O ator Nando Castros sonhava em fazer a cirurgia bariátrica. Aos 23 anos, o jovem de 1,71 m de altura pesava 136 kg e não tinha sucesso nas tentativas de perda de peso. Aconselhado por familiares, ele decidiu fazer a cirurgia, mas acabou tendo uma complicação rara que lhe custou a capacidade de se alimentar normalmente por seis anos.
De pouco depois da operação, realizada em março de 2011, até 2018, quando a cirurgia foi reparada, Nando não conseguia ingerir comidas sólidas, especialmente carnes. Ele sentia enjoo extremo e muitas vezes vomitava o alimento que não tinha sido digerido. O ator chegou a pesar 58 kg por causa dos enjoos e desnutrição.
“Logo depois do primeiro mês, em que fiquei em uma dieta líquida e pastosa, comecei a passar mal com vários tipos de alimento que eram reintroduzidos. Nos exames pós-bariátrica, eu era acompanhado apenas por estagiários e eles diziam ser normal que eu me sentisse enjoado. A sensação era tão ruim que decidi ir parando de comer. Passei a me alimentar apenas de sopas, caldos, cremes, vitaminas e suplementos alimentares para não faltar nutrientes no corpo”, conta.
Nando teve estenose, uma complicação cirúrgica que acontece em bariátricas do tipo bypass. Segundo o cirurgião bariátrico Denis Pajecki, do Hospital das Clínicas da USP, o problema atinge entre 1 e 2% das pessoas que fazem a cirurgia, mas pode ser resolvido com um acompanhamento correto.
“Quando a estenose acontece, o paciente passa a ter muita intolerância alimentar e isso deve ser investigado e prontamente tratado para que ele não chegue ao ponto de se desnutrir”, afirma Pajecki, que é representante do Departamento de Cirurgia Bariátrica da Associação para Estudo da Obesidade (Abeso).
A bariátrica bypass reduz o tamanho do estômago e cria um caminho mais direto para que a comida vá para o intestino, acelerando o processo de digestão e causando a perda de peso.
No caso de pacientes com estenose, o caminho que conecta o estômago ao intestino vai se tornando mais estreito por conta da formação de tecido cicatricial. Com isso, a comida fica embarreirada e o corpo tenta expeli-la através do vômito, o que gera a sensação de enjoo constante.
A complicação costuma aparecer entre o primeiro e o segundo mês pós-operatório e, segundo Pajecki, pode ser observada na dificuldade que o paciente tem de introduzir os alimentos na dieta, como ocorreu com Nando.
Ao perceber que os profissionais que o atendiam normalizavam seu quadro de saúde e com a demora em conseguir agendar consultas, o ator decidiu parar de ir ao médico que o operou. Ele chegou a se consultar com um segundo profissional, que identificou a estenose, mas recomendou que ele voltasse no primeiro médico para fazer a cirurgia corretiva, já que o cirurgião inicial era o responsável pelo caso.
“Fui morar fora do Brasil por dois anos e fiquei sem nenhum atendimento médico, me alimentando praticamente apenas dos líquidos. Quando voltei, recebi o parecer de outros médicos que indicaram que eu voltasse no profissional que tinha feito a cirurgia. Eu tinha medo de ir e o processo era demorado para conseguir uma nova cirurgia. Acabei tendo uma crise depressiva e passei a descontar minha compulsão por comida em álcool e vício em compras. Foi um período muito difícil para mim”, relembra Nando.
Como é o tratamento da estenose?
A estenose não ocorre por erro médico. É uma complicação do processo de cicatrização e por isso não dá para garantir que ela não vá ocorrer. Embora seja possível mitigar seus riscos, usando materiais de maior qualidade e técnicas de grampeamento e costura, o controle da estenose é feito com o acompanhamento posterior à cirurgia.
Normalmente, seus sinais aparecem nos primeiros meses, mas é possível que a estenose apareça também meses ou anos depois da cirurgia. “Nestes casos, ela normalmente está relacionada a algum outro fator. Um deles é a úlcera estomacal derivada do uso de anti-inflamatórios não hormonais e o tabagismo, que devem ser evitados pelos pacientes”, aconselha Pajecki.
De acordo com a endocrinologista Jacqueline Rizzoli, coordenadora da Abeso e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), o tratamento da estenose não costuma ser complicado.
“A equipe de acompanhamento, ao perceber os sinais, faz uma endoscopia para levar uma câmera até o estômago e ver o estado da estenose. Neste procedimento já se pode tentar dilatar o caminho com um pequeno balão. Se isso não resolver, se faz uma nova cirurgia para abrir a passagem”, resume.
Jacqueline usa o caso de Nando como exemplo de que perdas de peso tão acentuadas não devem ser normalizadas por quem faz bariátrica ou mesmo tenha comportamentos muito restritivos de alimentação. “É preciso fazer o acompanhamento e não deixar agravar o quadro. Uma pessoa ingerindo somente alimentos líquidos inevitavelmente vai acabar se desnutrindo. Ele jamais deveria ter chegado a 58 quilos, então é preciso dar atenção a esses problemas”, diz ela.
Após o tratamento, a pessoa volta gradativamente a se alimentar de forma mais normal. São feitas suplementações de vitaminas e proteínas (pode ser necessária internação para repor os nutrientes) até que o paciente esteja com melhor quadro clínico.
“Não me arrependo da bariátrica”
Nando conseguiu o atendimento com seu cirurgião em 2018 e refez parte da bariátrica — o médico cortou o tecido da estenose e consertou a costura. Como já estava extremamente magro, o retorno do ator à dieta restritiva do pós-operatório foi muito difícil. “Eu não podia emagrecer, então tinha que tomar copinhos de suplemento a cada meia hora, foi muito complicado”, lembra.
Atualmente com 70 kg, Nando diz que se arrepende do médico que escolheu para fazer o procedimento, mas não da bariátrica em si. “Apesar de tudo. a minha vida mudou muito quando deixei de ser obeso e emagreci. Aprendi muita coisa sobre mim mesmo e sobre o mundo. Não troco essas aprendizagens por nada”, afirma.
O ator segue fazendo acompanhamentos semestrais, mas com outros médicos. Ele conseguiu normalizar sua alimentação e atualmente não faz mais uso de suplementos.
“Lembro que minha maior felicidade foi ir em uma churrascaria e comer pedaços de carne sem passar mal. Hoje levo uma vida normal e sempre indico a bariátrica, mas falo para escolher bem o médico e fazer um plano pré e pós-cirúrgico de atendimento”, finaliza ele.