Quase que por unanimidade, como já era esperado, o projeto conhecido como “Lei do Pantanal” passou nesta quinta-feira (7) em primeira discussão na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (Alems). O texto da Lei do Pantanal define a forma como os proprietários rurais poderão usar recursos naturais e traz uma série de vedações, como agricultura e produção de carvão. Além disso, o projeto estabelece as fontes de financiamento para o Fundo Clima Pantanal.
A proposta do Governo do Estado recebeu cinco emendas e, como já havia adiantado o relator João César Mattogrosso (PSDB), não trouxeram “nenhuma mudança expressiva ao texto encaminhado ao plenário”. Segundo ele, envolvem “a permanência da parte de confinamento e também de plantio de soja já existente”.
Durante os votos, 19 a favor e um contra do deputado João Henrique Catan (PL), deputados classificaram o momento como histórico, entre eles José Orcírio Miranda dos Santos, o “Zeca do PT”, que destacou a possível vinda da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a Mato Grosso do Sul, para um evento em comemoração à lei.
Pedro Kemp (PT) elogiou o governo pela forma como conduziu as discussões: “Me impressiona o projeto porque ele é bom, atende bem o que queríamos que é a preservação do Pantanal. Parlamentares de Mato Grosso estão elogiando a lei que vamos aprovar aqui em MS”.
O relator da proposta Renato Câmara (MDB) também elogiou. “Eu quero enaltecer o trabalho em particular do governador Eduardo Riedel pelo diálogo para construir uma lei tão importante como essa abrindo espaço para o debate tanto das instituições, das ONGs, das federações e a participação dos agricultores.”
Engrossando coro dos deputados, o presidente do Instituto Homem Pantaneiro, coronel Ângelo Rabelo, acompanhou a votação e falou do avanço histórico. “No sentido de equilibrar os interesses. Certamente vai sempre promover alguma reação contrária, mas eu diria que é mais pela incompreensão da oportunidade do que por uma provável restrição, então esse que é o primeiro ponto”. Ele ainda destaca que a lei traz oportunidades para um cenário futuro, como é o caso do carbono.
Quem também acompanhou a votação nesta manhã foi o presidente do SOS Pantanal, Alexandre Bossi. “Essa lei atende mesmo todos os aspectos de preservação do Pantanal e também as condições para o pantaneiro continuar vivendo lá. A gente está aqui porque é o momento histórico. É a primeira lei do Pantanal em Mato Grosso do Sul. Mato Grosso já tinha uma lei desde 2008, depois foi refeita em 2022”.
O ambientalista ressalta ainda que “os pantaneiros de hoje receberam um legado que eles poderão agora se beneficiar a partir principalmente desse reconhecimento que a sociedade tem que compartilhar, o custo de proteger áreas sem serem transformadas”.
Tramitação – Os trâmites e os prazos do projeto foram definidos em acordo de líderes. Até o dia 13 de dezembro, serão expedidos os relatórios e pareceres das comissões de mérito. No dia 14, há segunda discussão e votação em plenário. A redação final será votada no dia 19 e segue para sanção do governador Eduardo Riedel.
O projeto veda a criação de novos assentamentos rurais, exceto para acomodar quem já vive no Pantanal. Diques, drenos, barragens e outras formas de alteração do curso das águas ficarão proibidos, exceto as necessárias para cumprimento de função pública e como autorização de órgão ambiental. Também são apontadas como incompatíveis centrais hidrelétricas e gado para criação confinada. Quem tem atividade carvoeira poderá seguir até o vencimento de licença.
Licenças para desmatar – O texto prevê que somente serão concedidas autorizações para imóveis com inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), sem registro de irregularidades nos três anos anteriores, com pecuária realizada com técnicas sustentáveis de manejo e estudo de impacto ambiental quando se tratar de área superior a 500 hectares.
Para áreas abaixo disso, serão definidas regras administrativas. Conforme o texto, havendo extrações acima de 50% da área, haverá estudo especial e a autorização vai se limitar a mil hectares.
A lei vai prever, também, que situações já autorizadas ou mesmo realizadas de forma irregular “em um intervalo de cinco anos” serão enquadradas nos novos parâmetros. Quem cometer irregularidade vai ficar impossibilitado de ter acesso a autorizações até que demonstre ter revertido a situação que causou. Propriedades com vegetação nativa que se estenda até 60% da área poderão fazer uso de até 40% para manejo.
Pelo projeto de lei, somente podem ser introduzidas nas Áreas de Uso Restrito (AURs) do Pantanal espécies exóticas que sejam reconhecidas por órgãos especializados. Nessas áreas, ficam vedadas atividades agrícolas, com menção específica da soja, eucalipto e cana-de-açúcar. Há exceção para situações já consolidadas.
Limpeza e retirada de espécies invasoras não serão consideradas irregulares, mas demandarão licenciamento, exceto quando se tratar de situações de limpeza com roçadeiras, foices e enxadas. O texto admite a prática da queimada, com cautela para evitar incêndio e regras a serem fixadas pelo Executivo.
Presença da pecuária – Pelo projeto, alguns trechos do Pantanal são classificados como preservação permanente: salinas, veredas, landis e meandros abandonados. Será permitida a presença do gado criado de forma extensiva em locais com acesso à água, como baías, corixos, na tradição pantaneira, desde que a presença não provoque degradação. Nas APPS e AURs (áreas de uso restrito, com vegetação típica do Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica) o gado também poderá ser criado, se não causar prejuízo à biodiversidade, ao fluxo gênico de flora e fauna ou risco de prejudicar o solo ou bem estar das comunidades. Até as reservas poderão ser usadas para a cria, desde que existente pasto e a presença contribuir para a redução de material vegetal que favoreça risco de incêndios florestais.
Fundo de preservação – Além de criar obrigações e restrições, o projeto de lei também cria o Fundo Clima Pantanal, prevendo várias possibilidade de composição dos valores, como convênios, doações de pessoas físicas e jurídicas nacionais ou estrangeiras, instituições, convênios, destinação de receitas de outros fundos voltados ao meio ambiente, aportes do poder público, créditos de carbono e metade do que for obtido em multas ambientais por infrações nas AURs. Até emendas parlamentares poderão contribuir com o fundo.
Importância – O Pantanal ocupa um terço do território de Mato Grosso do Sul. Dos 15,1 milhões de hectares da área total do bioma, 9,7 milhões de hectares ou 64% estão em terras sul-mato-grossenses, conforme dados do Instituto SOS Pantanal. Maior área úmida do planeta, o Pantanal é reconhecido pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera. Abriga pelo menos 4.700 espécies, sendo 3.500 espécies de plantas, 650 de aves, 124 de mamíferos, 80 de répteis, 60 de anfíbios e 260 espécies de peixes de água doce.