no país.
Neste mês, o ONS apresentou ao mercado uma alteração na metodologia de definição dos cortes, que resultará em um número maior de usinas afetadas, mas por menos tempo cada uma. A proposta divide a obrigação de parar operações por um conjunto maior de geradores.
Para a Absolar, embora reduza o prejuízo dos mais afetados, não resolve o problema do setor, ao não endereçar a questão dos parâmetros para definir os ressarcimentos. O ONS diz que a solução “visa aumentar a confiabilidade da operação e tem como efeito indireto reduzir a concentração de cortes”.
A advogada Elise Calixto, sócia responsável pela área de Energia do FAS Advogados, acha que a solução pode ser uma repactuação dos contratos, como ocorreu quando as hidrelétricas viveram problema semelhante.
Nesse caso, empresas que tinham ações judiciais para receber ressarcimento por cortes de geração abriram mão das disputas em troca de mais prazo de concessão. O governo, por outro lado, deixou mais claras as regras para os cortes.