Já imaginou viver em um mundo em que a comunicação é o seu principal desafio? É assim que ao menos 50 mil pessoas vivem no Estado, segundo estimativa da Federação Desportiva de Surdos de Mato Grosso do Sul. Nesta sexta-feira, 26 de setembro, celebra-se, em todo o Brasil, o Dia Nacional do Surdo, mas quando o assunto é acessibilidade, a comemoração se cala.
Ainda que haja quantidade expressiva de surdos no Estado, o caminhar da inclusão segue a passos lentos. A Libras (Língua Brasileira de Sinais) é a principal ferramenta de comunicação de pessoas com deficiência auditiva. No entanto, apesar disso, ainda não está inserida nas disciplinas escolares.
Além do distanciamento nítido entre ouvintes e surdos – promovido pela falta da disseminação da ferramenta que torna a comunicação possível e clara, a ausência de Libras na grade escolar também impõe obstáculos no aprendizado das pessoas com surdez.
“As crianças surdas estão perdendo muito. Não vejo propostas sobre escolas bilíngues. Há possibilidade de abertura, mas o governo não quer”, lamenta o professor da Faculdade de Educação da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e presidente da Federação de Surdos de Mato Grosso do Sul, Adriano Gianotto.
Sobre isso, o professor recorda o fechamento do Ceada (Centro Estadual de Atendimento ao Deficiente da Audiocomunicação), que era uma escola bilíngue para surdos. Com o encerramento das atividades, os alunos foram remanejados para rede estadual de ensino.
“Fui um ex-aluno do Ceada. Era uma escola referência em Mato Grosso do Sul. Conheci vários surdos que estudaram ali. Era um lugar muito valoroso que fechou por conta das escolas inclusivas. Com isso, a maioria das famílias preferiu que os filhos estudassem próximos de suas casas. Isso foi um problema, um marco histórico. O governo mostrou um gráfico na época de profissionais contratados. Eram 83 profissionais e 12 alunos. O governo na época tinha razão em fechar, mas eu penso que faltou incentivo. Faltou chamar os alunos para aquele espaço porque hoje vemos a dificuldade desses alunos”, ressalta.
Falsa acessibilidade
O professor Adriano Gianotto – que também é doutor em Desenvolvimento Local – expõe o descontentamento com a ‘inclusão’ que ainda despreza as necessidades reais da comunidade surda.
Ele comenta que são várias as situações em que a acessibilidade oferecida apenas reforça o quão longe a sociedade está da inclusão. Em Mato Grosso do Sul, existe determinação da presença de intérpretes em shows, no entanto, na prática, trata-se de acessibilidade ineficaz.
“Já vi em eventos e shows o cantor bastante performático e o intérprete não parece demonstrar as mesmas emoções. A gente percebe que não está fazendo exatamente o que deveria. Alguns tiram certos termos. Quando há palavrão, por exemplo, o intérprete omite, ou nem conhece os termos. É importante entender que se o cantor está falando, ele precisa traduzir”, ressalta.
Inclusão depende de empatia
“Em palestras, por exemplo, muitas vezes o palestrante segue e o intérprete continua lá atrás porque o ouvinte não se preocupa com o que está sendo interpretado, não faz uma pausa e a interpretação em Libras depende disso. Não perdemos informação porque queremos, mas porque não existe pausa, não tem parceria. Muitas vezes o intérprete fica em um cantinho qualquer com retorno péssimo, som abafado, ruim de se entender. O intérprete enfrenta dificuldades enormes”, afirma.
A professora de Libras acredita que para que a comunicação em sinais de fato ocorra é necessário que haja sensibilidade e empatia entre os ouvintes.
“A Libras é uma língua viva, rica, com sinais incríveis, vários contextos e ainda existem muitos desafios. Falta essa sensibilidade, um olhar mais carinho e é por isso que na maioria das vezes o que é oferecido é uma falsa acessibilidade”, conclui.