O apelido wagyu dos mares cai como uma luva no bluefin, atum que se tornou a estrela dos restaurantes de cozinha japonesa. Com alto teor de gordura, que equivale ao marmoreio do kobe beef, o peixe é o mais caro do mundo.
Em Tóquio, onde é vendido em leilão, um bluefin de 278 quilos foi arrematado, em 2019, por US$ 3,1 milhões (R$ 17 milhões). Pessoas familiarizadas com o setor garantem que os leilões não passam de golpe de marketing, para manter o status (e os preços da mercadoria). Até pode ser, mas os bluefins que chegam ao Brasil estão longe de ser baratos.
No restaurante Atsui, no Jardim Paulista, o sashimi de barriga de bluefin, o corte mais valorizado pelo alto grau de marmoreio, custa R$ 56 -este é o preço de uma única fatia de peixe. No Aima, no térreo do shopping Iguatemi, o par de sushis com o mesmo corte sai por R$ 136.
A rede Kitchin, com três casas em São Paulo, realizou no último dia 19 uma cerimônia kaitai na unidade do Itaim Bibi -um bluefin inteiro, de 160 quilos, foi aberto pelo sushiman David Fonseca diante de 61 convidados, selecionados entre clientes assíduos, que desembolsaram R$ 590 pelo menu.
“Foram necessárias sete pessoas para tirar o atum do caminhão”, conta o chef, que destinou parte dos cortes a um menu-degustação, servido nos quatro dias seguintes à cerimônia, até 23 de agosto. A R$ 380 por pessoa, inclui três sushis, três sashimis e um temaki.
Considerado um dos maiores especialistas em atum no Brasil, o chef André Saburó Matsumoto, do restaurante Quina do Futuro, em Recife (PE), explica que o Thunnus thynnus, nome científico do bluefin, é a espécie de atum que mais acumula gordura na barriga.
“Esse pneuzinho, que se chama otoro, é mesmo como um wagyu (carne bovina com gordura entremeada na fibra muscular e, por isso, extremamente macia), todo marmorizado, de coloração rosada de tanta gordura. Quando a gente come, enche a boca.”
Outros cortes também são apreciados, mas custam menos. Entre eles estão o akami, ou lombo, próximo à espinha dorsal, bem vermelho por ter menos gordura, e o chutoro, entre a barriga e o lombo, com cor e teor de gordura intermediários.
A espécie vive em águas profundas, na porção norte dos oceanos Atlântico e Pacífico, e atinge grande velocidade. Segundo o oceanógrafo Rodrigo Sant’Ana, pesquisador da Universidade do Vale do Itajaí, o acúmulo de gordura é fruto da alimentação.
“O bluefin tem a mesma capacidade dos outros atuns de controlar a temperatura do corpo. Mas, como cresce muito, precisa de uma dieta considerável à base de sardinhas, lulas, anchovas e moluscos.”
De vez em quando aparece um bluefin no nosso litoral, entre o Norte e o Nordeste. No entanto, sua pesca é proibida -em 2014, o Thunnus thynnus entrou na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção do Ministério do Meio Ambiente e nunca mais saiu de lá.
De fato, a alta demanda, sobretudo no Japão, fez o bluefin quase sumir do mapa. Em 2021, porém, ele foi retirado, pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), da lista de espécies ameaçadas. A pesca voltou a ser autorizada, mas sob rígido controle dos estoques. No mar Mediterrâneo (que é parte do Atlântico), de onde vem boa parte dos bluefins consumidos no Brasil, a fiscalização cabe à Comissão Internacional para Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT), que determina cotas anuais para cada país.
Como a captura de atuns selvagens em alto mar exige que os peixes passem por ultracongelamento dentro do barco, o que encarece toda a cadeia, as chamadas fazendas de engorda se tornaram as grandes fornecedoras do mercado internacional.
Uma delas é a espanhola Balfegó, que abastece as importadoras brasileiras. Entre 26 de maio e 13 de junho, sua frota capturou, nas águas do Mediterrâneo, as três toneladas de bluefin a que tinha direito -a diferença é que os peixes não são pescados, mas cercados e conduzidos para uma estrutura flutuante no litoral espanhol, onde continuam a ser alimentados.
O abate acontece aos poucos, sob demanda. Mergulhadores usam pistolas para atordoar os atuns, sem machucá-los, e os levam para o barco, onde é aplicada a técnica japonesa chamada ikejime -a inserção de um objeto pontiagudo, na cabeça, provoca a morte instantânea, sem sofrimento.
A partir deste momento, começa a corrida contra o tempo. Na sede da Balfegó, em Barcelona, o bluefin é eviscerado, embalado em isopor com gelo e despachado de avião.
Rafael Barata, diretor de comércio exterior da Frescatto, de Duque de Caxias (RJ), que importa até cinco bluefins por semana, recebe o peixe fresco, apenas três dias após o abate.
“Assim que o peixe sai da água, me avisam o peso da peça. Calculo então a divisão dos cortes e começo a oferecer aos clientes. Tudo é muito rápido. Recebo o bluefin hoje e, amanhã, os cortes chegam aos restaurantes de Rio e São Paulo.”
É raro haver bluefin à venda no varejo, mas até isso começa a mudar. A Frescatto eventualmente oferece cortes frescos nas duas lojas próprias -400 gramas de akami (lombo) saem por R$ 196. Ambas ficam no Rio de Janeiro, mas uma loja-conceito será inaugurada em Moema, em São Paulo, em novembro.
A gaúcha Frumar, que também importa bluefin da Espanha para restaurantes de alta gastronomia, já tem um rótulo pronto para lançar cortes frescos no varejo. Segundo o diretor Eder Krummenauer, a novidade desembarca nos empórios paulistanos em outubro.
“O quilo do lombo deve chegar ao consumidor final por R$ 550, enquanto a barriga vai custar cerca de R$ 900 o quilo”, antecipa.
É de se estranhar que, com preços tão salgados, o bluefin já faça parte de alguns rodízios. Segundo Saburó, cortes perto da cauda custam muito menos do que a barriga e o lombo e podem estar sendo oferecidos como chamariz. Mas trata-se de uma carne mais dura e fibrosa.
“Não faz sentido, só para dizer que é bluefin. Melhor servir um corte nobre de atum nacional, cuja qualidade melhorou muito de uns anos para cá.”
Também há venda de gato por lebre. Em seu website, a Balfegó afirma que fraudes são comuns, já que grande parte do produto chega ao consumidor final em pedaços cortados e eles são parecidos com outros cortes de atum.
Segundo Saburó, é fácil identificar o verdadeiro bluefin -mas só no caso da barriga. “Não há outros atuns com a mesma cor e grau de marmoreio”, diz. Já a identificação dos demais cortes exigem olho mais treinado. O vermelho do bluefin, ele compara, é sólido, enquanto o atum brasileiro é translúcido. “Se você põe contra a luz, a luminosidade passa.”
Fonte: Notícias a la Minute