O governo federal definiu como prioridade a concessão da hidrovia do Rio Paraguai, no trecho de 590 quilômetros entre Corumbá e Porto Murtinho (Foz do Apa), cuja modelagem está em análise no Ministério de Portos e Aeroportos.
Contudo, não há um entendimento entre seus órgãos hidroviário e ambiental quanto ao licenciamento para recuperação e manutenção da via. Resumindo, o investidor não terá garantias jurídicas para operar no rio com volume robusto de cargas.
Conforme adiantou o Correio do Estado na semana passada, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) comemorou como “histórica” a aprovação da proposta de transferir a hidrovia para o capital privado, enquanto o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) decretou, por meio de nota técnica, a exigência do Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima).
Já o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) busca uma saída, em vão, nesse embaraço burocrático.
A concessão pretendida, sem dúvidas, vai impulsionar o transporte de cargas (minério, fertilizantes e grãos) pela via, com estimativa de atingir 30 milhões de toneladas a partir de 2030 e investimentos nos primeiros cinco anos de R$ 63,8 milhões.
Somente o grupo J&F, dos irmãos Batista, que comprou as unidades da Vale em Corumbá, vai injetar R$ 1,1 bilhão no médio prazo para quadruplicar sua produção de minério de ferro, um dos melhores do mundo em teor de qualidade.
POLÊMICA ANTIGA
Depois que o presidente do Ibama recuou de forma intempestiva de sua posição informal de liberar a dragagem em alguns trechos da hidrovia, ficou clara a pressão das organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas e a recusa em série de outros setores do governo federal, como a Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação do Ministério de Portos e Aeroportos. A dragagem de realinhamento do canal passou a ser classificada como “dragagem de aprofundamento” para justificar a decisão.
Para consultores do setor, empresários e técnicos com larga experiência na hidrovia ouvidos pelo Correio do Estadoa licença ambiental concedida pelo Ibama para as intervenções no tramo norte (Cáceres, MT) há mais de 20 anos poderia ser estendida excepcionalmente ao tramo sul, considerando as especificidades do ambiente e a crise hídrica. Porém, o instituto alegou a ocorrência indígena em trechos onde o rio é compartilhado pelo Brasil e o Paraguai.
Também apontam como alternativa, para não tornar inexequível a concessão e, por extensão, o transporte de cargas pela via, o Ibama considerar o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) finalizado em 2017 pelo Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura (Itti), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a pedido do Dnit. Ao custo de R$ 9 milhões, o levantamento abrangeu os 1.270 km da hidrovia, de Cáceres ao Rio Apa.
As intervenções nos trechos críticos do rio não são uma condicionante apenas para atender os operadores, ampliar o transporte fluvial e reduzir a sobrecarga nas rodovias – entre as quais, a BR-262, em que centenas de caminhões com minério de ferro cruzam o Pantanal, impactam a fauna e provocam acidentes com vítimas. A Marinha solicita a dragagem de manutenção em 28 pontos, desde 2012, para garantir a segurança na navegação.
DRAGAGEM CEREBRAL
Os ambientalistas são alarmistas, segundo Troy Vettese, historiador espanhol especializado em Economia Ambiental, Estudos da Fauna e Energia. O discurso apocalíptico é inútil, prossegue Vettese, pois obscurece a percepção da crise. “O espalhafatar das ONGs quando se trata da hidrovia do Paraguai é algo premeditado. Se fala em ‘construir’ uma hidrovia, quando a via é um caminho natural, e quando perdem o argumento, inserem o indígena sob ameaça”.
Enviada por ambientalistas ao governo, a carta aberta condenando a dragagem, liderada pela pesquisadora da Embrapa Débora Calheiros, assessora do Ministério Público Federal, “evidencia o fundamentalismo ideológico do movimento disfarçado de proteção. Um caso típico de ‘dragagem cerebral’, como definiu o articulista Lorenzo Carrasco, jornalista e coautor de ‘Máfia Verde: O Ambientalismo a Serviço do Governo Mundial’ (2001)”.
A pressão consentida pelo governo pode desacreditar a concessão da hidrovia, sepultando, mais uma vez, a tentativa de incremento das exportações de minério de ferro de Corumbá pelo rio, depois de a Justiça barrar o escoamento da soja produzida em Mato Grosso.
As perdas serão bilionárias, alertou o deputado estadual corumbaense Paulo Duarte, crítico contumaz do Ibama. Ele culpa “os técnicos radicais” do órgão por impedirem a dragagem sem conhecerem o Pantanal.