De cor chamativa e sabor agridoce, o mirtilo ainda é pouco difundido no Brasil, por ser majoritariamente produzido e consumido em países do hemisfério Norte. No cerrado brasiliense, porém, o blueberry — como também é conhecido — começa a conquistar espaços em feiras, caindo no gosto de quem procura por novas opções de frutas e, claro, por saúde, em vista do alto teor nutritivo.
As irmãs Leandra, 43, e Zuilene Lima, 44, entendem bem do assunto. Além de serem apaixonadas por mirtilo, elas passaram a produzi-lo em sua propriedade, em Sobradinho. Influenciadas pelo pai, que tinha uma chácara, a dupla sempre viu o campo como refúgio do estresse urbano. Quando saíram da “‘selva de pedra Águas Claras”, conforme comentou Leandra, as duas sentiram a necessidade de empreender em algo relacionado à agricultura familiar ou ao turismo rural. “Gostamos de cuidar da terra, é um legado das nossas raízes”, disse a caçula, que também é advogada.
Foi em um estande na AgroBrasília de 2022, que elas conheceram o fruto e se encantaram com a possibilidade de cultivá-lo. Com muito estudo e trocas de conhecimento com outros produtores, a ideia se materializou no ano seguinte. Nasceu, então, o Cerrado Blue, um cultivo familiar e artesanal de mirtilo, comercializado em feiras, via contato direto com o consumidor. Além das irmãs, o empreendimento também foi encabeçado por Valdo Alvarenga, 45, marido de Leandra.
Ed Alves/CB/DA.Press – Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Produção de Mirtilo e os produtos com a Fruta.
Versatilidade
A primeira plantação se deu em janeiro deste ano, mas a colheita começou sete meses depois. “Estamos na fase de entender como o pomar funciona. Já sabemos, por exemplo, que, em um mesmo pé, os mirtilos se apresentam em diferentes fases, alguns mais verdes, outros mais maduros”, explicou Leandra, que atualmente está fazendo um curso de técnica em agronegócio, para se aprofundar no assunto.
Com alto investimento, tanto na parte da irrigação quanto do plantio, os produtores demandam ocasionalmente mão de obra apenas para a manutenção da cultura. Mas, da preparação do solo — feita com o usos de palha de arroz e turfa — à participação em feiras, o trabalho é realizado pelo trio. São eles que também elaboram produtos derivados dos mirtilos, como geleias, doces e sucos. Este último será comercializado em breve.
Segundo Zuilene, os clientes procuram diferentes formas de consumir o alimento. “Por isso, vamos nos arriscando na cozinha, para ver o que funciona e agrada”, contou. Na colheita, que é diária, nada é desperdiçado, de forma que frutas já murchas são usadas para fazer sobremesas e as folhas para fazer chás. Atualmente, os empreendedores contam com cerca de 2 mil plantas de blueberry, além de produzirem e comercializarem a physalis, fruto envolvido por um cálice de folhas finas e com gosto cítrico.
“Muitas pessoas que vêm até nós por curiosidade nunca tinham experimentado mirtilo antes. Então, acabam se surpreendendo com o gosto e a textura, e se interessam em conhecer mais sobre seu benefício”, revelou a caçula. O contato direto com os clientes permite também a troca de experiências acerca do alimento. “Uma senhora nos contou, certa vez, que sofria com graves problemas no rins e que, quando começou a consumir mirtilos a situação melhorou consideravelmente. Adoramos receber esses relatos e costumamos dizer que não vendemos frutas, mas sim saúde”, completou.
Para o próximo ano, a expectativa é investir em turismo rural na propriedade, oportunizando aos visitantes o contato com a natureza, a fim de que possam conhecer, colher e provar os mirtilos. Também para 2024, o Cerrado Blue pretende assumir a cadeia de produção das demais frutas vermelhas, iniciando o projeto com framboesas e amoras. “O retorno tem sido positivo, mas o melhor mesmo é poder trabalhar com algo que admiramos e temos carinho”, concluiu Leandra.
Ed Alves/CB/DA.Press – Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Produção de Mirtilo e os produtos com a Fruta. Produtoras – irmãs e Socias Leandra Lima (boné) e Zuliene Lima.
Adaptação ao Cerrado
Para quem já conhece o mirtilo, é comum haver o questionamento de como essa fruta, normalmente produzida em lugares de clima ameno, tem se adaptado ao tempo seco do Distrito Federal. Segundo Felipe Camargo, engenheiro agrônomo e extensionista rural da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF (Emater), essa possibilidade se deve à escolha da variedade adequada ao clima local, como a Biloxi, tipo de blueberry, que prospera no quadradinho. “Variedades da região Sul, por outro lado, não podem ser produzidas aqui, pois dependem do frio para se desenvolver”, explicou o especialista.
Este ano marca o início dos primeiros grandes cultivos da fruta no DF, que atualmente possui seis produtores, espalhados pelas cidades de Sobradinho, Lago Oeste, Ceilândia e Brazlândia. No momento, o objetivo é expandir o número de agricultores, visto que há uma margem considerável de consumo na região. “Temos consumidores com bom poder aquisitivo e um mercado que geralmente aceita bem essas novidades, portanto, é uma ótima oportunidade”, avaliou Felipe.
O extensionista reconhece que não se trata de uma cultura barata, porém o retorno costuma compensar os gastos iniciais, que giram em torno de R$ 250 mil. A partir do segundo ou terceiro ano de cultivo, tem-se, considerando a produção em um hectare de terra, cerca de 20 toneladas de mirtilos e uma receita de R$ 500 mil, por ano.
Recentemente, a Rota da Fruticultura, ação do Ministério do Desenvolvimento Regional que visa fomentar e motivar novos agricultores na produção de frutas no DF e Entorno, tem dado maior visibilidade à plantação de mirtilos e açaí na região, de forma que 40 produtores já se interessaram pelo cultivo da fruta.
Longevidade
O mirtilo é rico em antocianinas, substância anti-inflamatória responsável pela coloração azul e com potencial de prevenir diferentes doenças, inclusive alguns tipos de câncer, conforme ressaltou Cynara Oliveira, nutricionista e supervisora de Nutrição do Hospital Santa Lúcia.
Há estudos que dizem que a fruta, além de ser rica em antioxidantes e em vitaminas, pode baixar níveis de açúcar no sangue, controlar o colesterol ruim, combater os radicais livres e, consequentemente, o envelhecimento precoce. “O ideal é consumir 25g por dia, de preferência in natura, para garantir todas as propriedades nutricionais que ela pode oferecer”, explicou a especialista.
Crédito: Arquivo pessoal – Tereza da Silva em seu cultivo de mirtilos, em Sobradinho
Mudança de vida
No auge da pandemia de Covid-19, a agricultora Tereza da Silva, 57, passou pelo susto de ter o marido internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por conta do vírus. Com problemas musculares e neurológicos, ele fez tratamentos e fisioterapias, mas a recuperação era lenta. Então, o casal buscou alternativas naturais que pudessem contribuir para a melhora das sequelas e, depois de muitas pesquisas, conheceram os benefícios do mirtilo.
Bem-vinda, a fruta tornou-se, não apenas incremento à dieta da família, mas possibilidade de rentabilidade, visto que Tereza já cultivava feijão, milho, maracujá, morango e abacaxi, na chácara agroecológica Nossa Senhora das Graças, em Sobradinho. Em 2022, o projeto foi colocado em prática e, em um viveiro de 30 metros, plantaram 300 mudas de mirtilos.
“Nesse início, tivemos perdas e colheitas, mas conseguimos nos recuperar bem”, relatou, recordando que o investimento foi de cerca de R$ 30 mil. “O retorno não é imediato, mas estamos começando a colher os frutos do empreendimento. A rentabilidade é boa, mas é preciso fazer os benefícios da fruta chegarem a todos”, completou a agroecóloga, que cultiva as espécies Emerald e Bilox, adaptadas ao solo do cerrado.
Atualmente, as vendas são realizadas em feiras e em grupos do WhatsApp. Além de comercializar a fruta in natura, Tereza também produz geleias, que, segundo ela, têm grande saída.
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