Enquanto parte dos bairros continuava debaixo d’água, áreas onde a inundação havia baixado voltaram a ser tomadas pela enchente em Porto Alegre e mais cidades da região metropolitana da capital do Rio Grande do Sul nesta quinta-feira, 23. A situação ocorre em meio a um sistema de prevenção e bombeamento colapsado, chuva intensa e aumento no vento que represa o escoamento do Lago Guaíba, com as águas avançando até por locais antes não afetados.
Com o agravamento da situação ao longo da manhã, a prefeitura da capital gaúcha determinou a suspensão das aulas nas escolas privadas e públicas onde tinham sido retomadas. Parte dos estabelecimentos ainda estava fechada pelo impacto da enchente em bairros da cidade. O fechamento de outros equipamentos públicos em áreas alagáveis, como postos de saúde, também foi anunciado.
A situação também preocupa no interior, especialmente na “Região dos Vales” (no entorno dos Rios Taquari, Caí, Jacuí e Pardo, que deságuam no Guaíba) – uma das mais devastadas pelas enchentes – e na parte sul, no entorno da Lagoa dos Patos.
Com a chuva e forte correnteza, as águas romperam ao menos duas das passarelas instaladas pelo Exército para conectar localidades isoladas, entre Lajeado e Arroio do Meio e outra em Candelária. Segundo as Forças Armadas, todas as passadeiras estão interditadas e ninguém ficou ferido.
Além disso, o Estado tem registrado uma elevação nos casos de leptospirose entre pessoas que tiveram contato com a água contaminada, com quatro mortes confirmadas. As vítimas eram de Venâncio Aires e Travesseiro, no interior, e Porto Alegre e Cachoeirinha, na região metropolitana.
Segundo a Defesa Civil, em todo o Estado pelo menos 2,3 milhões de pessoas em 469 dos 497 municípios gaúchos foram diretamente impactadas por enchentes, por deslizamentos e pela chuva extrema Cerca de 581,6 mil pessoas estão desalojadas (“morando de favor”), enquanto 65,7 mil estão em abrigos.
Acima do esperado
O prefeito da capital gaúcha, Sebastião Melo (MDB), afirmou que a chuva extrema foi acima do que era esperado e agravou ainda mais a situação da cidade, atingindo mais bairros. Havia, contudo, avisos de grande precipitação, de até 200 milímetros. Ele afirmou, porém, que se esperava que fosse mais espaçada.
“Aquilo que era o problema das áreas alagadas estendeu-se praticamente por toda a cidade com essa chuvarada”, afirmou, em entrevista coletiva. Ele chamou a situação de uma “nova crise dentro da crise”. “É evidente que o alerta é para toda a cidade neste momento, com foco, evidentemente, nessas áreas já alagadas “
Além disso, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) fechou novamente as cinco comportas de contenção do sistema antienchente. O órgão anunciou que fará barreiras com sacos nos locais onde os portões foram arrancados a fim de acelerar o escoamento da água nos últimos dias.
Com a volta da chuva, mais resgates de pessoas ilhadas foram registrados em diversos bairros, principalmente na zona sul, onde a maior parte não é protegida por diques. O acúmulo de água atinge tanto bairros afetados em que a água estava baixando, como Menino Deus, Cidade Baixa e Centro Histórico, quanto outras que tiveram menor ou nenhuma inundação anteriormente, como Cavalhada, Restinga e Santana. Os novos pontos de alagamento estão relacionados ao transbordamento de córregos.
Horas após a situação causar preocupação e saída às pressas de bairros, a população voltou a reclamar da falta de orientação sobre para onde se destinar e o cenário estimado de avanço da água. “A prefeitura não foi pega de surpresa. A gente sabia que iria chover. Agora, a quantidade de chuva foi excessivamente forte pela manhã”, justificou o prefeito.
Em locais onde a água tinha baixado, como nas Ruas 21 de Abril e Alcides Maia, no bairro Sarandi, na zona norte, a elevação da enchente causou transtornos aos moradores, que já haviam limpado suas casas. A limpeza do Mercado Público da cidade também foi suspensa.
No Sarandi, parte de uma talude e uma via cederam com a erosão nesta quinta. Além disso, o avanço da inundação ocorre em um contexto em que a prefeitura havia orientado que a população colocasse entulho e demais resíduos da enchente nas ruas.
Saionara Gomes, de 52 anos, perdeu tudo nas enchentes. A água chegou a 1,5 metro dentro de sua casa. “Os móveis estão todos empilhados nos canteiros. Estou preocupada com toda essa chuva que está vindo agora. Ontem (quarta-feira), os garis estavam limpando, mas tem muitos bueiros entupidos”, disse preocupada a dona de casa, que ficou mais de duas semanas abrigada em casa de familiares junto com seus dois filhos.
Previsão
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) colocou grande parte da região central, metropolitana e sul do Estado (as mais atingidas pelas enchentes) como de “grande perigo” pelo acumulado de chuva. “Chuva superior a 60 mm/h ou acima de 100 mm/dia. Grande risco de grandes alagamentos e transbordamentos de rios, grandes deslizamentos de encostas, em cidades com tais áreas de risco”, alertou o órgão.
Na entrevista coletiva ontem, o prefeito de Porto Alegre também respondeu às críticas da população. O Estadão já havia mostrado uma série de problemas na gestão de crise da cidade ao longo do avanço das enchentes. “Tão logo começou a acontecer, tomei a decisão: vim para o Dmae e para a Comissão Permanente de Crise, e tomamos as decisões. Alguém há de dizer: ‘Prefeito, você poderia ter feito isso ontem’. Esse pode ser o questionamento de muitos e eu respeito essa posição. Mas penso que nós agimos”, justificou. “Em um momento de crise, tudo é difícil. Poderiam ter suspendido as aulas antes? Talvez pudéssemos”, completou.
“Há sim, sem dúvida nenhuma, pelo volume de chuvas, aquilo que já era problemático potencializou fortemente com essa chuvarada. Você tem uma cidade que está completamente alagada nesses últimos 20 dias e cai mais 100 mm de chuva por m² em toda a cidade, evidentemente que isso potencializa enormemente.”
Já o diretor-geral do Dmae, Maurício Loss, disse que o acúmulo de lodo e sujeira também tem contribuído com a dificuldade de escoamento da água. “Temos uma rede extremamente sobrecarregada, seja por água, na sua capacidade reduzida, porque há um grande acúmulo de areia e lodo depositado sobre essa rede. Então, diminui ainda mais a eficiência dessa rede, o que faz com a água fique mais superficial, visto que tivemos um grande volume de chuva”, afirmou.
Além disso, defendeu que o departamento tem buscado retomar o sistema de bombeamento nas casas de bombas colapsadas. Atualmente, 10 das 23 estão em funcionamento, de forma parcial. No auge da crise, apenas quatro operavam.